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Bullying: uma análise crítica sobre a Lei Nº 13.185/2015

Bullying: uma análise crítica sobre a Lei Nº 13.185/2015

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O presente artigo versa sobre bullying, também denominado como vitimização, como forma de assédio, e analisa a lei nº 13.185/2015, que institui o Programa de Combate à Intimidação Sistemática.

Bullying é essencialmente uma palavra de origem inglesa em que bully significa valentão, alguém que intimida ou ameaça[1]. O “ing” da palavra indica uma ação contínua, ou seja, que acontece no presente e segue acontecendo no futuro. É a denominação mais conhecida e empregada internacionalmente quanto ao tema.

Assim, bullying é um termo da literatura psicológica anglo-saxônica, mais utilizada para designar uma conduta violenta e repetitiva, ocorrida principalmente nas escolas. Um tipo específico de assédio em que um escolhe de forma consciente e deliberada uma vítima para aterrorizar de forma constante, causando seu eventual isolamento (FANTE, 2005). É caracterizado pelo desequilíbrio de poder, vez que a vítima é sempre indefesa por alguma razão, seja ela por conta do porte físico, encaixar-se em minoria ou ser presa fácil de ser atacada psicologicamente. O agressor sente prazer em diminuir o alvo por sentir que, ao fazê-lo, enaltece o próprio ego.

Em atos de bullying, todo e qualquer envolvido sofre as consequências, ainda que em diferentes proporções. Os efeitos advindos desse fenômeno podem inclusive ser sentidos muito após as agressões se encerrarem, trazendo dificuldades em diversos aspectos da vida dos afetados.

A Lei de nº 13.185 foi instituída no dia 6 de novembro de 2015, possui 8 (oito) artigos no total e entrou em vigor 90 dias após a publicação, dia 7 de fevereiro de 2016.

A referida lei tem como propósito desencorajar atos de violência no âmbito escolar, instituindo, por meio desta, o Programa de Combate à Intimidação Sistemática, mais conhecido como bullying.

Assim, para melhor utilização do dispositivo, foi instituída uma definição própria para esse tipo de agressão, considerando bullying, em seu art. 1º, § 1o:

§ 1o  No contexto e para os fins desta Lei, considera-se intimidação sistemática (bullying) todo ato de violência física ou psicológica, intencional e repetitivo que ocorre sem motivação evidente, praticado por indivíduo ou grupo, contra uma ou mais pessoas, com o objetivo de intimidá-la ou agredi-la, causando dor e angústia à vítima, em uma relação de desequilíbrio de poder entre as partes envolvidas (BRASIL. Lei 13185, 2015, art. 1º)

 Caracterizam, também, exemplos de condutas que se encaixam na violência, sendo estas:

Art. 2o  Caracteriza-se a intimidação sistemática (bullying) quando há violência física ou psicológica em atos de intimidação, humilhação ou discriminação e, ainda:

I - ataques físicos;

II - insultos pessoais;

III - comentários sistemáticos e apelidos pejorativos;

IV - ameaças por quaisquer meios;

V - grafites depreciativos;

VI - expressões preconceituosas;

VII - isolamento social consciente e premeditado;

VIII - pilhérias.

Em seu art. 3º, explicita por meio exemplificativo o que viriam a ser os atos danosos do bullying, e classifica as agressões em verbal (que compreende insultos, xingamentos e apelidos ofensivos); moral (difamações e criação de rumores); sexual (por intermédio de assédios ou abusos); social (ignorar, isolar e excluir); psicológico (abrange intimidação, perseguições, chantagens e manipulações); físico (agressões); material (furtos, roubos, destruição de pertences alheios) e, ainda, o virtual (também conhecido como cyberbullying, que é basicamente o assédio e intimidação por meios virtuais, com a finalidade de provocar constrangimento e depreciar outrem).

No próprio dispositivo pode-se ter a percepção do que a lei propõe, que consta no art. 4º e seus respectivos incisos, assim sejam:

Art. 4o  Constituem objetivos do Programa referido no caput do art. 1o:

I - prevenir e combater a prática da intimidação sistemática (bullying) em toda a sociedade;

II - capacitar docentes e equipes pedagógicas para a implementação das ações de discussão, prevenção, orientação e solução do problema;

III - implementar e disseminar campanhas de educação, conscientização e informação;

IV - instituir práticas de conduta e orientação de pais, familiares e responsáveis diante da identificação de vítimas e agressores;

V - dar assistência psicológica, social e jurídica às vítimas e aos agressores;

VI - integrar os meios de comunicação de massa com as escolas e a sociedade, como forma de identificação e conscientização do problema e forma de preveni-lo e combatê-lo;

VII - promover a cidadania, a capacidade empática e o respeito a terceiros, nos marcos de uma cultura de paz e tolerância mútua;

VIII - evitar, tanto quanto possível, a punição dos agressores, privilegiando mecanismos e instrumentos alternativos que promovam a efetiva responsabilização e a mudança de comportamento hostil;

IX - promover medidas de conscientização, prevenção e combate a todos os tipos de violência, com ênfase nas práticas recorrentes de intimidação sistemática (bullying), ou constrangimento físico e psicológico, cometidas por alunos, professores e outros profissionais integrantes de escola e de comunidade escolar.

Entretanto, é notável o quanto, em diversos aspectos, a lei é omissa, como será abordado a seguir.

O inciso I apresenta como objetivo do presente dispositivo prevenir e combater o bullying na sociedade, mas não ficam claras as formas para que isso aconteça.

O que leva ao inciso II, que afirma que irá capacitar docentes e equipes pedagógicas na solução dos problemas decorrentes de bullying, visando, ainda, a prevenção, algo que poderia ser visto por alguns como tentativa de cessar as agressões, mas o questionamento que resta é como o governo pretende realizar tal ato e quando, pois resta claro, a partir das consequências desses atos, a urgência de medidas, ainda que preventivas.

Podemos observar, também, no inciso VIII, que a punição ao agressor é expressamente reprovável, já que insiste em “evitar, tanto quanto possível, a punição dos agressores”. E quanto a vítima? Quais são as medidas para resguardar os danos causados à vítima da agressão e para que a mesma se sinta segura e protegida no ambiente escolar? Ainda, é preocupante a percepção que algo assim traz ao agressor – que tem sérias e reais tendências criminosas, como já foi abordado nos estudos do professor Dan Olweus – de impunidade.

O artigo 5º apresenta o ‘dever’ de determinados estabelecimentos em prevenir e combater a intimidação sistemática, mas não prevê qualquer tipo de sanção àqueles que o descumprirem, assim como ocorre com qualquer determinação presente nesta legislação.

Já no artigo 6º, temos a premissa de que serão produzidos e publicados relatórios bimestrais das ocorrências, mas novamente é vago quanto à forma que essa determinação deve ser feita ou a punição adequada. Além de não afirmar como deverão ser produzidos ou onde serão publicados os relatórios. Detalhes que definitivamente fazem toda a diferença.

A importância de prever medidas que impeçam as instituições de descumprirem essas premissas faz-se essencial a fim de resguardar a ordem imposta, ou deixa de ser obrigatório para servir apenas a título sugestivo, opcional.

Fica claro, a todo momento, que tal dispositivo é vago de diversas formas. Ou seja, a presente lei serve praticamente apenas a título informativo e insuficientemente preventivo, devido às suas lacunas.

Contudo, a lei traz um grande benefício para a sociedade, ao reconhecer o bullying como um problema de repercussão nacional, que precisa de uma normatização própria. Promove, ainda, respaldo e credibilidade às vítimas, que agora possuem base em suas reivindicações. Serve para alertar sobre o problema.

É preciso entender que a lei que foi proposta, ainda que seja um grande avanço, mostrando o intuito e preocupação a respeito do bullying por parte do Governo e a violência escolar de uma forma geral, não chega a suficiente e não abrange diversos temas que deveriam ser obrigatoriamente citados, como, a título exemplificativo, a responsabilidade civil das escolas nos casos de bullying e ocasiões em que a indenização é devida, assim como os procedimentos específicos que deverão ser adotados em cada caso. Se a partir desta forem aprimoradas as soluções, os envolvidos no bullying poderão utiliza-la de maneira infinitamente melhor.


[1] Dicionário Online Cambridge, disponível em <http://dictionary.cambridge.org/pt/dicionario/ingles-portugues/bully?q=bullying> acesso em 20 de novembro de 2016.


Referências:

BRASIL. Presidência da República. Programa de Combate à Intimidação Sistemática (Bullying). Brasília: Casa Civil Subchefia para Assuntos Jurídicos, 2015. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13185.htm> Acesso em: 2 de maio de 2016.

FANTE, Cléo. Fenômeno Bullying: como prevenir a violência nas escolas e educar para a paz. 2. ed. rev. e ampl. Campinas, SP: Verus, 2005.

GOMES, Luiz Flávio. Bullying: deturpação do conceito e escassez de estudos. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3339, 22 ago. 2012. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/22464>. Acesso em: 8 junho de 2016.

GOMES, Marcelo Magalhães. O bullying escolar no Brasil. Disponível em: <http://meuartigo.brasilescola.uol.com.br/educacao/o-bullying-escolar-no-brasil.htm> Acesso em: 2 de junho de 2016.

LEÃO, Letícia Gabriela Ramos. O fenômeno bullying no ambiente escolar. Em Revista FACEVV. Vila Velha, Número 4, p. 119-135, Jan./Jun. 2010.

OLWEUS, Dan. Bullying at School: Basic Facts and Effects of a School Based Intervention Program. J. Child PsychoL Psychiat. Vol. 35. No. 7, pp. 1171-1190, 1994 Elsevier Science Ltd  . Disponível em: <https://www.researchgate.net/profile/Dan_Olweus/publication/15391812_Bullying_at_School_Basic_Facts_and_Effects_of_a_School_Based_Intervention_Program/links/579ce1a608ae6a2882f2e805.pdf> acesso em 20 de outubro de 2016.



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