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RESPONSABILIDADE DO ESTADO ANTE AO SISTEMA CARCERÁRIO

RESPONSABILIDADE DO ESTADO ANTE AO SISTEMA CARCERÁRIO

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A presente pesquisa busca analisar a responsabilidade do Estado brasileiro ante ao sistema carcerário, buscando esclarecer se o Estado exerce e cumpre suas obrigações na proteção dos direitos dos apenados frente às instituições prisionais.

RESUMO: A presente pesquisa busca analisar a responsabilidade do Estado brasileiro ante ao sistema carcerário, buscando esclarecer se o Estado exerce e cumpre suas obrigações na proteção dos direitos dos apenados frente às instituições prisionais. Ademais, irá abordar: a responsabilidade civil do Estado; a condição na qual se encontra as instituições carcerárias brasileiras; os direitos garantidos aos apenados; a dignidade humana; a superlotação no sistema prisional; a ressocialização; a indenização resultante do prejuízo causado ao preso; e, a jurisprudência pátria. Tendo em vista a efetivação dos fundamentos controladores do Estado Democrático de Direito a todos os indivíduos, ou seja, a Constituição da República Federativa do Brasil resguarda que as garantias fundamentais são dispostas a todos os brasileiros. Destarte, o detento perdeu, em certa medida, a liberdade, entretanto, possuem ainda vários outros direitos que devem ser respeitados e defendidos, inclusive os seus direitos fundamentais e o da dignidade da pessoa humana, especificamente seus direitos a integridade física e moral, os quais muitos desses direitos estão sendo violados.

Palavras-chaves: Sistema carcerário. Responsabilidade Civil. Proteção. Apenados. Direitos. Violados.

ABSTRACT: The present research seeks to analyze the responsibility of the Brazilian State before the prison system, seeking to clarify if the State exercises and fulfills its obligations in the protection of the rights of the prisoners before the prison institutions. In addition, it will address: civil liability of the State; the condition in which the Brazilian prison institutions are located; the rights guaranteed to the victims; human dignity; overcrowding in the prison system; resocialization; the compensation resulting from the injury caused to the inmate; and, the jurisprudence homeland. In view of the implementation of the foundations controlling the Democratic State of Law for all individuals, that is, the Constitution of the Federative Republic of Brazil guarantees that the fundamental guarantees are available to all Brazilians. The detainee has, to a certain extent, lost his freedom. However, he still has several other rights that must be respected and defended, including his fundamental rights and the dignity of the human person, specifically his rights to physical and moral integrity, many of these rights are being violated

Keywords: Prison system. Civil responsability. Protection. Distressed. Rights.


INTRODUÇÃO

A realidade imposta aos encarcerados e a preocupação se o Estado está promovendo a proteção do direito da personalidade dos mesmos, gera uma polêmica no que tange aos indivíduos do sistema penitenciário.

Torna-se cada vez mais perceptível os discursos em prol do não reconhecimento dos apenados como indivíduos dignos de direitos.

Entretanto, a população deve aceitar que a circunstância de ser um encarcerado não lhes retira a condição de ser humano, e permanência de vários direitos, incluindo o da personalidade, de modo mais especifico seu direito a integridade moral e física.

É imprescindível ressaltar que o objetivo do referido trabalho não é defender a impunidade de quem comete ato ilícito ou a aplicabilidade de penas mais moderadas. Busca-se, entretanto, a aplicabilidade das normas que estabelecem e regulam o cumprimento da pena privativa de liberdade e a observância das normas e princípios contidos na Constituição Federal de 1988, por exemplo, é resguardado em seu artigo 5º, III e XLIX.

O acontecimento de algum indivíduo ter cometido um ato ilícito, desconsiderando as normas estabelecidas pela sociedade e pelo ordenamento jurídico, não permite que o Estado desconsidere as leis existentes.

Ademais, a prisão em seu papel seria uma instituição na qual o Estado, através dos recursos financeiros obtidos junto aos cidadãos, proporcionaria aos indivíduos que praticaram delitos o seu isolamento, de forma a ressocializá-los para que os mesmos retornem ao convívio social. Esse seria o objetivo legítimo de uma instituição prisional e da aplicação da pena privativa de liberdade.

Destarte, é de suma importância frisar que a pretensão da pena privativa de liberdade não é o pagamento pelo o dano já causado, todavia a reabilitação do encarcerado para que o mesmo possa retornar ao convívio social.

Neste sentido, é inevitável destacar as garantias constitucionais dos detentos, pois o cumprimento de sua pena não pode implicar em desconsideração ou diminuição de direitos fundamentais.

Já numa análise superficial percebemos que a realidade do sistema carcerário é outra. No atual sistema prisional, a pena tem cumprido apenas o seu caráter punitivo, impondo um castigo ao condenado, sem lhe proporcionar sua recuperação e sua consequente reintegração social.

Ressaltando que um dos principais castigos impostos aos apenados são as condições imposta a eles, sendo essa, causa dos principais danos aos presos e que é algo totalmente evidente, como, a superlotação, falta de estrutura e espaço físico, insalubridade, incidência de doenças, ocorrência de mortes e agressões praticadas pelos próprios companheiros de ambiente, abusos sexuais, dentre outras situações degradantes.

Diante o exposto torna-se claro que a atual realidade do sistema penitenciário brasileiro é indigna e lastimável, sendo que as condições de existência humana atingem níveis mínimos tendo como consequência danos inimagináveis a estes seres humanos.

Essas situações desconsideram os princípios do direito constitucional, agredindo, além da integridade física e moral, a dignidade da pessoa humana, o que está garantido pela Constituição Federal e que deve ser precisamente respeitado e exercido.

Diante o exposto é insustentável pensar que apenas a detenção gera transformação aos indivíduos, pois os índices de criminalidade e reincidência em sua maioria não se transformam, podendo refletir que o Sistema Penitenciário Brasileiro não está conseguindo atingir o objetivo de ressocialização dos seus internos e uma das suas falhas é justamente não estar resguardando e promovendo de forma correta os direitos da personalidade do apenado.

A realidade do sistema penitenciário do Brasil, frente aos Direitos da Personalidade dos presos com a finalidade de ressocializá-los será a problemática centralizadora do presente trabalho.

Para demonstrar a responsabilidade estatal, se faz necessário analisar os direitos resguardados aos apenados e se estão sendo exercidos e cumpridos, como também fazer uma ponte com a posição da sociedade perante o assunto e seu dever como contribuinte indireto para a ressocialização do apenado.

Assim, demonstrar-se-á a necessidade de responsabilização do Estado pelos prejuízos causado aos presos, com a finalidade de evitar injustiças, de forma a dar ensejo aos direitos e garantias impostas pela Constituição Federal.


1.RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO

O Estado brasileiro mantém o poder-dever de privar de direitos e de liberdade o indivíduo que violar as normas vigente no país.

O princípio primário dá ao Estado o direito de punir (jus puniendi) o transgressor da lei por intermédio da execução do princípio secundário. “No momento em que é cometida uma infração, esse poder, até então genérico, concretiza-se, transformando-se numa pretensão individualizada, dirigida especificamente contra o transgressor” (CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal, p. 2).

Não obstante, o poder de punir do Estado deve ser concomitante ao seu dever de resguardar e garantir os direitos fundamentais dos encarcerados.

A negligencia do Estado perante as normas que estabelecem a ação da Administração Pública possibilita que danos irreparáveis sejam causados, tendo o Estado que ser responsável civilmente por esses danos.

Dado o supracitado o artigo 37, parágrafo 6º da Constituição Federativa do Brasil de 1988, dispõe que:

Art. 37, § 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

Tornando evidente que o Estado é responsável por todos os danos promovido aos apenados, aliás estão sob sua custódia.

Com isso, ao punir infratores passa a ter responsabilização de assegurar a dignidade humana dos mesmos. 

De acordo com César Fiuza (2006, p. 32), “Responsabilidade revela um dever, um compromisso, uma sanção, uma imposição decorrente de algum ato ou fato”, garantindo a compreensão da conexão obrigatória com o custodiado que foi ofendido.

Com relação a responsabilidade civil, Maria Helena Diniz, ensina que:

A aplicação de medidas que obriguem alguém a reparar o dano moral ou patrimonial causado a terceiros em razão de ato do próprio imputado, de pessoa por quem ele responde, ou de fato ou coisa ou animal sob sua guarda (responsabilidade subjetiva), ou, ainda, de simples imposição da legal (responsabilidade objetiva). (DINIZ, 2003, p. 74)

Destarte, a responsabilização civil é a obrigação de prestar indenização como maneira de punição ao responsável pelo prejuízo causado.

1.1  TEORIAS RELATIVAS A RESPONSABILIDADE CIIVIL DO ESTADO

É sabido que a sociedade se desenvolve na medida que o tempo passa, com isso, acarreta consequências de mudanças acerca da responsabilização estatal perante os feitos praticados pelos os que são delegados pelo próprio Estado para administrar os encarcerados.

Dado essa evolução, a atenção com a dignidade e os direitos fundamentais dos indivíduos que estão sob custódia estatal, precisaram mudar de modo considerável, devendo ser o maior promovedor dessa responsabilidade a Administração Pública.

Com isso, as teorias acerca da tese proposta evoluíram, dando a cada parcela de desenvolvimento um maior percentual de responsabilidade ao Estado, em detrimento do mal causado aos custodiados pelos governantes do serviço estatal.

O desenvolvimento histórico que se verá a seguir foi de suma importância para tentar assegurar aos apenados uma proteção diante dos atos praticados pelo Estado.

1.1.1     Teoria da Irresponsabilidade

É imprescindível ressaltar que anteriormente a esse desenvolvimento contínuo da responsabilidade do Estado, predominava a teoria da irresponsabilidade estatal, na qual o regente que determinava o que devia se fazer ou não. Exercia sua função de administrador dos apenados, conforme a máxima americana the king do noto wrong (o rei não erra nunca).

Odete Medauar, com relação a essa teoria, dispõe:

Durante muitos séculos prevaleceu a teoria da irresponsabilidade do Estado. Várias concepções justificavam tal isenção, dentre as quais: o monarca ou o Estado não erram; o Estado atua para atender ao interesse de todos e não pode ser responsabilizado por isso; a soberania do Estado, poder incontestável, impede seja reconhecida sua responsabilidade perante um indivíduo. (MEDAUAR, 2006, p. 365)

Segundo Paulo Tadeu Rodrigues Rosa (2004, p.33), “Devido a injustiça que representava essa teoria foi afastada. Não havia sentido que um Estado representante dos interesses de uma coletividade estivesse sob o manto da irresponsabilidade.”

1.1.2     Teoria Civilista

Ultrapassada a teoria da irresponsabilidade, ensejou a teoria civilista alicerçada na responsabilidade subjetiva.

Nessa teoria, tentou-se distinguir os atos de gestão dos atos de império, que, de acordo com Caio Mario (1966, p. 393), teve o sentido de um “processo lógico e sutil, através do qual se passou a admitir alguns casos de responsabilidade, enquanto em outros se a recusava”.

Com o Estado sendo caracterizado por sua supremacia, apenas se responsabilizava por atos de mera gestão sem o poder de império. Ademais, a culpa ou o dolo causado pelo Estado deveria necessariamente ser comprovada.

O Código Civil Brasileiro de 1916 em seu artigo 15 propôs sobre a responsabilidade subjetiva:

As pessoas jurídicas de direito público são civilmente responsáveis por atos de seus representantes que, nesta qualidade, causarem danos a terceiros procedendo de modo contrário ao direito ou faltando a dever prescrito por lei, salvo o direito de regresso contra os causadores de danos.

Dado o exposto, promovendo nesta uma adaptação dos institutos de direito privado ao direito público.

1.1.3     Teorias Publicísticas

A responsabilidade sustentada na culpa permaneceu até que fossem admitidas as Teorias publicísticas, sendo elas a Teoria da Culpa Administrativa e a Teoria Objetiva ou Teoria do Risco, como frequentemente é prestigiada. Com isso, a culpa recebeu nova feição passando a perdurar a culpa administrativa.

Não é preciso a identificação de uma culpa individual para deflagrar-se a responsabilidade do Estado.

Esta noção civilista é ultrapassada pela ideia denominada de faute du service entre os franceses. Ocorre a culpa do serviço ou falta do serviço” quando este não funciona, devendo funcionar, funciona mal ou funciona atrasado. Esta é a tríplice modalidade pela qual se apresenta e nela se traduz um elo entre a responsabilidade tradicional do Direito Civil e a responsabilidade objetiva. (BANDEIRA, 2011, p. 1019)

Em consonância com o supracitado, começou a não ter necessidade do reconhecimento do agente público para que houvesse a obrigação de reparar o dano, passando a ser necessário apenas a confirmação da irregularidade do serviço público.

Isto posto, se a atividade não fosse desenvolvida de forma correta, acarretava a responsabilidade de indenizar.

A responsabilidade objetiva teve um impulso significativo com o surgimento da Constituição da República Federativa do Brasil de 1946, que retirou o dever de comprovar a culpa do agente público para poder obter indenização, tendo em vista que o custodiado é sempre o hipossuficiente do elo entre as partes.

Ademais, com a instituição da CRFB de 1988, adquiriu potencial notoriedade a teoria do risco administrativo.


2           CONDIÇÃO NA QUAL SE ENCONTRA GRANDE PARTE DAS INSTITUIÇÕES CARCERÁRIAS BRASILEIRAS

É notória a situação desumana em que vivem os presos, não ressocialização, e o Estado não garante os direitos que estes têm previsto em lei.

Um fator bastante evidente ao se tratar sobre responsabilidade civil do Estado perante o sistema carcerário é a superlotação, deixando notória a insuficiência do Estado ao zelar por esse assunto.

Com isso fica evidente que os direitos constitucionais dos apenados não estão resguardados, por exemplo, a capacidade de comportar presos nas celas está sendo ultrapassada de forma a abarrotar as mesmas até não caber mais nenhum indivíduo. Vale ressaltar a falta de higiene e violência que domina nos presídios.

...onde não houver respeito pela vida e pela integridade física e moral do ser humano, onde as condições mínimas para uma existência digna não forem asseguradas, onde não houver limitação do poder, enfim, onde a liberdade e a autonomia, a igualdade (em direitos e dignidade) e os direitos fundamentais não forem reconhecidos e minimamente assegurados, não haverá espaço para a dignidade humana e esta (pessoa), por sua vez, poderá não passar de mero objeto de arbítrio e injustiças. (SARLET, 2006, p.59)

Uma consequência da convivência dos presos em celas superlotadas é a tensão, angústia, ansiedade, medo, desgaste psicológico. Ocasionando, crimes contra à vida e abusos por parte dos policiais.

A interrogação ante a penitenciária é uma temática delicada, porém, entende-se que os apenados deveriam ter seus direitos amparados como todo e qualquer ser humano, o que se ver atualmente que não é o que de fato ocorre.

As circunstâncias precárias as quais estão sujeitos não são condições propícias em um sistema como o brasileiro, que deve valorizar no mínimo pelo bem-estar físico dos apenados.

 Em virtude que a lei penal e o sistema jurídico do Brasil, em geral, não permite que se cumpra pena desta maneira, não se permite a diminuição dos direitos do cidadão, mesmo que este esteja cumprindo pena.

Somente de acordo com as leis regulamentadoras, se dará o abandono da liberdade do ser humano, e de forma obrigatória deve haver a firme observância às normas nelas contidas.

Não pode haver restrição ao que se refere a direitos fundamentais necessários a uma vida digna do ser humano. Para Carmem Silvia de Moraes Barros (2006, [site]):

O princípio da dignidade da pessoa humana assegura e determinam os contornos de todos os demais direitos fundamentais. Quer significar que a dignidade deve ser preservada e permanecer inalterada em qualquer situação em que a pessoa se encontre. A prisão deve dar-se em condições que assegurem o respeito à dignidade.

O resultado desordenado que surge de acordo com a superlotação dos presídios se resume a vários fatores incompatíveis com o bem comum da sociedade, por exemplo, cria-se comércio ilegal, tráfico de drogas, rebeliões, abusos, assassinatos e o domínio do crime organizado.

Ao se falar da confiança prestada pelo Estado é de sua obrigação realizar seu dever por meio de entidades estaduais e nacionais de segurança, buscando com isso, impedir mudanças drásticas na esfera da sociedade.

Portanto, a cada sentença ou atitude decidida por intermédio de instituições promovedoras de proteção terá como consequência buscar a redução dos malefícios aos indivíduos e aos seus patrimônios.

Com isso, dentre as possibilidades usadas pela guarda pública é a reclusão de conviver em sociedade do indivíduo que descumpriu uma lei de ordem pública.

Com isso, após a detenção do indivíduo ser realizada e sua retirada feita com êxito, o mesmo começa a fazer parte do sistema prisional e a responsabilidade pública é de assegurar sua proteção na penitenciária.

Tornando-se assim de plena obrigação do Estado quaisquer prejuízos que o indivíduo passe dentro da prisão, tendo em vista que pertence ao Estado à responsabilidade de prestar serviço, conforme exalta a CRFB em seu artigo 37, parágrafo 6º:

Art. 37, § 6º- As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

Vale ressaltar, que todo malefício causado nas prisões brasileiras afirma-se que o Estado possuiu uma falta de cuidado, independente se o prejuízo seja oriundo de um desentendimento interno dos aprisionados.

A obrigação de resguardar os custodiados é totalmente do Estado, qualificando os atos contrários a essa salvaguarda como feito ilícito.


3           OS DIREITOS GARANTIDOS AOS PRESOS NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988 E NA LEI DE EXECUÇÃO PENAL

Os encarcerados em decorrência das conquistas históricas e, em função do progresso do princípio da dignidade da pessoa humana, obtiveram direitos e não mais apenas deveres.

Com isso, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 consagrou os direitos e garantias fundamentais de maneira progressista, inserindo direitos políticos, civis e sociais.

Ademais, a CRFB de 1988, em seu artigo 5º, parágrafo 2º, dispõe que:

Art. 5º, § 2º - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

Dado isso, deu-se permissibilidade para que haja o reconhecimento de outros direitos e garantias fundamentais resultantes de tratados internacionais, leis e princípios.

Além disto, a CRFB de 1988 dentro do rol de direitos e garantias fundamentais determinou que não haverá penas cruéis, dispondo em seu artigo 5º, inciso XLVII, alínea “e”. E, resguardou ao encarcerado em seu artigo 5º, inciso XLIX o respeito à integridade física e moral.

Com isso, o indivíduo preso passou a não ser mais visado como um simples objeto processual.

Contudo, deve o aprisionado ter como garantia principal sua dignidade humana resguardada, como também ao ser preso o encarcerado começa a ter uma ligação mútua com o Poder Público, ou seja, o custodiado tem direitos ante a esse poder e deveres tornando-o sujeito a delimitações impostas por esse mesmo órgão.

É imprescindível ressaltar que não fora descomplicado a internalização dessas hodiernas determinações, por exemplo, no Brasil apenas surgiu espaço para esse debate político, acerca das condições impostas aos custodiados, aos fins da ditadura militar que perdurou de 1964 a 1985.

Com essa possiblidade de discussão deu-se ensejo para a promulgação da Lei de Execução Penal (LEP), que veio para aprimorar o ordenamento jurídico brasileiro dispondo sobre a efetivação e aplicação da pena de forma tanto judicial quanto administrativa.

A lei federal nº 7.210 de 11 de julho de 1984 (LEP), dispõe acerca de como deve prosseguir todo e qualquer encarceramento no Brasil de forma detalhada e rigorosa.

Atualmente, almeja-se incansavelmente a condecoração desses direitos e garantias supramencionados, todavia em decorrência dos erros cometidos pelo Estado Brasileiro ao longo dos tempos não permite que o mesmo execute o que é previsto na CRFB de 1988.

Isso se reflete em todas as áreas sociais, e com grande ênfase no âmbito do Direito Penal, pois o poder estatal passou a utilizar da pena e das prisões como principal forma de controle e manutenção da ordem, esquecendo-se que seu objeto e limite de atuação estão estabelecidos e vinculados aos direitos fundamentais. (CARVALHO, 2004, p.19)

Dado isso, na contemporaneidade é bastante ressaltada a discussão sobre a contrariedade existente na execução do que estar previsto na CRFB e na LEP. Tornando de grande importância o reconhecimento e a prática desses direitos fundamentais resguardados que não estão sendo aplicados.


4           INDENIZAÇÃO RESULTANTE DO MALEFÍCIO CAUSADO AO ENCARCERADO

É sabido que para que enseje o dever de responsabilidade do Estado brasileiro, é necessário que haja um dano causado, malefício esse ocasionado devido a forma de execução da atividade prestada pela administração pública.

A responsabilidade objetiva como já fora supracitada determina que deve haver a determinação subsistente do dano e a comprovação da ligação causal.

Com isso, para que o prejuízo causado passe a ser indenizável deve acontecer o desrespeito ao bem jurídico tutelado.

Celso Antônio Bandeira de Mello (2005, p. 944-945), leciona que:

Não basta para caracterizá-lo a mera deterioração patrimonial sofrida por alguém. Não é suficiente a simples subtração de um interesse ou de uma vantagem que alguém possa fruir, ainda que legitimamente. Importa que se trate de um bem jurídico cuja integridade o sistema normativo proteja, reconhecendo-o como um direito do indivíduo.

Portando, para que gere o dever de indenizar, far-se-á necessário que o fato contenha todos os pressupostos necessários para que ocorra a possibilidade indenizatória, entretanto, um leve acontecimento negativo não gera condão jurídico para se pleitear a indenização.

 A responsabilização do Estado brasileiro é exercida através da ação indenizatória. Consequentemente, o custodiado tem direito a pleitear a indenização contra o Estado no momento em que demonstra a ligação entre o malefício sofrido e o exercício da administração pública.

Hely Lopes Meirelles (2005, p. 667), explica que:

Para obter a indenização basta que o lesado acione a Fazenda Pública e demonstre o nexo causal entre o fato lesivo (comissivo ou omissivo) e o dano, bem como seu montante. Comprovados esses dois elementos, surge naturalmente a obrigação de indenizar. Para eximir-se dessa obrigação incumbirá à Fazenda Pública comprovar que a vítima concorreu com culpa ou dolo para o efeito danoso. Enquanto não evidenciar a culpabilidade da vítima, subsiste a responsabilidade objetiva da Administração. Se total a culpa da vítima, fica excluída a responsabilidade da Fazenda Pública; se parcial, reparte-se o quantum da indenização.

A indenização é exequível tanto no dano moral quanto no dano material. Desta maneira, a atuação dos administradores em serviço do Estado que provoque malefícios morais, assim como material aos administrados, estarão sujeitos a responsabilidade do poder público brasileiro.

Todavia, essa responsabilização reflete devido o Estado possuir deveres que devem ser prestados aos encarcerados, buscando preservá-los de quaisquer danos.

Conquanto, a responsabilidade de indenizar o preso por dano moral não é tão objetiva quanto à por dano material.

Regina Linden Ruaro (2002, p. 150), explana que:

Nessa linha de entendimento, não basta, para obter a reparação por danos morais, o alegar da existência de dor, eis que este é um critério subjetivo, cujo sentir varia de pessoa para pessoa. O direito deve compensar o dano que provocou efeitos morais lesivos à vítima porque assim previstos no ordenamento jurídico.

 Dado isso, por mais que diversos autores defendam que não é possível que haja indenização por dano moral, é preciso que a mesma seja reconhecida para que não aconteça um retrocesso na legislação brasileira, tendo em vista que se não for reconhecida, estaria retornando para a teoria da irresponsabilidade já supramencionada.

Entretanto, o dano moral deverá resultar de uma lesão a um bem jurídico tutelado pelo Estado, significando que esse dano essencialmente deve pertencer ao plano dos direitos da pessoa humana.


CONCLUSÃO

A realidade penitenciária brasileira e os danos causados pelas degradantes condições expostas aos apenados que estão cumprindo sua detenção nas cadeias brasileiras é uma questão bastante pautada na atualidade.

Como devidamente já foi supracitada a função dos sistemas prisionais do Brasil está sendo consideravelmente falha.

 Não conseguindo o mesmo atingir seu objetivo primordial de forma eficaz, o que é reafirmado diariamente pelo índice de reincidência, deixando a desejar na sua finalidade, que é a ressocialização.

É obrigação do Estado a proteção aos limites constitucionais dada a cada indivíduo, tornando-se essencial o exercício das garantias resguardados no ordenamento jurídico brasileiro.

Tendo o Estado o dever de exercer sua função de forma efetiva e garantir os direitos fundamentais aos seus tutelados, entretanto, é sabido que isso não vem ocorrendo.

Em uma análise superficial é notório que a realidade do sistema carcerário é controvérsia.

No atual sistema prisional, a pena tem cumprido apenas o seu caráter punitivo, impondo um castigo ao condenado, sem lhe proporcionar sua recuperação e sua consequente reintegração social.

Sendo anti-humano a vivência dos detentos nas penitenciárias, onde o Estado de forma alguma deveria deixar de proteger os direitos a integridade física e moral dos encarcerados.

Mas o que está ocorrendo é que a privação de liberdade está sendo imposta de maneira ilegítima ferindo a dignidade da pessoa humana dos presos.

Consequentemente é corriqueiro os prejuízos despertados nos apenados, o que vai acarretando que o pouco que lhes restam de vida digna sejam perdidos.

A incapacidade das penitenciárias traz consequências infelizes para os indivíduos que sofrem nas penitenciárias, assim como para toda a sociedade de forma indireta.

Para mais, mesmo a maioria da sociedade possuindo uma concepção de que os presos não devem possuir direito algum, devendo viver em condições precárias como forma de punição a sua conduta indevida.

Os presos não perdem sua condição de pessoa humana e a titularidade dos seus direitos fundamentais que são invioláveis, imprescritíveis e irrenunciáveis, mesmo se encontrando em uma situação especial que condiciona a limitação dos direitos previsto na Constituição Federal.

Ademais, as condições em que os encarcerados se encontram refletem resultados tanto na vida deles quanto em toda a sociedade.

Em virtude do supracitado, todos assim precisam compreender que os problemas enfrentados pelos apenados são os mais diversos, principalmente os que se referem ao caráter moral e físico.

Como por exemplo, a superlotação causando inúmeros danos, pois, a falta de espaço físico intensifica a dificuldade de controle.

Esse caos consegue se transformar em um problema de extensão maior, pois acarreta incidência de violência física, sexual e rebelião.

Nesse contexto, a finalidade da privação de liberdade se encontra bastante prejudicada, não possuindo um tratamento satisfatório com fins de que a ressocialização seja finalmente alcançada da forma esperada.

Como também, a execução penal se tornou ao invés de restritiva de liberdade, um instrumento restritivo de direitos fundamentais.

De acordo com o supracitado nesta pesquisa, é evidente que a ineficiência do Estado é a principal razão pela qual a ressocialização não é atingida da forma que se espera por todos.

 Pode-se assim refletir que o Sistema Penitenciário Brasileiro não está conseguindo atingir a reabilitação dos seus internos e uma das suas falhas é justamente não estar resguardando e promovendo de forma correta os direitos do apenado.


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