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MAIS UM CASO DE DUPLA INCIDÊNCIA DO ICMS

MAIS UM CASO DE DUPLA INCIDÊNCIA DO ICMS

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O ARTIGO TRAZ À COLAÇÃO RECENTE DECISÃO DO STF ENFOCANDO BITRIBUTAÇÃO EM MATÉRIA DE ICMS EM FACE DE CONVÊNIO FIRMADO ENTRE ESTADOS.

MAIS UM CASO DE DUPLA INCIDÊNCIA DO ICMS 

Rogério Tadeu Romano 

Segundo o site do STF, no dia 2 de janeiro de 2018, a presidente do Supremo Tribunal Federal , ministra Cármen Lúcia, concedeu parcialmente medida cautelar para suspender o efeito de dez cláusulas contidas em convênio celebrado pelo Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) a fim de normatizar protocolos firmados entre os Estados e o Distrito Federal sobre substituição e antecipação tributária relativas ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). A decisão foi tomada na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5866, ajuizada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI).

Ao decidir, a ministra considerou os argumentos da autora relativos à possibilidade de haver um impacto financeiro considerável, gerado pela alteração no sistema normativo relacionado às substituições e antecipações tributárias referentes ao ICMS incidente em operações interestaduais. A presidente do STF suspendeu os efeitos das cláusulas 8ª a 14ª, 16ª, 24ª e 26ª do Convênio ICMS nº 52/2017, tendo em vista “manifesta dificuldade de reversão dos efeitos decorrentes das medidas impugnadas, se tanto vier a ser o resultado”.

A Confederação Nacional da Indústria pede a declaração de inconstitucionalidade de todo o texto do convênio questionado. Argumenta que o ato normativo fugiu dos limites reservados pela Constituição Federal às matérias a serem versadas mediante convênio (artigo 155, parágrafo 2º, inciso XII, alíneas ‘b’ e ‘g’) e invade o campo de incidência da lei (artigo 150, parágrafo 7º), inclusive complementar (artigo 146, inciso III, alínea ‘a’ e artigo 155, parágrafo 2º, inciso XII, alíneas ‘a’, ‘b’, ‘c’ e ‘i’). Ao sustentar o pedido de liminar, afirma ser evidente o prejuízo decorrente da aplicação do convênio questionado.

Inicialmente, a ministra deferiu pedido formulado pela CNI a fim de que a medida cautelar fosse analisada independentemente das manifestações da Advocacia-Geral da União (AGU) e da Procuradoria-Geral da República (PGR). A ministra considerou a urgência da questão e ressaltou a impossibilidade de se postergar a análise, tendo em vista os riscos decorrentes da espera das providências cabíveis ao relator, somente após o recesso forense. Segundo ela, “há riscos comprovados da irreversibilidade dos impactos financeiros sobre os agentes econômicos submetidos à técnica de substituição e antecipação tributária do ICMS cobrados em razão de operações interestaduais”.

Em sua decisão, a ministra Cármen Lúcia considerou pertinente o argumento desenvolvido na petição inicial quanto à desobediência da cláusula constitucional de reserva de lei, prevista nos artigos 146, inciso III, artigo 150, parágrafo 7º, e artigo 155, parágrafo 2º, inciso XII. Conforme a ministra, as determinações desses dispositivos estão direcionadas a lei complementar nacional, na qual devem ser estabelecidas diretrizes básicas para regulamentação geral do ICMS.

Segundo a ministra, especialmente em relação às cláusulas 8ª, 9ª e 16ª do convênio, o Plenário da Corte (ADI 4628) reconheceu que a substituição tributária, “em geral, e, especificamente para frente, somente pode ser veiculada por meio de lei complementar”. A presidente salientou que a essência da norma constitucional deve ser preservada, portanto, a sistemática relativa a imposto, apesar de outorgada à competência estadual, é de configuração jurídica nacional.

Quanto à alegada configuração de bitributação, a ministra ressaltou que o modo de cobrança tratada nos autos conduziria, em tese, a uma dupla incidência do ICMS na espécie, tanto no valor inicialmente adicionado à mercadoria utilizada como base para cálculo da Margem de Valor Agregado (MVA) quanto na própria aferição do ICMS incidente sobre a substituição tributária objeto do referido convênio, “o que ensejaria prática de bitributação, vedada pela Constituição da República”.

 O convênio foi firmado pelo Confaz (Conselho Nacional de Política Fazendária) em abril de 2017, e tinha como objetivo unificar as regras de cobrança de ICMS pela sistemática da substituição tributária –que consiste em uma cobrança antecipada do imposto, feita ao produtor ou importador, que por sua vez repassa o valor ao restante da cadeia.

A principal contestação é o aumento da base de cálculo, que, segundo o convênio, passaria a embutir também o ICMS correspondente à substituição tributária. 

A Substituição Tributária (ST) é o regime pelo qual a responsabilidade pelo ICMS devido em relação às operações ou prestações de serviços é atribuída a outro contribuinte.

Lei estadual poderá atribuir a contribuinte do imposto ou a depositário a qualquer título a responsabilidade pelo seu pagamento, hipótese em que assumirá a condição de substituto tributário.

Assim temos na legislação 2(duas) modalidades de contribuintes:

1) Contribuinte Substituto: é aquele eleito para efetuar a retenção e/ou recolhimento do ICMS;

2) Contribuinte Substituído: é aquele que, nas operações ou prestações antecedentes ou concomitantes é beneficiado pelo diferimento do imposto e nas operações ou prestações subsequentes sofre a retenção.

A responsabilidade poderá ser atribuída em relação ao imposto incidente sobre uma ou mais operações ou prestações, sejam antecedentes, concomitantes ou subsequentes, inclusive ao valor decorrente da diferença entre alíquotas interna e interestadual nas operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final localizado em outro Estado, que seja contribuinte do imposto.

A adoção do regime de substituição tributária em operações interestaduais dependerá de acordo específico celebrado pelos Estados interessados.

O contribuinte substituto para cálculo e recolhimento do ICMS da substituição tributária observará as normas da legislação da unidade da Federação de destino da mercadoria.

Dita o artigo 152 da Constituição que é vedado aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios estabelecer diferença tributária entre bens e serviços, de qualquer natureza, em razão de sua procedência ou destino. .

O regime de substituição tributária, ou o que se chama de substituição com antecipação do tributo foi instituído para evitar a sonegação do Estado, que foi sendo, de forma gradual, estendido a vários produtos e alcança a praticamente todos os produtos. Esse o procedimento autorizado pelo artigo 150, parágrafo sétimo, da Constituição Federal e ainda pela Lei Complementar n. 87, de 1996.

O ICMS antecipado, que deveria ser calculado sobre o preço praticado nas vendas subsequentes, é calculado sobre um valor que é arbitrariamente atribuído pelas autoridades fazendárias.

O Supremo Tribunal Federal acolheu, em julgamento de 8 de maio de 2010, a tese da constitucionalidade de lei que afirmava que o valor antecipado era definitivo. O entendimento aceito foi de que a finalidade da substituição tributária, por meio da presunção de valores, é justamente tornar viável o sistema de arrecadação do ICMS, isto porque haveria uma enorme dificuldade se fosse necessário considerar o valor real de cada operação realizada por inúmeros contribuintes. Admitiu-se a hipótese de tributo com base de cálculo arbitrária, sepultando a tese da não-cumulaividade, como ensinou Hugo de Brito Machado (Curso de direito tributário, 31ª edição, pág. 401). É o ICMS monofásico.

No que concerne ao fornecimento de alimentos e bebidas em restaurantes e similares o entendimento do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que incide o iCMS sobre o valor total da operação, na linha da Lei Complementar 87/96.

Com relação às operações interestaduais com petróleo, seus derivados e energia elétrica, como foi anotado por Alcides Jorge Costa e Sacha Calmon Coêlho, graves problemas decorriam da conveniência da regra imunizante já transcrita em questao com o principio da não cumulatividade do ICMS. Um deles era pertinente ao crédito pelas entradas de petróleo e seus derivados e do uso de energia elétrica pelas empresas que utilizavam combustiveis e energia elétrica em seus processos industriais. A Lei Complementar n. 87/96 contornou a imunidade em tela. Quando o adquirente é comerciante, mandou aplicar o regime de substituição tributária, e quando o adquirente é consumidor final, atribuiu a este a qualidade de contribuinte, definindo como fato gerador do imposto a entrada do produto no territorio respectivo. Para Hugo de Brito Machado(Curso de direito tributário, 31ª edição, pág. 404), é flagrante a inconstitucionalidade das normas que determinam, seja a  que titulo for, a incidência de imposto em hipóteses de imunidade.

Cabe à Lei Complementar regular a forma como, mediante a deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios devem ser concedidos ou revogados (artigo 155, parágrafo segundo, inciso XII, alinea "g").

O ICMS  tem finalidade incontestavelmente fiscal, embora a Constituição Federal, em seu art. 155, §2°, III, permita a seletividade em função da essencialidade das mercadorias e dos serviços. A utilização ou não do princípio da seletividade, deverá ser realizada pelo legislador estadual, no momento da criação da lei regulamentadora do imposto, em seu ente federativo.O objetivo de tal delegação da União, fora diminuir as desigualdades regionais, possibilitando aos Estados dispor sobre sua hipótese de incidência, arrecadação e utilização do imposto em benefício da população local, consubstanciado no artigo 3°, III, da Constituição Federal.

A CNI  ainda não fez estudos para dimensionar o impacto da mudança proposta pelo convênio, mas associações interessadas no processo calcularam um aumento de até 200% da cobrança do imposto, segundo ele. 


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