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Dignidade humana: uma virtude que enlouqueceu

Dignidade humana: uma virtude que enlouqueceu

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CRÍTICA À RECOMENDAÇÃO DA DEFENSORIA PÚBLICA PARA BUSCAS PESSOAIS EM TRANSSEXUAIS POR PESSOAS DO SEXO SUBJETIVO DO INDIVÍDUO.

Este texto não tem pretensão de ser um "artigo" científico, mas tão somente uma rápida manifestação acerca dos descaminhos e contradições internas do conceito de "Dignidade Humana" que se vão desenhando devido à adoção de certas ideologias:

A Defensoria Pública do Estado de São Paulo, ao que parece, com a maior das boas intenções, expede, em 28.09.2018, uma "Recomendação" com uma série de itens a serem observados pelas Polícias durante manifestações populares e eventuais prisões.

Em um desses itens recomenda que quando uma pessoa que se identifique como trans homem ou trans mulher for submetida a buscas pessoais, isso seja feito por um (a) policial do sexo subjetivamente indicado pelo indivíduo trans.

Há uma visão monocular da questão. A ideologia de gênero supostamente se preocupa muito com a dignidade humana, em especial das mulheres. Mas, nessa situação criada pela própria ideologia, uma mulher será "obrigada" (destaco a palavra) a tocar e, em sendo uma revista mais apurada, ver um homem (fisicamente um homem) nu, quando não optou livremente por isso. Doutra banda, também um homem, sem qualquer interesse ou opção, será constrangido a tocar e ver uma mulher (fisicamente uma mulher) nua, quando também jamais optou por isso! Onde ficam as dignidades desses homens e mulheres que não são trans ou qualquer outra denominação que se pretenda criar? Esses não são seres humanos? Não têm dignidade a ser defendida e podem ser obrigados a uma contemplação passiva ou até mesmo a toques, contatos manuais com o corpo de pessoa de outro sexo?

Sobre a questão aventa-se a ideia quanto à possibilidade de o (a) Policial se recusar. No entanto, na prática tal situação não funciona a contento. Primeiro: isso não consta do texto. Além do mais, o policial, em especial o militar, sob a hierarquia, dificilmente irá se manifestar. Mesmo o civil. Texto, item 6: "O respeito à identidade de gênero, razão pela qual mulheres travestis e transexuais, bem como homens trans, possam optar pela revista realizada por homem ou por mulher". Esse é o texto, no mais é , no máximo, bom senso subjetivo e nenhuma garantia ao Policial. E, como disse, no ambiente de hierarquia policial civil ou pior, militar, a negativa dificilmente vai existir, o que vai acontecer, na grande maioria dos casos, é o policial engolir mais essa humilhação. E mais, em havendo, por exemplo, o que dificilmente ocorrerá, negativa de todos, o Comandante (no caso da PM) ou o Delegado (no caso da Civil), será obrigado a determinar a revista então por alguém do sexo do trans (nos termos do CPP), o que poderá ser questionado e resultar em mais uma apuração administrativa se não criminal contra o Comandante ou o Delegado e o executor da revista, tudo a depender do bom ou mau humor das entidades corregedoras, judiciário, ministério público, defensoria pública, coletivos de minorias etc. Garantia zero para a Polícia. Como se já não houvesse pressão suficiente sobre os policiais e autoridades policiais. E não é só isso: ainda pode haver, no caso da recusa do (a) policial constrangido (a), a alegação, obviamente injusta, mas pode haver, de preconceito de gênero. A inversão de valores ou a já mencionada visão monocular ou unilateral dos direitos e da tão propalada "dignidade humana", tem produzido muitas vezes algozes que são vítimas e vítimas que são algozes.

A dignidade humana é mesmo uma virtude que hoje enlouqueceu e dá mostras de sua insanidade a todo momento!


Autor

  • Eduardo Luiz Santos Cabette

    Delegado de Polícia Aposentado. Mestre em Direito Ambiental e Social. Pós-graduado em Direito Penal e Criminologia. Professor de Direito Penal, Processo Penal, Medicina Legal, Criminologia e Legislação Penal e Processual Penal Especial em graduação, pós - graduação e cursos preparatórios. Membro de corpo editorial da Revista CEJ (Brasília). Membro de corpo editorial da Editora Fabris. Membro de corpo editorial da Justiça & Polícia.

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