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O Mito dos arrependidos

Tudo é Mito, menos o que é realidade

O Mito dos arrependidos. Tudo é Mito, menos o que é realidade

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O "arrependimento" não nos livrará do Purgatório - especialmente porque os "arrependidos" costumam ser mafiosos do tipo Cosa Nostra.

O Mito se desfaz na realidade – em confronto com o peso acachapante da verdade, com o que não se pode esconder.

A gravidade é tão essencial para a vida na Terra, quanto a vergonha para os incrédulos no Mito: vergonha pelos outros, os crédulos nos contos de Carochinha.
Enquanto alguns nutrem a “dúvida metódica” (a questão clara, em que não cabem dúvidas interpretativas), aplicando-se pela objetividade das coisas (no Método do Meio-Dia), muitos esperam o Papai Noel prometido em fake news.

Por isso selecionamos duas condições básicas: 1) O Homem cria mitos para explicar, com um sentido apurável, o que não conhece verdadeiramente; 2) Com um choque de realidade “tudo que é Mito desmancha no ar”.

Antes de desmoronar, no entanto, o Mito tem de ser crível, deve funcionar como uma (arga)massa, ao qual presta-se reverência (ou continência).
Ainda devemos entender que o Mito é feito exclusivamente por e para deuses, sequer alcança semideuses – e, portanto, nunca para ou por humanos. (Registre-se aqui que o “Entendimento” não é da alçada do Mito).

Assim, se Aquiles tinha um ponto fraco letal, Prometeu (um Deus de verdade) era devorado de dia e se recompunha à noite.

O Mito do Estado, ao qual já se atribuiu a quintessência da Humanidade, a contraprova da melhor subjetividade humana – justiça, racionalidade, ética = Estado de Direito –, não sobreviverá por mais meio século.

Então, é lícito (razoável/crível) supor que os mitos nacionais também desmoronam, tão logo o realismo político cobra sua dívida: já se foi o Mito da Cordialidade (esta eleição foi um golpe fatal), logo irá a governabilidade; pois, sem legitimidade, o Mito é um balão de ensaio que se esvai na brisa das mentiras.

Na prática, tudo é Mito, mas é real se/quando lhe emprestamos confiabilidade: a ciência que tudo pode (sem contar o que não pode) é um exemplo clássico. - Curioso lembrar que o “criador” da Ciência Moderna, o filósofo Francis Bacon, tenha investido tanto tempo e energia na recuperação/interpretação da principal mitologia clássica grega.

Voltando à crueza da argamassa nacional, diremos que a eleição de 2018 nos provou que também a Política é um Mito (como Polis), porque revelamos ao mundo civilizado (menos encantado com as sereias) que o “animal político” é uma presa fácil para o analfabeto político.

A questão central, como já indicado, é o peso das amarguras, da incapacidade de “realizar a mentira” (torná-la crível), das frustrações geradas pela impossibilidade de se multiplicar os pães: a economia pode crescer, mas a receita é de concentração de renda.

Ou seja, tudo que é Mito desmancha no ar.

No nosso caso, o Mito se desfaz diante da miséria que nunca se propôs a, minimamente, remediar.

No exemplo do Império, Trump, perdendo o controle sobre seu Partido Republicano e sendo minoritário na Câmara dos Representantes (Deputados), ainda em 2018, é outro que confirma a teoria.

Não é que basta ficarmos de braços cruzados esperando pelo Mito naufragar (não sendo um Kybernets, jamais será um governante), é preciso remar contra a maré sim, especialmente para minimizar seus estragos diários, no vendaval que ainda enevoa os mais alucinados/alienados.

O problema, além disso, é o que virá, para todos nós, quando o Mito virar pó – uma vez que do pó vieste.

Imagina-se a onda de choque trazendo a vergonha coletiva, já em andamento, mas é possível (crível) que algo mais – e pior – advenha daí.

Também suponho o que seja, mas como ainda quero crer que posso estar enganado (quanto ao pior), prefiro esperar pelo equilíbrio da Deusa Justitia.

A Deusa Justitia nos tem falhado bastante, é verdade, mas não custa acreditar que, num bafo da sorte (Cornucópia), ela abra suas asas sobre nós.

A Prudência, há muito banida do Banquete dos Deuses (da seara política), recomendaria agir entre a virtù e a fortù, entre o manejo ou domínio do realismo político e a leitura aprofundada da própria história política. (Maquiavel, na fundação da Ciência Política, utiliza-se da mitologia para explicar esta realidade da política. O Florentino não acreditava em mitos, talvez só na República, mas antevia que o homem médio em sua vida comum não via muito longe).

A Prudência ainda nos diz que, a sorte acompanha aquele que tem “conhecimento prévio”, massa crítica acerca do palco em que se travará a “boa luta”.
Assim, é possível dizer, como base no passado remoto ou próximo, que o país já deu provas de que com a “boa luta” política pelo direito é possível trazer a Fênix da Justiça Social de volta. 

Em todo caso, e ainda que até criança alfabetizada já saiba a essa altura, é preciso ter muito claro que o Mito que nos deram é um Cavalo de Troia.

PS: não esquecer que, o Mito só é Mito para os “gênios mitológicos” e que, para 2/3 da população, é a pior mentira de nossa história.


Autor

  • Vinício Carrilho Martinez

    Pós-Doutor em Ciência Política e em Direito. Coordenador do Curso de Licenciatura em Pedagogia, da UFSCar. Professor Associado II da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar. Departamento de Educação- Ded/CECH. Programa de Pós-Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade/PPGCTS/UFSCar Head of BRaS Research Group – Constitucional Studies and BRaS Academic Committee Member. Advogado (OAB/108390).

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