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Trabalhadora gestante reintegrada não tem direito a receber seguro-desemprego

Trabalhadora gestante reintegrada não tem direito a receber seguro-desemprego

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O presente trabalho trata sobre a impossibilidade de recebimento do benefício do seguro-desemprego, por aquela que conseguiu a reintegração pela justiça do trabalho, em função da condição de gestante.

Trabalhadora gestante reintegrada não tem direito a receber seguro-desemprego

Autor: Felipe Thiago de Moura

Resumo: O presente trabalho trata sobre a impossibilidade de recebimento do benefício do seguro-desemprego, por aquele que conseguiu a reintegração pela justiça do trabalho, em função de está gestante.

É muito comum o comparecimento nos escritórios de advocacia de trabalhadores que foram surpreendidos com a informação dos órgãos da secretária do trabalho (órgão vinculado ao Ministério da Economia), sobre a necessidade de restituição de parcelas recebidas no programa do Seguro-Desemprego, em função de uma reintegração alcançada na justiça do trabalho.

Essa reintegração ocorre pelo reconhecimento de uma estabilidade a que o trabalhador teria direito, e a empresa desconsiderou. Dentre as estabilidades que mais aparecem na prática administrativa no programa do seguro-desemprego, podemos destacar a gestacional e a de acidente de trabalho.

Assim, os trabalhadores são demitidos pelas empresas, que sabem da impossibilidade de tal rescisão pela proteção legal ao trabalhador, por uma situação específica como uma gravidez ou uma doença profissional ou acidente de trabalho. Ou podemos considerar que os empregadores muitas vezes nem tem conhecimento de tais situações e demitem seus colaboradores, e são surpreendidos por reclamações trabalhistas que pedem a reintegração dos mesmos.

A pergunta que o leitor pode está se fazendo é: o que tem haver essa reintegração do trabalhador e o pagamento do seguro-desemprego ? A resposta fica bem compreendida quando observamos que o trabalhador demitido, inicialmente, requer o benefício mencionado, recebe-o e posteriormente, consegue a reintegração ao antigo trabalho.

Antes de entrarmos na resposta a indagação do parágrafo anterior, é importante realizar alguns comentários sobre a estabilidade gestacional, objeto do presente estudo, bem como, sobre algumas regras de concessão do seguro-desemprego.

Primeiro vamos entender o que vem a ser estabilidade. Ela é uma garantia que o trabalhador possui de não ser despedido pelo seu empregador, em situações especificas previstas em lei. Contudo, superado este momento especial, o empregado pode sofrer a demissão.

Carla Teresa Martins Romar define estabilidade da seguinte forma: “É o direito do trabalhador de permanecer no emprego, mesmo contra a vontade do empregador, enquanto inexistir uma causa relevante expressa em lei e que permita a sua dispensa”.[1]

É inevitável uma comparação da estabilidade com uma espécie de blindagem momentânea que o empregado possui perante o seu empregador, travando qualquer decisão deste em demiti-lo.

A estabilidade gestacional, uma das espécies do instituto da estabilidade, tem sua previsão no ADCT, art. 10, inciso II, alínea “b”, senão vejamos:

Art. 10. Até que seja promulgada a lei complementar a que se refere o art. 7º, I, da Constituição: (...)

II - fica vedada a dispensa arbitrária ou sem justa causa: (...)

b) da empregada gestante, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto.

Assim, percebemos que a intenção da norma é proteger a trabalhadora grávida de uma despedida arbitrária ou sem justa causa por parte do empregador. Assim, este tem uma limitação no seu jus variandi, ou seja, o seu poder de controlar, organizar o ambiente de trabalho, bem como, demitir os seus funcionários esbara na figura da estabilidade, que de certa forma repita-se, blinda o trabalhador.

Esse tipo de estabilidade inicia-se com a confirmação da gravidez, e perdura até 5 (cinco) meses após o parto, ou seja, a mulher fica acobertada pelo período de 14 (quartoze) meses, no curso do seu contrato de trabalho, em razão de seu estado gravídico.

A reintegração nesse caso dar-se da seguinte forma: a trabalhadora gestante ao ver-se despedida de forma arbitrária ou sem justa causa, entra com uma reclamação trabalhista na justiça do trabalho, com o fim, primeiramente, da sua reintegração, e caso não seja possível, receberá uma indenização compensatória.

A doutrina especifica situações que caberá a indenização. No caso, o termo utilizado é a conversão da reintegração para indenização correspondente. Isso ocorre quando: i. quando o empregador recusa reintegrar a empregada; ii. Quando haja comprovada incompatibilidade entre as partes; ou iii. Quando haja outro motivo justificável.[2]

Sendo possível a reintegração, a empregada é realocada no ambiente de trabalho, e isto fará que o contrato de trabalho, antes reincidido, seja retomado, havendo continuidade do vínculo, como nunca tivesse sido extinto. E essa movimentação terá repercussão em direitos trabalhistas, bem como em benefícios, como seguro-desemprego, no qual adiante explicaremos melhor.

Falando especificamente do seguro-desemprego, a repercussão ocorre pelo impedimento legal do trabalhador que tem acesso ao benefício, está tendo uma outra fonte de renda, seja proveniente de vínculo empregatício, administrativo, ou outro de ordem trabalhista, ou mesmo como autônomo, no qual a pessoa trabalha por conta própria.

Isso está previsto no art. 3º, inciso V, da lei nº 7.998/90 e suas alterações posteriores, vejamos:

Art. 3º Terá direito à percepção do seguro-desemprego o trabalhador dispensado sem justa causa que comprove:

(...)

V - não possuir renda própria de qualquer natureza suficiente à sua manutenção e de sua família.

            Logo, quando o trabalhador é reintegrado, necessariamente a demissão que gerou, inicialmente, o direito de acesso ao benefício do seguro-desemprego, é desfeita, e ocorre a continuidade na relação de emprego outrora existente. Assim, as parcelas recebidas pelo segurado devem ser restituídas, pelo simples fato, que o seu recebimento decorreu de quem estava empregado, ou seja, com uma fonte de renda.

            Esse entendimento está consolidado administrativamente pela Coordenação do Seguro-Desemprego e Abono Salarial, órgão técnico vinculado ao Ministério da Economia.

            Entretanto, existe posionamento contrário na jurisprudência da Justiça Federal sobre o tema. Isso porque se entende que o trabalhador não pode ser penalizado ao não receber o benefício, por uma situação não criada por ele, e sim, pelo empregador que o demitiu de forma irregular, gerando data de demissões distintas, vejamos:

ADMINISTRATIVO. SEGURO-DESEMPREGO. CONCESSÃO. CONDICIONAMENTO. RESTITUIÇÃO DE PARCELAS RECEBIDAS INDEVIDAMENTE EM PERÍODO ANTERIOR. INCABIMENTO. DANOS MORAIS. AUSÊNCIA DE REQUISITOS. AGRAVO RETIDO, REMESSA OFICIAL E APELAÇÕES NÃO PROVIDOS.
1. Recursos interpostos contra sentença que julgou procedente em parte o pedido formulado em ação ordinária para: a) condenar a União a conceder à autora o seguro-desemprego relativo ao vínculo de trabalho com a empresa Bonanza Supermercados Ltda, pagando-lhe as parcelas correspondentes ao dito benefício; b) declarar a inexistência do débito cobrado pela União, referente ao seguro-desemprego percebido anteriormente pela autora; c) condenar a ré a abster-se de efetuar novos bloqueios de seguro-desemprego da autora, com base em eventual recebimento irregular de algum outro seguro-desemprego pela mesma segurada.
2. A sentença apelada rejeitou o pedido de pagamento de indenização por danos morais, sob o fundamento de ausência de comprovação do dano, consistente em alegado endividamento da autora.
3. O pedido de seguro-desemprego, realizado pela autora em 02/04/2013, foi indeferido pela Gerência Regional do Ministério do Trabalho e Emprego em Campina Grande-PB, que condicionou a concessão do benefício à restituição de parcelas de seguro desemprego recebidas em decorrência de rescisão do seu vínculo anterior.
4. Informou a Gerência Regional a existência de inconsistências na data de demissão quanto ao vínculo com o SENAI. De fato, na CTPS da autora, constam duas datas demissórias quanto ao referido vínculo (31/12/2005 e 20/09/2006). Tal discrepância foi ocasionada pelo fato de ter havido uma reintegração ao trabalho por força de decisão judicial, consoante reconhecido pelo empregador da época.
5. A existência de dúvida quanto a uma data de demissão não se originou de uma conduta irregular da própria trabalhadora, não podendo esta ser penalizada por uma falta do seu empregador, que não regularizou os cadastros da empregada de acordo com a situação efetivamente ocorrida.
6. Ainda que o seguro-desemprego anterior tivesse sido irregularmente recebido, a percepção do último pedido não poderia ser condicionada ao ressarcimento dos valores indevidamente recebidos, diante da ausência de amparo legal para tanto.
7. Precedentes desta Corte:AC 549.178-AL, Quarta Turma, Rel.: Desembargador Federal Edílson Nobre. 13 nov. 2012, unânime. DJe 16 nov. 2012, p. 343).
8. A negativa do seguro-desemprego, se equivocada, não é fato capaz de causar, por si só, danos morais, por não existir, no caso, violação aos direitos da personalidade da autora, não havendo comprovação nos autos da ocorrência de qualquer afronta à sua honra ou à sua imagem, praticada pelo ente público, através de seus agentes, nem dehumilhações em seu desfavor" (PROCESSO: 08033263120134058300, AC/PE, DESEMBARGADOR FEDERAL MANOEL ERHARDT, Primeira Turma, JULGAMENTO: 08/05/2014).
9. Agravo retido, remessa oficial e apelações não providas.(Apelação 08010580420134058300/TRF 5ª região/Rel. Desembargador Federal Janilson Bezerra de Siqueira/3ª Turma/dj. 28/03/2018)

Portanto, observamos que administrativamente o Ministério da Economia, por intermédio de sua secretária do trabalho, entende que o trabalhador que for reintegrado deve restituir as parcelas recebidas do seguro-desemprego, opinião esta que é adotada pelo autor que vos escreve. Isto por causa da continuidade do contrato de trabalho, efetivado pela reintegração, no qual concede renda para quem está recebendo um benefício finalisticamente criado para atender quem está desempregado. Porém, não se pode deixar de considerar, o crescimento do entendimento na jurisprudência que o trabalhador não deve restituir este valor, em função de não ter culpa por erro na sua demissão por do seu empregador, no qual gerou data de demissões distintas.


[1] ROMAR, Carla Teresa Martins. Direito do Trabalho Esquematizado. São Paulo: Saraiva, 2013, pg. 497.

[2] ROMAR, Carla Teresa Martins. Direito do Trabalho Esquematizado. São Paulo: Saraiva, 2013, pg. 507.


Autor

  • Felipe Thiago de Moura

    Advogado, especialista em direito do trabalho e processo do trabalho; membro do Instituto Brasileiro de Direito Constitucional, pós-graduando em Direito Público pela Universidade Estácio de Sá. Atua nas áreas de direito do trabalho, previdenciário, civil, familia e sucessões, consumidor e administrativo.

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