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O TRIBUNAL MARITIMO NÃO É ÓRGÃO DO PODER JUDICIÁRIO : A QUESTÃO DA PROVA DE MAIOR VALIA

O TRIBUNAL MARITIMO NÃO É ÓRGÃO DO PODER JUDICIÁRIO : A QUESTÃO DA PROVA DE MAIOR VALIA

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O ARTIGO APRESENTA APONTAMENTOS SOBRE O TRIBUNAL MARÍTIMO E SUA COMPETÊNCIA.

O TRIBUNAL MARITIMO NÃO É ÓRGÃO DO PODER JUDICIÁRIO :  A QUESTÃO DA PROVA DE MAIOR VALIA

 

Rogério Tadeu Romano

 

I – NATUREZA DA JURISDIÇÃO EXERCIDA PELO TRIBUNAL MARÍTIMO

O Tribunal Marítimo, com sede no Rio de Janeiro, é um órgão administrativo, autônomo, auxiliar do Poder Judiciário e vinculado ao Ministério da Marinha no que se refere ao provimento de pessoal e recursos necessários ao seu funcionamento.

Em relação às esferas de poder, o Tribunal Marítimo é órgão integrante do Poder Executivo.

II – PRINCIPAIS FUNÇÕES DO TRIBUNAL MARÍTIMO E SUA COMPETÊNCIA

O Tribunal Marítimo exerce duas funções principais que merecem destaque. A primeira delas consiste nas atividades que dispõem sobre o registro da propriedade naval, direitos reais sobre embarcações. O Tribunal Marítimo funciona, nessa atividade, como órgão mantenedor do registro das embarcações que se encontram em território nacional e também dos gravames que incidem sobre essas embarcações, tais como a hipoteca naval. 

A segunda função do Tribunal Marítimo consiste no julgamento administrativo dos acidentes e fatos da navegação marítima. Nesses processos administrativos, que possuem natureza sancionatória e punitiva, cabe ao Tribunal Marítimo definir a natureza, as causas, as circunstâncias e a extensão do ilícito administrativo, processando e punindo administrativamente os seus responsáveis, bem como propondo, se cabível, medidas preventivas para evitar a ocorrência de novos ilícitos (art. 74, da lei 2.180/54). 

Os acidentes e fatos da navegação que devem ser objeto de julgamento pelo Tribunal Marítimo, estão definidos nos artigos 14 e 15 da Lei 2.180/54, que define as competências do Tribunal Marítimo. Consideram-se acidentes da navegação, dentre outros, o naufrágio, encalhe, colisão, abalroação, incêndio, avaria ou defeito no navio. Fatos da navegação consistem, dentre outros, no mau aparelhamento ou impropriedade da embarcação para o serviço, má alocação da carga que cause risco à navegação, recusa injustificada de socorro à embarcação em perigo, e todos os fatos que ponham em risco a embarcação e seus passageiros, bem como o emprego da embarcação para prática de ato ilícito.

 Na lição de José Haroldo dos Anjos e Carlos Rubens Caminha Gomes(Curso  de direito marítimo, FGV, Direito Rio, 1992),  a competência do Tribunal Marítimo é estabelecida da seguinte forma:

Competência Administrativa Exclusiva — ocorre quando são verificados fatos ligados exclusivamente à navegação, sem qualquer repercussão na esfera do direito administrativo, civil, comercial, criminal, trabalhista, dentre outros ramos do direito.

• Competência Concorrente — quando verificadas situações de natureza civil, comercial, criminal, trabalhista, ou outros interesses conexos. Nesse caso, o Tribunal Marítimo fica restrito à matéria de sua competência e atribuição, concorrendo, no mais, com órgão do Judiciário.

III – O PROCESSO ADMINISTRATIVO NO TRIBUNAL MARÍTIMO

O processo administrativo no Tribunal Marítimo, de acordo com o disposto no art. 41, da lei 2.180/54, pode se iniciar por iniciativa privada ou pública. A instauração por iniciativa privada se dá mediante representação da parte interessada. A instauração por iniciativa pública, por sua vez, ocorre por atuação do próprio Tribunal Marítimo, mas, principalmente, por meio de Representação oferecida pela Procuradoria Especializada da Marinha ("PEM"), composta por Advogados da União, cuja atribuição está prevista na Lei 7.642/87, artigo 5º. O oferecimento de representação pelo Advogado da União ocorre quando existentes no inquérito elementos probatórios que indiquem as causas, circunstâncias e extensão dos acidentes e/ou fatos da navegação e que denunciem culpa ou dolo de seus causadores

Provocado por iniciativa pública, o processo inicia-se com a representação da Procuradoria Especial da Marinha, ou por meio da decisão do próprio Tribunal Marítimo. Pela iniciativa privada, o processo inicia-se por requerimento ou petição do interessado. Nesse particular, caso a PEM entenda pelo arquivamento dos autos, poderá a parte interessada requerer a instauração do processo.

No que se refere à jurisdição contenciosa, que abrange processos administrativos punitivos e/ou disciplinares, o Tribunal Marítimo atua como órgão judicante dos acidentes e fatos da navegação, definindo-lhes a natureza, as causas, as circunstâncias e extensão do ilícito administrativo, além de processar e julgar os responsáveis nos limites das suas atribuições, podendo, inclusive, propor medidas de segurança e preventivas, visando a resguardar as peculiaridades da navegação e do acidente ou fato ocorrido, evitando com isso que aconteçam fatos correlatos.

Nesse particular, é importante observar que, a fim de se evitar eventual prescrição em desfavor de alguma parte, não correrá prescrição até a prolação de decisão definitiva pelo Tribunal Marítimo.

 Já com relação à jurisdição voluntária(propriamente administrativa, onde não há partes), que envolve os processos administrativos de expediente, o Tribunal Marítimo se restringe à expedição de certidões, autuações, despachos de mero expediente etc. No que tange aos processos de controle administrativo, suas atribuições são mais extensivas, abrangendo as diversas atividades que dispõem sobre o registro da propriedade naval, os direitos reais que incidem sobre as embarcações, as atividades relacionadas à armação nacional e os registros marítimos, previstos na Lei nº 9.432/1997, regulamentada pelo Decreto nº 2.256, de junho de 1997.

Por oportuno, destaque-se que o Tribunal Marítimo poderá funcionar como tribunal arbitral caso escolhido pelas partes.

IV – A QUESTÃO DO REEXAME DA QUESTÃO(PONTO CONTROVERTIDO) PELO JUDICIÁRIO: A SUSPENSÃO DO PROCESSO NO JUDICIÁRIO 

As decisões do Tribunal Marítimo possuem natureza administrativa, podendo ser objeto de reexame pelo Poder Judiciário.

Na matéria, decidiu o Superior Tribunal de Justiça:

"CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. REPARAÇÃO DE DANOS MORAIS. NAUFRÁGIO. MORTE DO FILHO E IRMÃO. ACÓRDÃO DO TRIBUNAL MARÍTIMO EXCULPANDO A EMPRESA RESPONSÁVEL PELA EMBARCAÇÃO. ÓRGÃO NÃO JURISDICIONAL. NÃO VINCULAÇÃO DAS CONCLUSÕES REALIZADAS NO ÂMBITO ADMINISTRATIVO.

(...)

2. As conclusões estabelecidas pelo Tribunal Marítimo são suscetíveis de reexame pelo Poder Judiciário, ainda que a decisão proferida pelo órgão administrativo, no que se refere à matéria técnica referente aos acidentes e fatos da navegação, tenha valor probatório. (...)"

(Recurso Especial no 811769 / RJ, Quarta Turma, Ministro Relator Luis Felipe Salomão, julgado em 12.3.2010)

 

A jurisprudência não é uniforme, identificando-se três posições distintas para o problema:

 a) O acórdão do Tribunal Marítimo é uma condição da ação no Poder Judiciário, não sendo possível iniciar-se o processo ou seu prosseguimento até que seja juntada a decisão definitiva do Tribunal auxiliar do Poder Judiciário (RE nº 7446-BA do STF);

 b) O Poder Judiciário não está obrigado a esperar a decisão do Tribunal Marítimo, estando desobrigado de aguardar o julgamento, podendo instruir e julgar suas lides independentemente da juntada do acórdão do Tribunal Marítimo (AC nº 46.271-RJ do TRF);

 c) O acórdão do Tribunal Marítimo é imprescindível para o julgamento do Poder Judiciário, contudo como o art. 19 da Lei nº 2.180/1954 não define o momento da juntada da decisão, o juiz não interrompe a ação, senão antes do julgamento (AC nº 29682-GB, TRF).

O Código de Processo Civil de 2015, em seu artigo 313, VII, trouxe importante contribuição de direito positivo à matéria:

Ali se diz:

“Art. 313. Suspende-se o processo: [...] VII — quando se discutir em juízo questão decorrente de acidentes e fatos da navegação de competência do Tribunal Marítimo;”

Efeito da conexão é a suspensão do processo.

            Fala Salvatore Satta(Direito Processual Civil, Campinas, São Paulo, LZN, tradução de Ricardo R. Gomes) em 2(duas) situações prováveis de sustação do processo previstas pelo Código Italiano: a necessária e a que for pedida pelas partes. Vejamos a primeira:

{C}-         o juiz ordenará a suspensão do processo em caso de dever solucionar controvérsia civil ou administrativa cuja definição dependa de decisão da causa.

            Tal solução é prevista, no art. 295 do Código Italiano. Para Satta, estudando o art. 34 daquele diploma (reunião de processo), não se pode considerar caso de prejudicialidade em sentido técnico. Tratar-se-ia de não propositura de demanda (até quando não cumprido aquele aceitamento) e a suspensão agiria por temperamento à referida não propositura. Ora, tal é a influência histórica do decreto de prejudicialidade, reunião de processos em curso, de ofício, pelo juiz.

            Nosso sistema jurídico fala em suspensão legal e extralegal. A primeira com sede no art. 265 do CPC de 1973, por exemplo, a segunda nos casos, v. g., de exceção de pré-executividade. Na execução, os embargos de devedor suspendem o curso da execução e tal remédio é ação, não recurso.

            No sistema adotado em nosso Código de Processo Penal, temos, nos arts. 92 e 93 do CPC de 1973,, respectivamente, a suspensão obrigatória para decisão de forma definitiva, no juízo civil, da prejudicial de estado, e o segundo da suspensão facultativa em face de outras questões (prejudicial heterogênea).

            Temos suspensão nas prejudiciais homogêneas, no CPC, obrigatoriamente, quando a questão é objeto principal de outro processo pendente (art. 265, IV, “a”) ou sendo ela questão de estado, seu julgamento já requerido como declaração incidente em outro processo (art. 265, IV, “c”). Anoto que Egas Muniz critica José Frederico Marques, que considera que a regra do art. 265, IV, “c” somente abrange as questões de Estado que constituam prejudicial externa. Ora, tal prejudicial pode ser interna, pois é o caso da ação do art. 5.° do CPC.

V – A PROVA DE MAIOR VALIA

O Judiciário poderá apoiar-se na decisão profundamente técnica do Tribunal Marítimo no momento de definir responsabilidades cíveis ou criminais em processos de competência concorrente.

Ensinou Matusalém Gonçalves Pimenta — Processo Marítimo — (Editora Lumen Juris, Rio, 2010), sobre a questão da validade e da eficácia das decisões do Tribunal Marítimo:

“Haveria total desnecessidade de se abordar este tópico não fosse o fato de ser ele mal compreendido por parte de alguns poucos profissionais do direito. Os que militam no especializado ramo do direito marítimo, muitas vezes, veem suas lides sobrestatas, aguardando decisão do Tribunal Marítimo, no sentido de robustecer o convencimento do magistrado. Para alguns advogados da área, tal fato ganha status de irritabilidade”.

Ensinou ainda Matusalém Gonçalves Pimenta:

“ [...] A decisão do Tribunal Marítimo não pode, salvo casos específicos, influenciar diretamente e exclusivamente o convencimento do Estado-juiz sob pena de, conforme o caso concreto, ferir os princípios básicos da responsabilidade civil que regem o ordenamento jurídico. Com todo respeito ao ilustre professor, as decisões finais do Tribunal Marítimo não têm natureza jurídica de pareceres técnicos, mas de coisa julgada administrativa, sendo, portanto, decisões definitivas no âmbito administrativo, com força para apontar responsáveis, aplicando-lhes penalidades cominadas em lei. Parecer técnico não tem força para julgar, muito menos para punir, conforme se depreende da dedução lógica extraída pelo simples conhecimento etimológico dos vocábulos usados pelos articulistas. [...] quanto à afirmação de que a decisão do Tribunal Marítimo não pode influenciar o convencimento do Estado-juiz, é completamente descabida e não guarda relação de pertinência com o próprio texto da Lei Orgânica do Tribunal [...] Ora, como não influenciar a decisão do Poder Judiciário se o Tribunal Marítimo é órgão auxiliar deste Poder; se suas decisões têm valor de prova técnica, produzida em tribunal especializado e, mais, presumem- -se corretas? Assim, o magistrado, usando o princípio do livre convencimento, apreciará a decisão do Tribunal Marítimo, consoante seu estimado valor de prova expresso em lei. Resumindo, as decisões do TM fazem coisa julgada administrativa, podendo ser, por força de sua própria lei orgânica, reexaminadas pelo Poder Judiciário. Este reexame não diminui, tampouco torna apoucada, a decisão do Colegiado do Mar, eis que é garantia constitucional, no âmbito intangível da Carta Política. Entretanto, aquele que quiser modificar uma decisão do Tribunal Marítimo, na esfera do Judiciário, terá a herculana tarefa de ilidir prova robusta, vez que produzida perante tribunal especializado que goza de respeito tanto na comunidade marítima brasileira, quando na internacional.”

Em consonância com este pensamento, encontra-se o caudal da jurisprudência: Resp 38082 / PR, Relator Ministro Ari Pargendler, terceira turma — 20/05/1999.

Ementa: CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. TRIBUNAL MARÍTIMO. As decisões do Tribunal Marítimo podem ser revistas pelo Poder Judiciário; quando fundadas em perícia técnica, todavia, elas só não subsistirão se esta for cabalmente contrariada pela prova judicial. Recurso especial conhecido e provido.

No mesmo sentido: a decisão do Tribunal Marítimo é prova com presunção de certeza, tem-se a decisão do Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Especial n. 811.769, publicado em fevereiro de 2010.

Na matéria é essencial citar o AI 62811-RJ, Ministro Bilac Pinto: 

 Ementa: SEGURO MARÍTIMO. NAUFRÁGIO DE NAVIO. Ação de cobrança da indenização correspondente a sua perda total. Legitimidade da utilização da prova, das conclusões técnicas e da decisão do Tribunal Marítimo Administrativo no julgamento da ação no TRF. Tendência do Estado Moderno de atribuir o exercício de funções quase jurisdicionais a órgãos da administração, aliviando os órgãos do Poder Judiciário do exame de matérias puramente técnicas. Inviabilidade do extraordinário para o reexame das provas. Agravo de Instrumento desprovido. [...] a questão sub judice é de natureza eminentemente técnica e o pronunciamento do Tribunal Marítimo vale como a melhor das perícias. [...] quando se trata de caso eminentemente técnico, a conclusão deve ser a de fato declarado e logicamente deduzido pela maioria dos que, imparcialmente, tem conhecimentos especializados sobre o objeto de seu pronunciamento. A primeira arguição do recorrente é a de que o acórdão recorrido teria se apoiado, quanto à prova do sinistro, da decisão do Tribunal Marítimo, órgão administrativo que exerce funções jurisdicionais na matéria específica sobre que versa a demanda. Essa alegação da recorrente está fundada numa velha concepção da separação dos poderes, sobretudo no que diz respeito ao exercício da função jurisdicional. A Constituição brasileira mantém, sem dúvida, o princípio da unidade de jurisdição, que corresponde à supremacia do Judiciário. A interpretação  dessa regra fundamental, entretanto, deve ser feita à luz das transformações sofridas pelo Estado em razão de sua crescente intervenção no domínio econômico e na ordem social. A palavra oracular de um juiz inglês, Lord Campbell, entretanto, já nos antecipava o advento das modernas agências administrativas com funções jurisdicionais, quando proclamou, perante a House of Lordes, por ocasião da discussão do Railway and Canal Traffic Act, que aquele projeto continha um Código que os juízes não poderiam interpretar e que, afinal, procurava transformá-los em diretores de ferrovias. [...] Os juízes, entre os quais se incluía, sentiam-se incompetentes para decidir a respeito de tais assuntos. Ele havia devotado grande parte de sua vida ao estudo do direito, mas confessava-se inteiramente desfamiliarizado com a administração da ferroviária. [...] O século XX presenciou notável desenvolvimento nas atividades legislativas e jurisdicionais da Administração. Com frequência cada vez maior, tendo-se permitido, ou mesmo exigido, que as autoridades administrativas expeçam normas gerais ou regulamentares. Essa atitude constitui legislação administrativa. [...] Mais frequentemente ainda, têm essas autoridades de resolver questões concernentes a certos direitos. Quando a atividade administrativa, em tal caso, dá margem a controvérsia dirimível por autoridade administrativa, com competência jurisdicional, essa decisão é realmente judicial por natureza. [...] Os mais ortodoxos autores foram forçados a reconhecer a existência de funções que denominam de quase legislativas ou quase judiciais, desenhadas como parte da atividade administrativa. Atualmente, nos EUA, as regulamentações e as decisões emanadas de autoridades administrativas são tão numerosas, tão importantes e de tão largo alcance, que a vida particular de cada cidadão está sob a sua influência. A legislação e a jurisdição administrativas tornaram-se características significativas da função governamental. [...] Essa ampliação da atividade estatal provocou efeitos profundos na Administração. Em primeiro lugar, resultou em confirmar-se um ramo administrativo do governo grande variedade de funções nem sequer imaginadas há bem poucos anos. Esses novos encargos exigiram a criação de novos serviços, redistribuição do trabalho, a alteração das relações entre os diferentes órgãos, a seleção de pessoal mais numeroso e melhor aparelhado, o estabelecimento de novos métodos para o controle do pessoal e a idealização de novas normas, métodos ou processos para a melhor execução do trabalho. Mas, não é tudo. O grande aumento da atividade do Governo, especialmente reguladora e controladora, obriga a Administração a proferir decisões muito semelhantes às jurisdicionais, quanto à natureza. Lei  2.180/1954 – “Art. 33. Sempre que chegar ao conhecimento de uma Capitania dos Portos qualquer acidente ou fato da navegação será instaurado inquérito.” técnicos são os conhecimentos exigidos para proferi-las, tão misturadas podem elas estar com o processo administrativo, tão importante é que elas sejam proferidas com rapidez, que os tribunais judiciais não são obviamente as autoridades ideais para elaborá-las. A tarefa de pronunciar tais decisões deve caber a certas autoridades administrativas, sejam elas da própria administração ativa ou tribunais administrativos. [...] A criação do Tribunal Marítimo, órgão administrativo integrado por técnicos, a que se atribui competência quase jurisdicional para o deslinde de questões de direito marítimo se insere na tendência do Estado Moderno de aliviar as instituições judiciais de encargos puramente técnicos, para os quais não estão elas preparadas. [...] As conclusões de natureza técnica do Tribunal Marítimo inscrevem-se, entretanto no particular, entre as provas de maior valia, devendo merecer a mais destacada consideração, de juízes e tribunais, por tratar-se de órgão oficial e especializado. Sem prova mais convincente em contrário, nada autoriza se desprezarem as conclusões técnicas do Tribunal Marítimo.

VI – DISCUSSÃO SOBRE O PROCEDIMENTO

O Inquérito Administrativo sobre Acidentes e Fatos da Navegação (IAFN) será instaurado conforme as regras das Normas da Autoridade Marítima nº 9 (NORMAM 9), que regulamenta a instauração e instrução do Inquérito. O IAFN será instaurado sempre que chegar ao conhecimento de uma Agência da Autoridade Marítima a ocorrência de acidente ou fato da navega- ção, como dispõe o art. 33 da Lei n° 2.180/1954.160 O órgão competente para instaurar o inquérito é a Capitania do Porto ou a Delegacia em cuja jurisdição ocorreu o evento, a capitania do primeiro porto de escala ou arribada do navio, a capitania do porto de inscrição do navio, ou em qualquer outra designada pelo Tribunal Marítimo. Somente as Capitanias dos Portos e Delegacias poderão instaurar o inquérito administrativo. Assim, quando uma agência da capitania dos portos toma conhecimento da ocorrência de um acidente ou fato da navegação, deve comunicar, imediatamente, à capitania que estiver subordinada, a fim de que esta instaure o IAFN. Note-se que na ocorrência de sinistro com uma embarcação brasileira em águas estrangeiras, o inquérito deve ser instaurado pela autoridade consular da zona.

Aberto o processo deve-se se dar, dentro do devido processo legal, o amplo direito de defesa e contraditório, colhendo-se as provas necessárias.

O Tribunal Marítimo em âmbito administrativo, observando os antecedentes e a personalidade do responsável, a existência de dolo ou grau de culpa, além das circunstâncias que levaram à ocorrência da infração e suas consequências, poderá aplicar diferentes penalidades. As penalidades aplicadas pelo Tribunal marítimo são as seguintes:

• repreensão, medida educativa concernente à segurança da navegação ou ambas; 176. Lei n° 2.180/1954;

 Art. 124. O Tribunal poderá aplicar a pena de suspensão ou multa, ou ambas cumulativamente, às pessoas que lhe estão jurisdicionadas, quando ficar provado que o acidente ou fato da navegação ocorreu por: I - erro da navegação, de manobra ou de ambos; II - deficiência da tripulação; III - má estivação da carga; IV - haver carga no convés, impedindo manobras de emergência, ou prejudicando a estabilidade da embarcação; V - avarias ou vícios próprios conhecidos e não revelados à autoridade, no casco, máquinas, instrumentos e aparelhos; VI - recusa de assistência, sem motivo, à embarcação em perigo iminente, do qual tenha resultado sinistro; VII - inexistência de aparelhagem de socorro, ou de luzes destinadas a prevenir o risco de abalroações; VIII - ausência de recursos destinados a garantir a vida dos passageiros ou tripulantes; IX - prática do que, geralmente, se deva omitir ou omissão do que, geralmente, se deva praticar. § 1º O Tribunal poderá aplicar, até o décuplo, a pena de multa ao proprietário, armador, operador, locatário, afretador ou carregador, convencido da responsabilidade, direta ou indireta, nos casos a que se referem este artigo e o anterior, bem como na inobservância dos deveres que a sua qualidade lhe impõe em relação à navegação e atividades conexas. § 2º Essa responsabilidade não exclui a do pessoal marítimo que transigir com os armadores na prática daquelas infrações.

VI I – OS RECURSOS

Diante da decisão exarada pelo órgão judicante são cabíveis três espécies de recursos, previstos no Título IV da Lei nº 2.180/1954:

• Embargos Infringentes;

• Agravo, por simples petição;

• Embargos Declaratórios

Na matéria, ensinou Theophilo de Azevedo Santos(Direito de Navegação, 1964, pág. 429):

a) Embargos de nulidade ou infringentes de decisão final sobre o mérito do processo, versando os embargos exclusivamente matéria nova, ou baseando-se em prova posterior ao encerramento da fase probatória, ou ainda, quando não unânime a decisão, e, neste caso, serão os embargos restritos à matéria objeto da divergência. Devem ser opostos nos 10 dias seguintes ao da publicação do acórdão no órgão oficial.

 b) Agravo, por simples petição: dos despachos e decisões dos juízes que não admitirem a intervenção de terceiro na causa como litisconsorte ou assistente; que concederem ou denegarem inquirição e outros meios de prova; que concederem grandes ou pequenas dilações para dentro ou fora do País e que deferirem, denegarem ou renovarem o benefício da gratuidade. Também é cabível agravar dos despachos e decisões do presidente que admitirem ou não o recurso ou apenas o fizerem em parte; que julgarem ou não reformados autos perdidos em que não havia ainda decisão final; sobre erros de contas ou custas e que o concederem ou denegarem registro. O prazo para a interposição do agravo, assim como para o preparo do recurso, será de 48 horas175, contadas do despacho que mantiver a decisão, sob pena de deserção.

c) Embargos de Declaração, no prazo de 48 horas, contadas da publicação da decisão no órgão oficial, quando apresentar ambiguidade, obscuridade, contradição ou omissão.

VIII – A EXECUÇÃO

Uma vez proferida a decisão administrativa, o Tribunal Marítimo encerra sua atividade cognitiva, tal como ocorre no processo de conhecimento comum, passando à fase de execução do julgado, com previsão no art. 115 e seguintes da Lei nº 2.180/1954. Nesse contexto, pela natureza da condenação administrativa divide-se o processo executório da seguinte forma consoante ensinou Godofredo Neves Viana, Direito Marítimo, FGV, em lições que são de importância na matéria:

: • Execução de fazer — A decisão condena o acusado a uma determinada obrigação de fazer, isto é, ao cumprimento de uma certa prestação. • Execução de não fazer — Quando a penalidade implica na abstenção da prática de um ato.

• Execução por quantia certa — No caso de aplicação de multa e o pagamento das custas pelo vencido e, nesse caso, a guia de sentença será remetida à repartição competente, cobrada em execução fiscal. A guia de sentença é título constitutivo originário da instauração do processo de execução, com a finalidade prática assemelhada às cartas de sentença extraídas pelos tribunais da justiça comum, devendo conter os requisitos previstos no art. 115 da Lei nº 2.180/1954


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