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NÃO É O FIM DA LAVA JATO

NÃO É O FIM DA LAVA JATO

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Não pode causar estranheza decisão que apenas aplica a lei em situação há muito conhecida pelos intervenientes do processo.

Tem havido uma série de ofensas ao STF pela opinião pública, sempre que alguém não concorda com a decisão tomada pela mais alta Corte do país, independentemente do nível de conhecimento legal desses críticos.

A situação tomou tamanha proporção que o min. Luis Roberto Barroso chegou a fazer um verdadeiro desabafo em voto, lamentando "que qualquer pessoa faça um juízo severo e depreciativo do Supremo." (Inq. 4435), reconhecendo, porém, ser essa a posição de inúmeras pessoas atualmente.

A bola da vez é a decisão de manter na justiça eleitoral os crimes comuns desde que conexos com crime eleitoral (Inq. 4435, STF) e que isso significaria o fim da operação lava jato.

É preocupante e triste ver que as mídias sociais se transformaram em terreno fértil para todo tipo de ataque e discussões, ainda que por mero "achismo ", ódio, desconhecimento ou simplesmente porque alguém "não vai com a cara" de alguém. Uma perda inestimável para a República, à democracia e ao respeito às instituições. Pena. Como disse Barroso, "quem pensa diferente de mim não é meu inimigo." Deveria ser assim. Deveria.

No caso, o Supremo nada mais fez que aplicar a lei vigente. Sim, o artigo 35 da Lei 4.737/65 - Código Eleitoral, ao tratar da competência da Justiça Eleitoral, determina:

"Compete aos juízes:

I - ( ...)

II - processar e julgar os crimes eleitorais e os comuns que lhe forem CONEXOS, ressalvada a competência originária do Tribunal Superior e dos Tribunais Regionais;

Tanto é assim, que o governo encaminhou, pelas mãos do min. Sérgio Moro, em 19 de fevereiro último, projeto de alteração legislativa chamado "pacote anticrime", propondo mudar justamente a competência da Justiça Eleitoral, pois ele obviamente, já tinha ciência dessa situação, até por sua experiência de ex magistrado, sobretudo em processos dessa natureza.

Eis o texto do projeto de lei complementar apresentado:

Art. 2° A Lei n° 4.737, de 15 de julho de 1965 - Código Eleitoral, passa a vigorar com as seguintes alterações:

"Art. 35. .................................................

II - processar e julgar os crimes eleitorais, ressalvada a competência originária do Tribunal Superior Eleitoral e dos Tribunais Regionais Eleitorais;"

Note a mudança proposta.

Logo, por mais que não se concorde com este ou com aquele juiz (ministro), ou com certos exageros no linguajar, o fato é que o Supremo apenas cumpriu a Constituição e aplicou a lei, ainda que isso contrarie a opinião pública. Ele fez valer a assertiva de que ninguém está acima da lei (nem o réu, nem a vítima, nem o MPF, ninguém).

Devemos, pois, decidir se queremos uma justiça independente e que julgue de acordo com as leis ou um judiciário que sucumbe aos gritos das redes sociais.

O próprio projeto de lei encaminhado por Moro para mudança do Código Eleitoral confirma que o julgamento do STF foi correto. E é tão claro, que neste caso, pela simples comparação da lei vigente e do projeto que pretende mudar exatamente esse artigo do Código Eleitoral, qualquer cidadão consegue compreender a assertividade do julgamento. Basta despir-se de fantasmas, preconceitos, prejulgamentos, de fake news, e ser coerente com o discurso tão aplaudido de que a lei vale para todos.

E uma curiosidade: critica-se o julgamento em debate insinuando-se que os ministros seriam petistas/esquerdistas. Ora, os 5 votos favoráveis à posição da força tarefa da lava jato, foram proferidos, justamente, por 5 ministros nomeados pelos governos... petistas! Logo, a crítica parece mesmo não fazer sentido, ao menos sob o viés jurídico e não ideológico.

Não menos importante, a operação lava jato não pode ser eterna. Há uma confusão com isso, pois dá-se a impressão de que somente a força tarefa de Curitiba é capaz de julgar crimes de corrupção. Não. Há inúmeros magistrados e promotores em todo o país igualmente capacitados, e, por lei, competentes (juiz natural) para o processamento dessas ações.

Ademais, a lava jato se refere a crimes de corrupção e lavagem de dinheiro conexos com o chamado "caixa 2", tendo a Petrobras como vítima. Não é para todo e qualquer crime, como infelizmente vemos políticos e outros deturpando a natureza da operação.

Força tarefa é algo temporário, criada para uma missão específica. Não é universal e nem eterna, senão não seria uma união de pessoas para fins urgentes e determinados.

Há muita gente, inclusive autoridades, causando celeuma sobre isso e angariando votos, louros e holofotes à custa da desinformação e prejuízo alheio.

Portanto, o fato de ter sido aplicada a lei pelo STF nada tem a ver com o fim da lava jato, mesmo porque os procuradores da república e magistrados que nela atuaram e atuam são experientes e profundos conhecedores da legislação. Tanto que aí está o projeto de lei complementar apresentado já em fevereiro, quase 1 mês antes desse julgamento, comprovando que essa competência para julgar é, na lei atual, da Justiça Eleitoral, algo já sabido e desde há muito (anos) reconhecido pelo Supremo.

Agora pense: nesse contexto, se a lava jato um dia não cessar, significa que o assalto aos cofres da Petrobras não teve fim. Que tudo foi só "enxugar gelo". E é isso que queremos? Logo, esse discurso de fim da lava jato e suposta incapacidade da Justiça Eleitoral não pode ser utilizado como pretexto para a não aplicação da lei, sem afrontar a Constituição e as demais normas que devem reger um Estado Democrático de Direito de verdade.

A lava jato deve prosseguir, sim, até esgotar fatos passados que a lesaram, e sempre sob o império da lei para todos (corruptos, vítima, ministério público, magistrados).

Afinal, no processo, todos tem o dever de agir com boa-fé, lealdade, respeitando as regras do jogo. Não pode é depois de acionado o "VAR" colocar a culpa no árbitro, se a regra não foi respeitada por um ou alguns dos participantes da partida.


Autor

  • Marcos Roberto Mem

    Advogado Foi membro efetivo da Comissão de Segurança Pública da OAB SP; Ex presidente da Comissão de Segurança Pública da 36ª Subseção da OAB SP; Ex Vice-presidente do Conselho Municipal de Segurança Pública de São José dos Campos SP; Especialista em Direito Público/UNISAL; MBA em Direito Bancário/FGV; Pós-graduando em Compliance e Governança Corporativa/EPD

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