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REFLEXÃO SOBRE A CONSTITUCIONALIDADE DA REFORMA DA PREVIDÊNCIA

DESCONSTITUCIONALIZAÇÃO DE DIREITOS SOCIAIS EM FACE DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

REFLEXÃO SOBRE A CONSTITUCIONALIDADE DA REFORMA DA PREVIDÊNCIA. DESCONSTITUCIONALIZAÇÃO DE DIREITOS SOCIAIS EM FACE DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

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O que é essencial na Constituição? O sacrifício do princípio da dignidade da pessoa humana é permitido? A desconstitucionalização de direitos sociais que contrariam o espírito da Constituição pode ser admitida? O bem estar social não é protegido?

 

Ainda existe uma Constituição e o Poder Constituinte Reformador é limitado, razão pela qual não pode contrariar em determinados termos o Poder Constituinte Originário.

Desse modo, penso que a Reforma da Previdência é inconstitucional, porque ofende os princípios fundamentais por ela estabelecidos e que são imanentes a todo o sistema.

Embora haja certa dificuldade na compreensão do vetor principiológico para a interpretação da Constituição não é possível a aplicação adequada de suas regras sem considerá-los, sob pena de esvaziar de conteúdo as disposições contidas no texto, as quais gozam de inegável e essencial relevância.

Conforme dispõe o artigo 60, § 4º, inciso IV da CF é vedado que o objeto de proposta de emenda à Constituição tenda a abolir “os direitos e garantias individuais”. Nesse ponto observamos no termo abolir um sentido negativo de mitigar ou extinguir tais direitos, por óbvio não se vedam mudanças que garantam maior efetividade a eles.

Mas em que sentido a previdência e assistência social, atingidos pela PEC da reforma são compreendidos como “direitos e garantias individuais” quando costumeiramente são denominados “direitos sociais”, ou seja, de caráter coletivo, não individual?

A resposta a esta questão exige a interpretação sistemática e teleológica da Constituição Federal, porém é inegável a coerência da posição que afirma a condição de direito e garantia individual da previdência e assistência social em alguns aspectos, de modo a afirmar o caráter pétreo de determinados pontos, porque potencializam a proteção individual e dão efetividade a eles, sobretudo diante do princípio e fundamento da dignidade da pessoa humana.

Os denominados direitos e garantias individuais estão elencados no art. 5º da CF, embora na atualidade mesmo os mais evidentes e de indiscutível caráter individual venham sendo negados (a exemplo do art. 5º, LVII, da CF) e a Constituição não venha sendo efetivamente cumprida – nesse caso cabe a análise e provimento judicial para reafirmar o que já é expresso e literal – é inconcebível que o Poder Constituinte Reformador peque  ao apreciar a Constitucionalidade em análise de proposta de emenda à Constituição. Por tal razão faz-se necessário demonstrar o caráter de direito e garantia  individual, não suscetível a alteração por meio de emenda, no caso da previdência e assistência social. Senão vejamos.

O preâmbulo da CF estabelece que a destinação, ou seja, objetivo essencial do Estado Democrático de Direito então estabelecido é o de assegurar o exercício dos “direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social”. O valor do preâmbulo orienta a interpretação das disposições literais e articuladas que se seguem.

No título referente aos “princípios fundamentais” encontramos como um dos fundamentos a disposição contida no art. 1º, III, que elenca a “dignidade da pessoa humana”. O § 2º, do art. 5º da CF amplia o rol dos “direitos e garantias expressos” e, ao não excluir outros, inclui os decorrentes “dos princípios” por ela adotados. Logo, é perfeitamente possível afirmar a condição de direito e garantia individual não passível de alteração via emenda constitucional, de modo a reduzir sua efetividade, aqueles que digam respeito à “dignidade da pessoa humana”, princípio e fundamento inconteste e central do Estado Democrático de Direito. Negar esta condição é negar no todo a Constituição e nenhuma emenda nesse sentido seria admissível.

Alguns direitos sociais, em certa medida, sustentamos, quando indiscutivelmente relacionados à “dignidade humana” adquirem a proteção constitucional de natureza individual, mesmo que num primeiro momento possam ser vistos como de natureza coletiva, ou seja, atendido o critério ou a condição coletiva que o define o seu respeito na modalidade individual não pode ser negado.

Com efeito, ao considerarmos que a dignidade humana contempla o atendimento das necessidades vitais básicas e que isto comtempla a renda ou remuneração para atendimento a estas necessidades, desconstitucionalizar os direitos sociais é quebrar o paradigma central da Constituição Federal estabelecendo uma ordem totalmente diversa e contrária ao que prevê o núcleo essencial e irreformável da CF.

Situações contempladas como a desvinculação dos benefícios do salário mínimo, sobretudo em casos como o do Benefício de Prestação Continuada é atentar diretamente contra a dignidade da pessoa humana e consequentemente ferir direito constitucionalmente protegido como não sendo objeto de alteração ao menos dentro da ordem constitucional vigente. Não condiz com os princípios e objetivos do Estado Democrático de Direito estabelecido a partir da CF de 88.

O bem-estar social deriva e é consequência do bem-estar individual a atingir o maior número de pessoas de modo inclusivo. Atacá-lo é ferir o indivíduo e sua dignidade ainda que de maneira supostamente indireta. O público instituído visa atender os indivíduos e a sociedade como um todo.

Em última instância, o Estado, ciente das condições de vida dos indivíduos, atualmente e em projeção futura, acaba por submeter os seres humanos atingidos pela reforma a “tratamento desumano ou degradante”, o que é vedado pelo art 5º, III, da CF, em razão de atingir a dignidade humana destes em benefício próprio de suas estruturas ou interesses de cunho restrito que não gozam da proteção constitucional ampla e irrestrita quando colidem com o atendimento das “necessidades vitais básicas” afetas inegavelmente à "dignidade da pessoas humana”.

Se o cumprimento da Constituição implica na deterioração das contas públicas, que não atendem aos interesses da coletividade e dos indivíduos em última instância, qual a razão para manutenção de um estado desses? Não é esse o pacto vigente. Tomar o caminho proposto é, por fim e definitivamente, enterrar o projeto constitucional em vigor, o que é incabível a partir de seus termos. Não há nenhum outro caminho ou reforma que preserve a dignidade humana, os direitos sociais e a própria Constituição?

 

Danilo Fernando de Oliveira - 14.03.2019 – Andirá-PR



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