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Psicologia do depoimento no Tribunal do Júri (Parte II): as mazelas

Argumentos contrários ao Tribunal do Júri

Psicologia do depoimento no Tribunal do Júri (Parte II): as mazelas. Argumentos contrários ao Tribunal do Júri

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Os argumentos expendidos não significam meu posicionamento contrário à Instituição do Tribunal do Júri, mas apenas alertar acerca de sua falibilidade.

Em momento anterior de meus Ensaios sobre o Tribunal do Júri, fiz constar:

Há uma tendência moderna de se reproduzir, no Plenário do Júri, os depoimentos gravados em audiência de instrução.

Entretanto, do ponto de vista da defesa, tal medida pode se mostrar muito contraproducente.

As contradições servem, justamente, para criar a dúvida. Do ponto de vista do Direito Penal, a dúvida é fator preponderante para o comportamento humano.

O júri é composto por um caldo emocional decorrente da junção de várias culturas postas juntas, com o escopo de decidir o destino de uma pessoa que, em tese, cometeu um fato definido como crime.

As pessoas julgam, em sua ampla maioria, não só por suas emoções, mas, principalmente, por suas frustrações, medos, crenças, arrependimentos e todo tipo de patologia emocional que se possa imaginar.

Em termos de Tribunal do Júri, é preciso que reprisemos, não estamos em terreno racional.

A situação ganha ainda mais relevo em casos que tratam de crimes passionais.

Da mesma forma que nos crimes passionais as emoções comandam a atitude do criminoso, no Tribunal do Júri as emoções comandam e conduzem o conselho de sentença.

São sete pessoas. Sete emoções que são arrebatadas e jogadas de um lado a outro por acusação e defesa.

Ao final, vencerá a tese que mais inflamar e insuflar a plateia julgadora.

Essa a realidade do Tribunal do Júri.

Amado ou odiado, o Tribunal do Júri jamais poderá ser ignorado.

A instituição do Tribunal do Júri é vista, por alguns, como a expressão mais ampla e plena da democracia, tendo em vista que os julgadores são pessoas do povo julgando os crimes de um de seus pares.

Como alertado acima, no Tribunal do Júri impera as emoções e não a razão.

Prova do que ora se alega são os acalorados debates, muitos deles totalmente avessos às provas dos autos e totalmente apegados aos arquétipos estereotipados que povoam a mente discriminatória da sociedade.

Para ilustrar essa tese, imagine o leitor o seguinte quadro: um homem negro que é acusado de matar e estuprar uma criança branca. Aquelas crianças de capa de revista, loira, de olhos claros, pele alva como a neve, que cora à menor variação de temperatura. Uma verdadeira modelo-mirim. Ao se compor o Conselho de Sentença, quatro dos jurados são mulheres e mães de crianças cuja idade é próxima à idade da vítima. Diante desse quadro, questiono: quais as chances de um discurso racional, técnico e estritamente apegado apenas às provas do processo?

O Conselho de Sentença é composto, como já dito, por sete pessoas. Na atual sistemática jurídico-processual de resposta aos quesitos formulados pelo juiz, quatro votos representam a maioria e, portanto, a resposta definitiva ao quesito formulado na sala secreta, reservada ou especial. Em referida localidade apenas podem estar presentes o juiz, como presidente do Tribunal do Júri, o promotor de justiça, na função de órgão acusador, o advogado, que representa a defesa (podendo haver advogado de acusação quando este ingressa como assistente da acusação), os jurados, e os auxiliares da justiça, como escrevente e oficiais. O voto é secreto. São dadas aos jurados duas cédulas. Em uma, a palavra SIM, e na outra, a palavra NÃO. O juiz faz as perguntas, e os jurados depositam em uma urna (geralmente um saco de pano de cor escura) sua resposta ao quesito apresentado. A maioria de quatro votos torna desnecessária a verificação dos outros três. Nunca se sabe quem votou de forma favorável ou contrária. Esse o necessário sigilo para segurança dos jurados. Afinal, não seria seguro que o condenado soubesse quem o condenou.

A sociedade não tolera crimes, muito embora seja a protagonista de muitos deles (mas isso assunto para outro momento). Há, no entanto, alguns crimes que são inaceitáveis. São eles: homicídio, estrupo e tráfico de drogas. Pessoalmente, classifico esse conjunto como tríade dos crimes infamantes. A mera imputação é capaz de gerar um juízo a priori de condenação, sem nem mesmo as pessoas terem interesse de entender, em profundidade, as provas que possam existir em desfavor do imputado. Neste caso, impera o contra-brocardo: na dúvida, pau no réu. Não é pessimismo, mas apenas constatação de uma realidade. O brasileiro não tem o hábito de ler, logo, não tem o de pensar. Pensa bem quem lê bem. Quanto mais se lê, melhor se pensa. E pessoas que pensam não pré-julgam, porque não há racionalidade nos prejulgamentos.

Sabemos o alto grau de discriminação que o negro, infelizmente, tem na sociedade. Sabemos, como dito acima, ser o crime de estupro um crime insuportável e extremamente nojento do ponto de vista da liberdade sexual. Um crime, por si só, infamante, como dito.

Assim, no caso citado, a probabilidade de condenação de um acusado por estupro seguido de homicídio ser negro, tendo como vítima uma criança branca e no Conselho de Sentença quatro jurados mulheres é muito grande, o que torna, o trabalho da defesa, uma tarefa árdua e hercúlea. Mesma situação do Tribunal de Nuremberg[1], formado após a Segunda Guerra Mundial para apurar os crimes de guerra, onde os acusados alemães nazistas tinham por advogados também cidadãos alemães, mas como acusadores e julgadores pessoas das nações vencedoras, quais sejam: Estados Unidos, União Soviética, França e Grã-Bretanha[2]. Há, para a defesa, trabalhos bastante inglórios sem dúvida. Trabalhos esses que precisam ser feitos, tendo em vista a necessidade da garantia da ampla defesa e do contraditório a todos os cidadãos.

Essa, uma das mazelas do Tribunal do Júri no Brasil.

Os argumentos acima expendidos não significam meu posicionamento contrário à Instituição do Tribunal do Júri, mas apenas alertar acerca de sua falibilidade.


[1] Os Julgamentos de Nuremberg ou de Nuremberga (oficialmente Tribunal Militar Internacional vs. Hermann Göring et al.) foram numa série de tribunais militares, organizados pelos Aliados, depois da Segunda Guerra Mundial, e referentes aos processos contra 24 proeminentes membros da liderança política, militar e econômica da Alemanha Nazista. Os julgamentos, a cargo de um Tribunal Militar Internacional (em inglês, International Military Tribunal, IMT), ocorreram na cidade de Nuremberg, Alemanha, entre 20 de novembro de 1945 e 1º de outubro de 1946. Esse tribunal serviu como base para a criação do Tribunal Penal Internacional, com sede na cidade de Haia, nos Países Baixos. (Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Julgamentos_de_Nuremberg).

[2] Oito juízes, representantes dos quatro países vencedores da guerra, compuseram a corte. O presidente do tribunal era britânico, mas coube aos estadunidenses o papel mais importante na preparação do processo. Os países neutros não tiveram nenhuma participação. Juristas têm levantado a questão das violações dos direitos fundamentais com a realização de um tribunal ad hoc, um tribunal de exceção, sem a escolha de advogados pelos réus. Segundo alguns doutrinadores do direito, um tribunal de exceção não poderia punir com pena capital, mas somente com prisão, entre outras formas de responsabilização. Todavia, em Nuremberg, os vencedores ditaram todas as regras e todo o funcionamento do tribunal, mesmo em detrimento dos direitos fundamentais dos réus, como o princípio do juízo natural conhecidos dos ingleses desde a Magna Carta de 1215. A aplicação da justiça dos vencedores poderia igualmente explicar por que jamais foi cogitada a possibilidade de julgamento dos responsáveis pela mortandade de civis em decorrência dos inúmeros bombardeios aliados contra as cidades alemãs (Dresden, Colônia, Darmstadt, Hamburgo, Stuttgart e Königsberg, entre outras) ou do lançamento de bombas atômicas sobre Hiroshima e Nagasaki. (Fonte: Idem)


Autor

  • Rodrigo Mendes Delgado

    Advogado. Escritor. Palestrante. Parecerista. Pós-Graduado (título de Especialista) em Ciências Criminais pela UNAMA – Universidade do Amazonas/AM. Ex-presidente da Comissão e Ética e Disciplina da 68ª subseção da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção de São Paulo por dois triênios consecutivos. Membro relator do Vigésimo Primeiro Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/SP pelo 3º triênio consecutivo. Autor dos livros: O valor do dano moral – como chegar até ele. 3.ed. Leme: Editora JH Mizuno, 2011; Lei de drogas comentada artigo por artigo: porte e tráfico. 3.ed. rev., atual. e ampl. Curitiba: Editora Belton, 2015; Soluções práticas de direito civil comentadas – casos concretos. Leme: Editora Cronus, 2013 (em coautoria com Heloiza Beth Macedo Delgado). Personal (Life) & Professional Coach certificado pela SOCIEDADE BRASILEIRA DE COACHING – SBCOACHING entidade licenciada pela BEHAVIORAL COACHING INSTITUTE e reconhecida pelo INTERNACIONAL COACHING COUNCIL (ICC). Carnegiano pela Dale Carnegie Training Brasil. Trainer Certificado pela DALE CARNEGIE UNIVERSITY, EUA, tendo se submetido às certificações Core Competence e Endorsement, 2014. (Contatos profissionais: Cel./WhatsApp +55 018 9.9103-5120; www.linkedin/in/mdadvocacia; [email protected])

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