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O Palácio da Guanabara e a desproteção da propriedade privada

O Palácio da Guanabara e a desproteção da propriedade privada

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Texto sobre a mais antiga demanda judicial do país e a permanente insegurança jurídica em relação à propriedade privada, a partir do caso Paço Isabel (Palácio da Guanabara).

 

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Em decisão proferida no último 6 de dezembro e amplamente divulgada, a Quarta Turma do Colendo Superior Tribunal de Justiça, vulgo STJ, julgou dois recursos especiais constantes na mais antiga demanda judicial em discussão no país, com mais de 120 anos de tramitação. Estamos falando dos pedidos de reapropriação ou indenização sobre o Palácio da Guanabara, carinhosamente chamado nos meios monarquistas de Paço Isabel.

O imóvel foi construído na metade do século dezenove, a pedido do comerciante português José Machado Coelho, para que servisse de sua residência particular. Em 1865, o Palácio foi transformado em residência dos recém-casados Princesa Imperial Dona Isabel Cristina, a Redentora, e de seu esposo, o Conde d'Eu - Louis Philippe Marie Ferdinand Gaston, que renunciou aos direitos sucessórios relativos ao trono francês, por ocasião do seu casamento.

A compra de uma residência oficial para o novo par, foi acordada em um pacto pré-nupcial e a escolha daquele palacete somente se concretizou, porque foram utilizadas economias particulares do Conde d'Eu, pois o dote teria sido insuficiente para tamanha empreitada. Embora fosse encarado como bem de Estado, o Palácio era propriedade particular, regido em caráter extraordinário pelo Regime dos Morgadios, segundo o qual os domínios senhoriais das famílias nobres eram inalienáveis e indivisíveis, transmitindo-se nas mesmas condições, por morte do seu titular a um único herdeiro.

Em 1889, quando a família Real e Imperial do Brasil partiu para o exílio, em função do golpe militar que tomou o país e instituiu o governo provisório, o Palácio da Guanabara sofreu confisco e foi transferido ao patrimônio da União, mediante o decreto 447 de 1891, que dizia:

 

"Art. 1º Ficam incorporados aos proprios nacionaes todos os bens que constituiam o dote ou patrimonio concedido por actos do extincto regimen á ex-princeza imperial D. Isabel, Condessa d'Eu; bem assim o immovel denominado – palacete Leopoldina – e sito á rua Duque de Saxe."

 

Embora os confiscos tenham se alastrado por todo o território nacional, a Suprema Corte decidiu que este decreto não poderia ser executado, tendo em vista que a edificação havia sido comprada com dinheiro particular e era propriedade particular do casal.

Aqueles tempos eram tensos, com rebeliões em todo o país e uma grave crise política, que forçou a renúncia do então Presidente Generalíssimo de Mar e Terra Deodoro da Fonseca. Assumiu então o Marechal do Exército Brasileiro Floriano Peixoto, o segundo presidente do Brasil, que em um de seus rompantes ditatoriais, desrespeitou a decisão da Suprema Corte, ordenando a invasão, o saque e o confisco efetivo do Palácio da Guanabara.

Como era de se imaginar, a Família Real e Imperial brasileira jamais recebeu qualquer indenização por aquela desapropriação, nem mesmo (e muito menos) alguma palavra de conforto vinda da república. Em 1895 a Princesa Isabel ajuizou a ação possessória e em 1955, a família Orleans e Bragança iniciou a ação reivindicatória.

Após mais de cento e vinte anos de processo, o Judiciário brasileiro continua rejeitando a pretensão da Família Imperial, recusando tanto a devolução do bem, quanto qualquer possível indenização. Vale dizer que o Palácio da Guanabara é onde funciona atualmente a sede do governo do Rio de Janeiro. Ou seja, mais do que um imóvel, a discussão ganha um vulto maior, por sua simbologia política.

A mídia republicana, recheada de falsas afirmativas, tem divulgado que o bem discutido sempre fora público, que a residência do casal de príncipes seria alguma espécie de benefício dado pelo Estado e sustentado pelos brasileiros. O judiciário republicano, por sua vez, tem decidido frequentemente contra a História, negando recursos apresentados pelos Orleans e Bragança e enfatizando a mentirosa tese de que a família imperial teria apenas o direito de habitar no imóvel, ignorando completamente o regime dos morgadios.

Ao afirmar que “A extinção da monarquia fez cessar a destinação do imóvel de servir de moradia da família do trono. Não há mais que se falar em príncipes e princesas”, o relator do processo no STJ, ministro Antonio Carlos Ferreira, demonstra ter se esquecido da História do Brasil, na qual imperadores, príncipes e princesas permitiram neste país a instalação da monarquia constitucional, expansão de escolas, vinda de cientistas, liberdade de imprensa, luta antiescravagista (que lhes custou a Coroa, após a Abolição da Escravatura), abertura de bibliotecas e museus (por sinal, muitos já destruídos no período republicano, por deterioração lenta ou incêndios), dentre inúmeras conquistas civis e econômicas.

Além disso, negar a possibilidade de que os Orleans e Bragança possam reaver o bem particular, ou receber uma indenização condizente com o valor do imóvel, significa permitir a instauração de uma insegurança jurídica sem precedentes sobre a propriedade privada, em um país que ficou ao menos trinta anos sendo governado pela esquerda.

Não falar dos nossos príncipes e princesas significa esquecer a História, até o ponto em que se possa distorcê-la, repassando à juventude apenas um resquício do que foi o Brasil – e da grandeza que pode voltar a ser.

Por mais príncipes e princesas. Ave, Glória! Ave, Império!

 

 

 

 


Imagem: Palácio da Guanabara - Sede do Govero do Estado do Rio de Janeiro, em abril de 2015. Por Ivokory.

Referências:

• DECRETO Nº 447, DE 18 DE JULHO DE 1891. Estabelece providencias relativamente aos bens que constituiam o dote da ex-princeza brazileira D. Isabel e ao immovel denominado - palacete Leopoldina. O Presidente da Republica dos Estados Unidos do Brazil: http://www2.camara.leg.br/…/decreto-447-18-julho-1891-54152…

• REsp nº 1141490 / RJ (2009/0131097-8) autuado em 04/09/2009. https://ww2.stj.jus.br/processo/pesquisa/…

• REsp nº 1149487 / RJ (2009/0132773-3) autuado em 24/09/2009. https://ww2.stj.jus.br/processo/pesquisa/…

• STJ. Herdeiros da princesa Isabel não têm direito ao Palácio Guanabara, decide STJ em ação que durou 123 anos. Decisão. 06/12/2018 21:13. http://www.stj.jus.br/…/Pal%C3%A1cio-Guanabara-pertence-%C3…

• STJ. Palácio Guanabara: processo mais antigo do Brasil entra em pauta nesta quinta (6). 05/12/2018 17:13. http://www.stj.jus.br/…/Pal%C3%A1cio-Guanabara:-processo-ma…

• TV Imperial. STJ "LEGITIMA" ROUBO DO PALÁCIO DA PRINCESA ISABEL (4:45). Publicado em 7 de dez de 2018. https://www.youtube.com/watch?v=dtCJp4Ka9YM


Autor

  • Lorena de Bessières

    Dra. Lorena de Bessières é advogada especialista em soluções empresariais, graduada na PUC-RS, com pós graduações no Brasil e no exterior. Tem 15 anos de experiência em estratégias complexas e projetos multidisciplinares, sendo cinco destes anos na Europa. Presidente Fundadora da Embaixada Geração de Valor Minas Gerais (EGV Minas). Criadora da Mentoria Jornada Empresarial. Instagram: @lorenadebessieres . Experiente em times jurídicos eleitorais, em campanhas de mais de quarenta candidatos (vereador, deputado estadual, deputado federal e prefeito). Além das atividades típicas da advocacia, publicou livros, artigos acadêmicos, apresentou trabalhos, concedeu entrevistas, recebeu prêmios e reconhecimentos internacionais.

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