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A NOMEAÇÃO E A MORALIDADE ADMINISTRATIVA

A NOMEAÇÃO E A MORALIDADE ADMINISTRATIVA

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Uma opinião jurídica a respeito da nomeação de parentes para cargos políticos. Uma visão a respeito da moralidade administrativa.

Ultimamente tem-se discutido a respeito da nomeação do filho de presidente da república para o cargo de embaixador. Discute-se se é possível a nomeação, se existe nepotismo, se o presidente pode ou não nomear seu filho para o cargo em questão.

Iremos propor neste artigo questões relativas ao Direito, sem que o mesmo tenha finalidades políticas, partidárias, devendo o texto ser considerado meramente opinativo.

2 Do Cargo de Embaixador

           Entende-se como Diplomata o agente público que representando o Brasil em outros países tem como atribuições negociar acordos, fornecer apoio a brasileiros em viagem ou que se encontrem no exterior por outros meios.

No Brasil o tema é tratado pela Lei 11.440/2006 e diz em seu artigo 1º que:

Lei 11.440/2006 - Art. 1º O Serviço Exterior Brasileiro, essencial à execução da política exterior da República Federativa do Brasil, constitui-se do corpo de servidores, ocupantes de cargos de provimento efetivo, capacitados profissionalmente como agentes do Ministério das Relações Exteriores, no País e no exterior, organizados em carreiras definidas e hierarquizadas, ressalvadas as nomeações para cargos em comissão e para funções de chefia, incluídas as atribuições correspondentes, nos termos de ato do Poder Executivo.

Desta forma o serviço diplomático brasileiro é considerado um serviço essencial à política externa e cujos membros constituem-se por um corpo de servidores de cargos de provimento efetivo, capacitados como agentes no Ministério das Relações Exteriores e no exterior organizados em carreiras definidas e hierarquizadas, com ressalvas para as nomeações em cargos de comissão e para as funções de chefia, por ato do Poder Executivo.

            Conforme o Itamaraty[1] a admissão na carreira diplomática se dá por meio de Concurso de Admissão no Instituto Rio Branco (IRBR) e, o aprovado se torna então Terceiro-Secretário. Os cargos seguintes na carreira são: Segundo-Secretário, Primeiro-Secretário, Conselheiro, Ministro de Segunda Classe e Ministro de Primeira Classe (Embaixador). E ainda segundo o Itamaraty:

Todos os diplomatas têm de ser aprovados no Concurso de Admissão. O treinamento durante a carreira é intenso e contínuo, pois o diplomata tem de ser capaz, entre outros, de bem representar o Brasil perante a comunidade de nações; colher as informações necessárias à formulação de nossa política externa; participar de reuniões internacionais e, nelas, negociar em nome do Brasil; assistir as missões no exterior de setores do governo e da sociedade; proteger os interesses de seus compatriotas; e promover a cultura e os valores de nosso povo.

            Sendo assim, o ingresso na Carreira de Diplomata se faz por meio de concurso público de provas ou de provas e títulos, de âmbito nacional, organizado pelo Instituto Rio Branco. E a aprovação no concurso habilitará o ingresso no cargo da classe inicial da Carreira de Diplomata, de acordo com a ordem de classificação obtida, bem como a matrícula no Curso de Formação do Instituto Rio Branco.

            O Senado Federal tem uma grande responsabilidade no procedimento de nomeação de um embaixador, visto que os candidatos a Chefe de Missão Diplomática Permanente e de Missão ou Delegação Permanente junto a organismo internacional deverão ser por eles sabatinados e se aprovados nomeados pelo Presidente da República e aí sim receberem o título de Embaixador, nos termos do artigo 39 da Lei 11.440/2006, sendo que o Chefe de Missão Diplomática Permanente é a mais alta autoridade brasileira no país em cujo governo está acreditado.

            Contudo de forma excepcional, poderá ser designado para exercer a função de Chefe de Missão Diplomática Permanente brasileiro nato, não pertencente aos quadros do Ministério das Relações Exteriores, maior de 35 (trinta e cinco) anos, de reconhecido mérito e com relevantes serviços prestados ao País. É justamente neste ponto, o parágrafo único do artigo 41 da Lei 11.440/2006 que versa a discussão a respeito da nomeação de filho de presidente para ocupar um cargo máximo de representação brasileira no exterior.

            Não cabe a este autor a discussão das credenciais do referido candidato, sua vida pregressa e a existência de reconhecido mérito e serviços prestados ao país, pois apesar de tratarmos de Direito Administrativo, tal indicação se refere a conveniência e oportunidade administrativa.

            Como visto a assunção a carreira Diplomática, esta pode-se dar por meio de um plano de carreia iniciado em concurso público, vindo o agente público galgando promoções até uma possível nomeação em nível máximo de sua carreia, ou no caso de ser maior de 35 (trinta e cinco) anos, de reconhecido mérito e com relevantes serviços prestados ao País, ser excepcionalmente nomeado pelo presidente da república.

3 Do Nepotismo

            A Constituição Federal em seu artigo 37, inciso II, diz que:

CF - art. 37, II: a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração;

            Assim por regra a investidura em cargo ou emprego público depende de concurso público de provas ou provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração.

            Nas palavras de Maria Sylvia Zanella Di Pietro[2]:

Para os cargos em comissão, o artigo 37, II, dispensa o concurso público, o que não significa ser inteiramente livre a escolha dos seus ocupantes, consoante decorre do inciso V do mesmo dispositivo da Constituição. A lei é que definirá os “casos, condições e percentuais mínimos” a serem observados no provimento de cargos em comissão.

            É cediço que existe a possibilidade de afastar a regra do concurso público por determinação constitucional, para assunção de determinados cargos ou funções como para os cargos em comissão. Desta feita, cargos em comissão são considerados os de exercício de funções de direção, de chefia e assessoramento e, da necessidade de confiança pessoal que possuem estas atividades, são cargos de livre nomeação e livre exoneração, os denominados cargos ad nutum.

            Assim como os cargos em comissão a Constituição Federal estabelece outras possibilidades de não haver concurso público, ou de concurso público simplificado, são eles: Servidores Temporários; Cargos eletivos; Agentes comunitários de saúde e agentes de combate às endemias (que realizam o chamado concurso simplificado, ou também chamado de concurso público diferenciado).

            Diante do exposto, surge o debate a respeito do nepotismo. Sendo requisito negativo de admissibilidade em que se preza o respeito ao princípio da moralidade e da impessoalidade das nomeações, de modo que aquele que será nomeado não venha ter vínculo familiar com o nomeante.

            Nesta esteira, diz Matheus Carvalho[3]:

(...) em decorrência do princípio da indisponibilidade do interesse público, toda a atuação do administrador deve-se pautar, unicamente, na busca pelo interesse da coletividade, não dando margem a escolhas pessoais, com a intenção de beneficiar a si mesmo ou aos seus parentes.

            Em mesmo consonância, Marçal Justen Filho:

O sujeito titular da competência para promover a investidura em cargo em comissão ou função gratificada não pode exercitá-la em favor do cônjuge, companheiro ou parente até o terceiro grau (em linha reta, colateral ou por afinidade).

            Trata-se então de observância a princípios do Direito Administrativo, previstos expressamente na Constituição Federal, no artigo 37, como os princípios da moralidade e da impessoalidade em atenção as nomeações.

            Contudo em 2008 o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula Vinculante 13 dispondo a respeito de tais nomeações e que repetimos:

Súmula Vinculante 13 - A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica, investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança, ou, ainda, de função gratificada na Administração Pública direta e indireta, em qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal.

            Para contribuir com o debate, as Súmulas Vinculantes têm o poder de determinar a atuação da Administração Pública e do Poder Judiciário, porém com a ressalva que não vincula a atuação política de Estado. Assim atos políticos praticados pelo ente público não se sujeitam às suas regras.

            Diante de tal premissa, o Supremo Tribunal Federal se manifestou no sentido da inaplicabilidade da vedação ao nepotismo quando se tratar de nomeação de agentes para o exercício de cargos políticos, como é o caso de secretário ou de ministro de estado e, de até mesmo de Embaixador (Ministro de Primeira Classe). Diferente do que a impressa vem noticiando, que alguns Ministros do Supremo Tribunal Federal não consideram nepotismo a indicação para o cargo de embaixador do filho do de Presidente da República, este entendimento já existe, diga-se de passagem, desde 2008.    

            Desta forma para a ocupação de cargos eminentemente políticos a nomeação de parente não encontra óbice, desde que a pessoa tenha condições técnicas de exercer a função pública.

            Porém o Supremo Tribunal Federal se manifestou no sentido de que a vedação ao nepotismo configura aplicação direta dos princípios previstos no art. 37 da Constituição Federal, não dependendo de lei para que seja aplicado a todos os entes federados, em qualquer dos seus poderes (Recurso Extraordinário n. 579.951 de 2008).

            A nomeação de parentes para cargos públicos é possível visto não ser considerado nepotismo, mas a esta nomeação deve ser observada os princípios atinentes a Administração Pública previstos no artigo 37 da Constituição Federal, que considero ser também possível de ser estendida a observância não só aos princípios implícitos quanto aos explícitos.

            A vedação ao nepotismo em âmbito federal é regulamentada pelo Decreto 7.203/2010, estabelecendo regras aplicáveis para a vedação do nepotismo no âmbito dos órgãos e entidades da administração pública federal direta e indireta.

            As divergências à matéria continuam, visto que o Superior Tribunal de Justiça definiu que a nomeação de parentes nos moldes vedados pela Súmula Vinculante 13, além de configurar ato ilícito, pode ser rotulado como ato de improbidade administrativa. Nestes termos, nós consideramos a possibilidade de haver ato de improbidade administrativa em nomeações que violam os princípios atinentes a Administração Pública, nos termos do artigo 11 da Lei 8.429/1992:

Lei 8.429/1992 - Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:

(...)

4 Da Moralidade Administrativa

            Já tendo superado as questões relativas ao cargo de Diplomata e, que seu provimento se dá por meio de concurso público e com escalonamento em um plano de carreira, da existência da possibilidade excepcional de nomeação pelo chefe do Poder Executivo em nomear pessoa com reconhecido mérito e com relevantes serviços prestados ao País e, que a nomeação de parente para cargo político não caracteriza nepotismo desde que o nomeado tenha condições técnicas de exercer a função pública. É momento de se discutir se tal tipo de nomeação fere princípios da própria Administração Pública.

            Os princípios são considerados normas gerais coercitivas que orientam a atuação do indivíduo e, que definem os valores a serem praticados em suas condutas.

            A conduta da Administração busca o que é denominado de interesse público, constituído pelo interesse primário e o secundário. O primeiro considerado pelas necessidades da sociedade e, não se confunde com a vontade estatal, que se baseia o próprio interesse secundário. E como para atingir a execução de tais interesses muitas vezes se recorre a motivação genérica da supremacia do interesse público sobre o privado é que torna de suma importância a observância dos princípios na Administração Pública.

            Desta forma os princípios são considerados elementos relevantes e, que definem a atuação do Estado. Tais princípios são verdadeiras normas orientadoras das condutas do agente público, de modo a satisfazer as necessidades dos administrados.

            A Constituição Federal no artigo 37 apresenta os princípios considerados explícitos da Administração Pública, quais sejam: legalidade; impessoalidade; moralidade; publicidade e eficiência.

            Contudo um dos princípios da Administração Pública é o da moralidade, determinado como o da moralidade administrativa e que também está expresso no artigo 2º da Lei 9.784/1999:

Lei 9.784/1999 - Art. 2º A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.

            O princípio da moralidade é considerado um conceito jurídico indeterminado e, é muito comum está atrelado a um vício de legalidade. Porém, diz a doutrina como Matheus Carvalho e Maria Sylvia Di Pietro que o princípio deve ser visto de forma autônoma quando do exercício de um ato administrativo imoral, mesmo que não ocorra violação ao princípio da legalidade.

            Segundo Hely Lopes Meirelles[4], “a moralidade administrativa constitui, hoje em dia, pressuposto de validade de todo ato da Administração Pública”, que terá que obedecer não só a lei, mas também a ética da própria Administração Pública, sem adentrar em discussões de proporcionalidade e razoabilidade que segundo o Direito Público moderno relativizam o discurso da supremacia do interesse público, sustentado por alguns a necessidade da ponderação de interesses de Alexy e Dworkin.

Conclusão

            Diante de todo o exposto, é certo que o exercício de cargo de diplomata requer de forma ordinária o exercício de concurso e, de carreira estruturada e que é possível de forma excepcional ao Chefe do Poder Executivo nomear com base em conveniência e oportunidade pessoa fora dos quadros tradicionais, mesmo que o indicado venha a ser seu parente o que não configuraria ato de nepotismo, haja vista o cargo de embaixador ser eminentemente político. Contudo há de se observar que o indicado deva ter contribuído com ações relevantes ao país, bem como tenha conhecimento específico sobre o tema, para que não venha a macular tal indicação. Porém, o Direito Administrativo também é regido por princípios e que desde a Constituição Federal de 1988 são considerados regras a ponto de vir a ser elemento de hermenêutica jurídica. No caso em comento, o princípio da moralidade deve ser observado pois, constitui atualmente, pressuposto de validade dos atos do Poder Público e, conforme já proclamavam os romanos non omne quod licet honestum est, nem tudo que é legal é honesto.

Dr. Luciano Tavares Júnior – Advogado OAB/MG: 186.007

Sócio do escritório Morais & Tavares Advogados Associados (moraistavares.adv.br)

Formação: Bacharel em Direito e Engenheiro Elétrico / Eletrônico.

Especialidade: Direito Público (Direito Constitucional, Direito Administrativo, Direito Tributário e Direito Previdenciário).

Tecnologia da Informação e Software Engineering (Microsoft Training Academy).

Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/3356924220350776

[1] http://www.institutoriobranco.itamaraty.gov.br/a-carreira-de-diplomata

[2] PIETRO, Maria Sylvia Zanella Di. Direito administrativo. 31. ed. rev. atual e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2018. p. 757.

[3] CARVALHO, Matheus. Manual de Direito Administrativo. 4ª ed. ver. ampl. e atual. Salvador: JusPODIVM, 2017. p. 819.

[4] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2016. p 94.


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