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A Teoria da Cegueira Deliberada e a (im)possibilidade da responsabilidade penal dos contadores nos crimes de sonegação fiscal.

A Teoria da Cegueira Deliberada e a (im)possibilidade da responsabilidade penal dos contadores nos crimes de sonegação fiscal.

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O presente artigo aborda de forma sintética a possibilidade ou não do contador ser responsabilizado criminalmente no crime de sonegação fiscal, tendo em vista a aplicação da Teoria da Cegueira Deliberada.

A aplicação da teoria da cegueira deliberada tem sido objeto de amplas discussões jurídicas no Brasil, tendo em vista ser aplicada para fundamentar inúmeras acusações e condenações, em especial, nesse período de crise do processo penal.

A teoria citada foi originada na Inglaterra e passou a ser aplicada nos Estados Unidos, é também conhecida como teoria do avestruz, ignorância deliberada, cegueira intencional ou provocada, willful blindnessOstrich Instructions ou doutrina da evitação da consciência.

A Teoria da Cegueira Deliberada consiste no ato do agente colocar-se numa situação de ignorância, de forma consciente e voluntária, acerca da potencial ilicitude de sua conduta. Para a teoria estudada a conduta do agente de ignorar equivala-se ao dolo eventual, haja vista o individuo agir indiferente, ignorando propositadamente o ilícito, o que faz assumir o risco de produzir o resultado.

A jurisprudência em especial do Supremo Tribunal Federal considera a ignorância deliberada equivalente ao dolo eventual com base no sentido cognitivo-normativo do dolo constante na teoria do assentimento.

O Contador trata-se de um profissional de grande importância seja para pessoa física ou jurídica, pois o seu mister de realizar declarações ao fisco, elaboração de balancetes, registro de documentos contabéis, dentre outras, traz inúmeras responsabilidades para seus clientes, inclusive, penal.

O crime de sonegação fiscal trata-se uma ocultação dolosa mediante fraude, astúcia ou habilidade, do recolhimento de tributos devidos ao Poder Público. É um crime de ação penal pública incondicionada que tem como sujeito passivo a Fazenda Pública (estadual ou federal) responsável pela administração e recolhimento de tais tributos, tipificado nos artigos 1º e 2º da Lei 8.137/1990:

Art. 1º Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas:

I – omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias;

II – fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal;

III – falsificar ou alterar nota fiscal, fatura, duplicata, nota de venda, ou qualquer outro documento relativo à operação tributável;

IV – elaborar, distribuir, fornecer, emitir ou utilizar documento que saiba ou deva saber falso ou inexato;

V – negar ou deixar de fornecer, quando obrigatório, nota fiscal ou documento equivalente, relativa a venda de mercadoria ou prestação de serviço, efetivamente realizada, ou fornecê-la em desacordo com a legislação.

Pena – reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.

Parágrafo único. A falta de atendimento da exigência da autoridade, no prazo de 10 (dez) dias, que poderá ser convertido em horas em razão da maior ou menor complexidade da matéria ou da dificuldade quanto ao atendimento da exigência, caracteriza a infração prevista no inciso V.

Art. 2º Constitui crime da mesma natureza:

I – fazer declaração falsa ou omitir declaração sobre rendas, bens ou fatos, ou empregar outra fraude, para eximir-se, total ou parcialmente, de pagamento de tributo;

II – deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos;

III – exigir, pagar ou receber, para si ou para o contribuinte beneficiário, qualquer percentagem sobre a parcela dedutível ou deduzida de imposto ou de contribuição como incentivo fiscal;

IV – deixar de aplicar, ou aplicar em desacordo com o estatuído, incentivo fiscal ou parcelas de imposto liberadas por órgão ou entidade de desenvolvimento;

V – utilizar ou divulgar programa de processamento de dados que permita ao sujeito passivo da obrigação tributária possuir informação contábil diversa daquela que é, por lei, fornecida à Fazenda Pública.

Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

Por sua vez, o art. 11º da citada lei prevê a possibilidade do contador ser responsavel criminalmente quando evidenciada as condutas criminosas previstas na Lei 8.137/1990:

Art. 11. Quem, de qualquer modo, inclusive por meio de pessoa jurídica, concorre para os crimes definidos nesta lei, incide nas penas a estes cominadas, na medida de sua culpabilidade.

Cumpre ressaltar que os crimes constantes no art. 1º da Lei em comento dever haver uma efetiva supressão ou redução de tributos. Portanto, deve ocorrer uma utilização de artifícios fraudulentos, seja por meio da omissão de um dever de informação que lhe é imposto ou declaração de informações falsas à autoridade fazendária.

No artigo 2º da Lei 8.137/1990 não há necessidade da produção do resultado para consumar o crime.

Dessa forma, para que o contador seja responsabilizado criminalmente é preciso que tenha uma efetiva participação do acusado no cometimento do ilícito. Caso seja constatado um erro inevitável na atuação do contador, deve ocorrer uma exclusão da conduta delituosa.

Podemos citar como exemplo, a situação de informações prestadas por um cliente ao contador de forma aparentemente fidedignas, o qual não era possível o profissional contábil desconfiar da ilicitude, e o mesmo repassa ao fisco tais informações consoante declarações do cliente.

Ora, como o contador não tinha como identificar, não ficou evidenciado a ilegalidade das declarações passadas pelo cliente, bem como o mesmo não se beneficiou desta fraude. Portanto, nesse caso, não deve ser aplicada qualquer sanção criminal ao contador.

Não abunda repisar que, os Tribunais Superiores somente reconhecem o crime tributário praticado pelo contador em hipóteses nas quais o dolo (vontade livre e consciente) é comprovado. Havendo dúvida, a absolvição é medida de rigor.

Dessa forma, a conduta do contador é punível a partir do momento que finge não enxergar a ilicitude da procedência de bens, direitos e valores, agindo como um avestruz, que enterra sua cabeça na terra para não tomar conhecimento da natureza ou extensão do ilícito. Por tal razão o nome da Teoria da Cegueira Deliberada.

Nessa diapasão, o atual Ministro de Justiça e ex Juiz Federal Sergio Moro no seu livro sobre Crime de lavagem de dinheiro pontua que a aceitação da cegueira deliberada pela maioria das cortes norte-americanas consiste no agente ter conhecimento da elevada probabilidade de que os bens, direitos ou valores envolvidos eram provenientes de crime; e  a prova de que o agente agiu de modo indiferente a esse conhecimento.

Diante do exposto, com a atual jurisprudência dos Tribunais Superiores é possível que os contadores sejam responsabilizados criminalmente nos crimes de sonegação fiscal, contudo é preciso que fique provada nos autos do processo a sua efetiva participação, a alta probabilidade ou conhecimento das ilegalidades nas declarações passadas pelo cliente, bem como a prova que agiu indiferente a tal situação através de um desconhecimento intencional.

Autor: Alberto Ribeiro Mariano Júnior. Advogado Criminalista. Professor universitário. Sócio do escritório Pinheiro & Mariano Advocacia e Consultoria. Especialista em Ciências Criminais pelo JusPodivm. Especialista em Direito do Estado pela UFBA. www.pmadvocacia.adv.br   [email protected]


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