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A menagem na legislação castrense.

É modalidade de prisão, liberdade provisória ou conteúdo eclético?

A menagem na legislação castrense. É modalidade de prisão, liberdade provisória ou conteúdo eclético?

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O texto analisa o instituto da menagem (art. 263 do Código de Processo Penal Militar), que não é levado em conta no cumprimento da pena, indo contra a isonomia constitucional.

“[...] Sobre a contagem para a pena, a menagem concedida em residência ou cidade não será levada em conta no cumprimento da pena, o que, a nosso aviso, não se coaduna com os preceitos fundamentais da isonomia constitucional, pois regra semelhante da prisão domiciliar prevista no ordenamento jurídico para o preso não militar, artigo 117 da Lei nº 7.210/84, prisão domiciliar substitutiva e alternativa da prisão preventiva, artigo 317 do CPP, prisão domiciliar nos crimes ambientais, Lei nº 9.605/98 e a moderna prisão domiciliar humanitária, de construção jurisprudencial, o tempo é contado integralmente para o cumprimento da pena, uma espécie de detração penal, instituto previsto no artigo 42 do Código Penal comum e art. 67 do Código Penal Militar. Assim, antes de tudo, o fato da atividade do militar por vezes exigir fagulhas de heroísmo, galhardia de herói e em determinados momentos comportamentos anormais, de super-homem, não o torna diferente das demais pessoas, sendo certo que a beleza de suas ações é tão grande que os poetas não se cansam de exaltar com conteúdo épico[...]”


Resumo: O presente texto tem por fim colimado proceder a análise preliminar do instituto da menagem, previsto no ordenamento jurídico pátrio, conforme artigo 263 do Código de Processo Penal Militar.

Palavras-chave: Direito Processo Penal Militar. Menagem. Liberdade provisória. Prisão Provisória.


1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Nos primeiros anos de estudos da Ciência Jurídica, é comum aprender que existem dois tipos de jurisdições no Brasil. A comum e a especializada.

A jurisdição especializada ocorre por exclusão. Assim, tem-se como componente da jurisdição especial, a jurisdição Eleitoral, Militar e Trabalhista, cada uma dotada de legislação própria e peculiaridades.

Pode-se afirmar que a jurisdição comum é toda aquela que não se enquadra no conceito de jurisdição especial ou especializada.

Mas o assunto de hoje é abordar o tema MENAGEM, instituto pertencente ao Direito de Processo Penal Militar, de jurisdição especializada, pouco estudado nas academias jurídicas e via de consequência, pouco conhecido no meio jurídico.


2. A MENAGEM DO DIREITO CASTRENSE

O título XIII do Código de Processo Penal Militar, Decreto-Lei nº 1.002/69, trata DAS MEDIDAS PREVENTIVAS E ASSECURATÓRIAS, dividido em 07 capítulos.

Assim, o citado Título encontra-se estruturado nos seguintes Capítulos:

CAPÍTULO I - DAS PROVIDÊNCIAS QUE RECAEM SOBRE COISAS OU PESSOAS

CAPÍTULO II - DAS PROVIDÊNCIAS QUE RECAEM SOBRE COISAS

CAPÍTULO III - DAS PROVIDÊNCIAS QUE RECAEM SOBRE PESSOAS

CAPÍTULO IV - DO COMPARECIMENTO ESPONTÂNEO

CAPÍTULO V - DA MENAGEM

CAPÍTULO VI - DA LIBERDADE PROVISÓRIA

CAPÍTULO VII - DA APLICAÇÃO PROVISÓRIA DE MEDIDAS DE SEGURANÇA

Antes de mais nada, de qualquer abordagem acerca do assunto, é importante analisar a posição topográfica de tratamento do instituto da Menagem, que não recebeu tratamento no capítulo que trata das providências que recaem sobre as pessoas, ou seja, no campo da prisão provisória, nem prisão em flagrante e nem prisão preventiva.

Tampouco recebeu tratamento no capítulo da liberdade provisória, podendo afirmar, mesmo antes de saber sequer o seu conceito, que a menagem tem natureza jurídica híbrida, eclética ou mista, não podendo ser classificada nem como modalidade de prisão, nem liberdade provisória, nem comparecimento espontâneo e nem medida de segurança.

Então, arriscando um conceito logo de plano, respeitando todas as posições em contrário, pode-se afirmar a menagem é uma forma de homenagem benéfica ou favor castrense que o direito processual penal militar oferece ao autor de determinados crimes, se preenchidos alguns requisitos de ordem objetiva e subjetiva, antes do julgamento final, em face da posição do instituto em sede de medidas preventivas ou assecuratórias.

ROTH1 afirma que o instituto da menagem tem dupla face, ora como forma de prisão provisória (menagem-prisão), ora como forma de liberdade provisória (denominando-a menagem-liberdade), dependendo a forma como o juiz a aplique.

A menagem, se for concedida em cidade ou residência, é uma forma de liberdade provisória, a qual prefiro denominar menagem-liberdade, ao passo que a menagem concedida em quartel, navio ou estabelecimento delimitado é uma forma de prisão provisória, sem os rigores do cárcere, a que prefiro denominar menagem-prisão. A menagem-liberdade é uma sub-rogação da prisão provisória, portanto, é liberdade e é medida contracautelar. A menagem-prisão, mutatis-mutandis é medida substitutiva da prisão-provisória por ser medida mais branda que aquela, logo, é, ao meu ver, verdadeira prisão especial, ou seja, medida de caráter cautelar. Pode ser aplicada assim àquele que se encontra em liberdade ou que esteja preso, provisoriamente. No primeiro caso equivalerá a prisão temporária e no segundo caso equivalerá a liberdade provisória.

SILVA2 ensina com autoridade que a Mensagem é uma evolução histórica do instituto da “homenagem”, concedida aos nobres na época da monarquia.

Realizadas as abordagens preliminares, chega-se o instante para estudo do instituto da menagem, que recebe tratamento nos artigos 263 usque 269 do CPPM, agora objeto de estudos.

Assim, conforme se deflui do art. 263, a menagem poderá ser concedida pelo juiz, nos crimes cujo máximo da pena privativa da liberdade não exceda a quatro anos, tendo-se, porém, em atenção a natureza do crime e os antecedentes do acusado.

Quanto ao lugar da medida, a lei prevê que a menagem a militar poderá efetuar-se no lugar em que residia quando ocorreu o crime ou seja sede do juízo que o estiver apurando, ou, atendido o seu pôsto ou graduação, em quartel, navio, acampamento, ou em estabelecimento ou sede de órgão militar. A menagem a civil será no lugar da sede do juízo, ou em lugar sujeito à administração militar, se assim o entender necessário a autoridade que a conceder.

Quanto à audiência com o Ministério Público, este será ouvido, prèviamente, sobre a concessão da menagem, devendo emitir parecer dentro do prazo de três dias.

Para a menagem em lugar sujeito à administração militar, será pedida informação, a respeito da sua conveniência, à autoridade responsável pelo respectivo comando ou direção. Importante disposição acerca da cassação da medida.

Assim, será cassada a menagem àquele que se retirar do lugar para o qual foi ela concedida, ou faltar, sem causa justificada, a qualquer ato judicial para que tenha sido intimado ou a que deva comparecer independentemente de intimação especial.

A lei prevê textualmente que o insubmisso terá o quartel por menagem, independentemente de decisão judicial, podendo, entretanto, ser cassada pela autoridade militar, por conveniência de disciplina.

Acerca a cessação da menagem, esta cessará com a sentença condenatória, ainda que não tenha passado em julgado, mas salvante este caso, o juiz poderá ordenar a cessação da menagem, em qualquer tempo, com a liberação das obrigações dela decorrentes, desde que não a julgue mais necessária ao interesse da Justiça.

Sobre a contagem para a pena, a menagem concedida em residência ou cidade não será levada em conta no cumprimento da pena.

O artigo 269 do Código de Processo Penal Militar estabelece que ao reincidente não se concederá menagem.


3. DAS CONSIDERAÇÕES FINAIS

Assim, percebe-se que se abriram as cortinas da escuridão e ao fundo, enxergaram-se pequenas fagulhas de luzes, ainda que ofuscadas acerca do instituto da menagem no Direito de Processo Penal Militar, tratado nos artigos 263 a 269 do CPPM.

Destarte, foram analisados ainda que preliminarmente a competência para concessão e os requisitos de cabimento, o lugar da menagem e a audiência com o Ministério Público, os pedidos de informações e a cassação da medida, o lugar de cumprimento da medida para os casos de insubmissos, a cessação da menagem, a não contagem da medida para o cumprimento da pena e por último, a inaplicabilidade da medida para os reincidentes.

Após os apontamentos pertinentes, mais uma convicção em afirmar que a menagem é um instituto próprio do Direito Processual Penal Militar, onde o juiz competente, atendendo aos requisitos processuais, sobretudo, nos crimes cujo máximo da pena privativa da liberdade não exceda a quatro anos, tendo-se, porém, em atenção a natureza do crime e os antecedentes do acusado, determina o recolhimento do autor de crime em locais previstos em lei com as consequências jurídicas para o seu descumprimento.

Sobre a contagem para a pena, a menagem concedida em residência ou cidade não será levada em conta no cumprimento da pena, o que, a nosso aviso, não se coaduna com os preceitos fundamentais da isonomia constitucional, pois regra semelhante da prisão domiciliar prevista no ordenamento jurídico para o preso não militar, artigo 117 da Lei nº 7.210/84, prisão domiciliar substitutiva e alternativa da prisão preventiva, artigo 317 do CPP, prisão domiciliar nos crimes ambientais, Lei nº 9.605/98 e a moderna prisão domiciliar humanitária, de construção jurisprudencial, o tempo é contado integralmente para o cumprimento da pena, uma espécie de detração penal, instituto previsto no artigo 42 do Código Penal comum e art. 67 do Código Penal Militar.

Assim, antes de tudo, o fato da atividade do militar por vezes exigir fagulhas de heroísmo, galhardia de herói e em determinados momentos comportamentos anormais, de super-homem, não o torna diferente das demais pessoas, sendo certo que a beleza de suas ações é tão grande que os poetas não se cansam de exaltar com conteúdo épico.

Quando eles passam juntos, entoando seus hinos e cantos, gerando eco, os corações mais cansados sentem estremecer alguma coisa dentro de si

Por fim, assevera-se que, que o instituto da menagem é um instituto de natureza jurídica híbrida, que diz respeito ao local de cumprimento da pena e só é prevista no Código de Processo Penal Militar.


REFERÊNCIAS

BRASIL. Código de Processo Penal Militar. Decreto-Lei nº 1.002, de 1969. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del1002.htm. Acesso em 15 de janeiro de 2020, às 17h26min.

BRASIL. Código Penal Brasileiro. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm. Acesso em 15 de janeiro de 2020, às 21h39min.

BRASIL. Lei nº 9.605/98. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9605.htm. Acesso em 15 de janeiro de 2020, às 21h40min.

BRASIL. Lei nº 7.210/84. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7210.htm. Acesso em 15 de janeiro de 2020, às 21h41min.

ROTH, Ronaldo João. Temas de Direito Militar. São Paulo: Suprema Cultura, 2004. p. 171.

SILVA, Edson Nalon. O INSTITUTO DA MENAGEM NO PROCESSO PENAL MILITAR. Mestre em Direito pela PUC-SP, Oficial da PMESP, Professor de Direito na FMU –SP e na Academia de Policia Militar do Barro Branco.


Notas

1 ROTH, Ronaldo João. Temas de Direito Militar. São Paulo: Suprema Cultura, 2004. p. 171.

2 SILVA, Edson Nalon. O INSTITUTO DA MENAGEM NO PROCESSO PENAL MILITAR. Mestre em Direito pela PUC-SP, Oficial da PMESP, Professor de Direito na FMU –SP e na Academia de Policia Militar do Barro Branco.


Resumen: Este texto tiene por objeto llevar a cabo el análisis preliminar del instituto de impresión, previsto en el ordenamiento jurídico penal, de conformidad con el artículo 263 del Código de Procedimiento Penal Militar.

Palabras clave: Ley de Enjuiciamiento Criminal Militar. Mantener. Libertad provisional. Prisión Provisional.


Autor

  • Jeferson Botelho Pereira

    Jeferson Botelho Pereira. Ex-Secretário Adjunto de Justiça e Segurança Pública de MG, de 03/02/2021 a 23/11/2022. É Delegado Geral de Polícia Civil em Minas Gerais, aposentado. Ex-Superintendente de Investigações e Polícia Judiciária de Minas Gerais, no período de 19 de setembro de 2011 a 10 de fevereiro de 2015. Ex-Chefe do 2º Departamento de Polícia Civil de Minas Gerais, Ex-Delegado Regional de Governador Valadares, Ex-Delegado da Divisão de Tóxicos e Entorpecentes e Repressão a Homicídios em Teófilo Otoni/MG, Graduado em Direito pela Fundação Educacional Nordeste Mineiro - FENORD - Teófilo Otoni/MG, em 1991995. Professor de Direito Penal, Processo Penal, Teoria Geral do Processo, Instituições de Direito Público e Privado, Legislação Especial, Direito Penal Avançado, Professor da Academia de Polícia Civil de Minas Gerais, Professor do Curso de Pós-Graduação de Direito Penal e Processo Penal da Faculdade Estácio de Sá, Pós-Graduado em Direito Penal e Processo Penal pela FADIVALE em Governador Valadares/MG, Prof. do Curso de Pós-Graduação em Ciências Criminais e Segurança Pública, Faculdades Unificadas Doctum, Campus Teófilo Otoni, Professor do curso de Pós-Graduação da FADIVALE/MG, Professor da Universidade Presidente Antônio Carlos - UNIPAC-Teófilo Otoni. Especialização em Combate à corrupção, crime organizado e Antiterrorismo pela Vniversidad DSalamanca, Espanha, 40ª curso de Especialização em Direito. Mestrando em Ciências das Religiões pela Faculdade Unida de Vitória/ES. Participação no 1º Estado Social, neoliberalismo e desenvolvimento social e econômico, Vniversidad DSalamanca, 19/01/2017, Espanha, 2017. Participação no 2º Taller Desenvolvimento social numa sociedade de Risco e as novas Ameaças aos Direitos Fundamentais, 24/01/2017, Vniversidad DSalamanca, Espanha, 2017. Participação no 3º Taller A solução de conflitos no âmbito do Direito Privado, 26/01/2017, Vniversidad DSalamanca, Espanha, 2017. Jornada Internacional Comjib-VSAL EL espaço jurídico ibero-americano: Oportunidades e Desafios Compartidos. Participação no Seminário A relação entre União Europeia e América Latina, em 23 de janeiro de 2017. Apresentação em Taller Avanco Social numa Sociedade de Risco e a proteção dos direitos fundamentais, celebrado em 24 de janeiro de 2017. Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad Del Museo Social Argentino, Buenos Aires – Argentina, autor do Livro Tráfico e Uso Ilícitos de Drogas: Atividade sindical complexa e ameaça transnacional, Editora JHMIZUNO, Participação no Livro: Lei nº 12.403/2011 na Prática - Alterações da Novel legislação e os Delegados de Polícia, Participação no Livro Comentários ao Projeto do Novo Código Penal PLS nº 236/2012, Editora Impetus, Participação no Livro Atividade Policial, 6ª Edição, Autor Rogério Greco, Coautor do Livro Manual de Processo Penal, 2015, 1ª Edição Editora D´Plácido, Autor do Livro Elementos do Direito Penal, 1ª edição, Editora D´Plácido, Belo Horizonte, 2016. Coautor do Livro RELEITURA DE CASOS CÉLEBRES. Julgamento complexo no Brasil. Editora Conhecimento - Belo Horizonte. Ano 2020. Autor do Livro VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. 2022. Editora Mizuno, São Paulo. articulista em Revistas Jurídicas, Professor em Cursos preparatórios para Concurso Público, palestrante em Seminários e Congressos. É advogado criminalista em Minas Gerais. OAB/MG. Condecorações: Medalha da Inconfidência Mineira em Ouro Preto em 2013, Conferida pelo Governo do Estado, Medalha de Mérito Legislativo da Assembléia Legislativa de Minas Gerais, 2013, Medalha Santos Drumont, Conferida pelo Governo do Estado de Minas Gerais, em 2013, Medalha Circuito das Águas, em 2014, Conferida Conselho da Medalha de São Lourenço/MG. Medalha Garimpeiro do ano de 2013, em Teófilo Otoni, Medalha Sesquicentenária em Teófilo Otoni. Medalha Imperador Dom Pedro II, do Corpo de Bombeiros, 29/08/2014, Medalha Gilberto Porto, Grau Ouro, pela Academia de Polícia Civil em Belo Horizonte - 2015, Medalha do Mérito Estudantil da UETO - União Estudantil de Teófilo Otoni, junho/2016, Título de Cidadão Honorário de Governador Valadares/MG, em 2012, Contagem/MG em 2013 e Belo Horizonte/MG, em 2013.

    Autor do livro <em>Tráfico e Uso Ilícitos de Drogas: atividade sindical complexa e ameaça transnacional</em> (JH Mizuno). Participação nos livros: "Lei 12.403/2011 na Prática - Alterações da Novel legislação e os Delegados de Polícia", "Comentários ao Projeto do Novo Código Penal PLS 236/2012", e "Atividade Policial" (coord. Prof. Rogério Greco), da Impetus. Articulista em Revistas Jurídicas.

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