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Aprimorando aulas expositivas de Direito com discussões em grupo

Aprimorando aulas expositivas de Direito com discussões em grupo

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1. Introdução

Ao cursar a disciplina "Didática do Ensino Superior", ministrada pelo Profº Joaquim Pedro de Souza Campos, na Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo – FADISP, no primeiro semestre de 2005, interessei-me por conhecer melhor o método de instrução baseado na discussão em grupo, que me pareceu uma ferramenta potencialmente útil ao ensino e aprendizado porque proporciona ao aprendiz a oportunidade de testar de modo mais prático e menos teórico o conteúdo didático transmitido nas aulas expositivas, aproveitando a experiência e o conhecimento que eles já possuem para, em cima destes, solidificar outros ainda mais vivazes e perenes, posto que frutos de seu próprio experimento, reflexão e conclusão.

Na experiência que tive como bacharelando em ciências jurídicas, passei a suspeitar que as aulas nos cursos de Direito eram demasiadamente expositivas e que a singela memorização de conceitos abstratos, como freqüentemente ocorre entre os alunos ávidos por apenas obter boas notas nas provas, não era suficientemente eficaz para auxiliar o aprendiz a alcançar a real apreensão intelectual e pragmática dos complexos conteúdos envolvidos.

Faltava um sentido prático a tudo aquilo, o que dificultava, e até desestimulava, o aprendizado. Lembro-me de só haver suprido a lacuna experimental do meu curso quando intuitivamente desenvolvi o hábito de ilustrar cada conceito novo com uma situação fática que lhe servisse de exemplo, por meio da qual eu podia problematizar o instituto jurídico abstrato, ministrado nas aulas eminentemente teóricas, e testar suas possibilidades e implicações no mundo das coisas, onde efetivamente ele seria utilizado.

O objetivo deste ensaio é, pois, propor algumas sugestões de como tornar aulas expositivas mais eficientes com o auxílio do método da discussão, por meio do qual os alunos terão, além da informação, a oportunidade efetiva de formular aplicações práticas para os conceitos e princípios estudados.


2. O Método de Aula Expositiva

As aulas expositivas representam o método de ensino mais utilizado nos países ocidentais. Consiste, no mais das vezes, na apresentação de informações verbais que o professor transmite aos alunos; caracterizada pela passividade dos estudantes e o pouco entrosamento entre eles e professor: uma fala, os outros ouvem e aprendem (espera-se). Segundo historiadores, as aulas ministradas por exposição oral tiveram origem na era medieval, numa época em que tanto os professores quanto os alunos não dispunham de livros, de forma que os primeiros transmitiam verbalmente para os segundos as informações que extraiam de suas anotações pessoais, para que estes, por sua vez, fizessem os seus próprios apontamentos. Desta forma, o objetivo do professor era o de que a sua explanação alcançasse o maior número possível de aprendizes, impossibilitando, com freqüência, a aferição do conteúdo aprendido.

2.1. Vantagens

Existem várias razões que justificam a prevalência do método expositivo sobre os demais. Não é á toa que esse método é tão difundido e utilizado no mundo inteiro. Seguramente, algumas vantagens ele tem.

Segundo apontam os estudiosos, a primeiro delas seria a possibilidade de se transmitir, numa única aula, conhecimento a um grande número de alunos, com a possibilidade ainda de o professor contagiar o auditório com a sua exaltação e entusiasmo, inspirando nos alunos igual interesse pelo aprendizado da matéria exposta.

O método expositivo pode também ser muito eficiente para disseminar conhecimentos ainda não disponíveis em livros, revistas ou outros meios impressos, sendo que o dedicado professor pode compilar as informações de que dispõe (publicadas em raros artigos internacionais, por exemplo) e apresentar em poucas aos seus alunos as principais idéias relacionadas à novidade que está sendo estudada.

Por esse método, o controle da aula está nas mãos do professor, que pode decidir o conteúdo e a profundidade do tema que pretende abordar. Por fim, para alunos mais tímidos, a aula expositiva não lhe representa nenhum constrangimento, pois supõe que dele é esperado apenas sentar e ouvir passivamente o conteúdo ministrado.

Ademais, segundo o Profº Joaquim Pedro de Souza Campos [01], é de se considerar que uma criança quando chega à vida adulta, terá assistido a mais de quinze mil horas de televisão, contra menos de mil horas que passou na escola. Isso significa que a maioria dos alunos já está familiarizada em obter informação de forma passiva, sem maior interação com quem a transmite.

2.2. Desvantagens

Em que pesem as vantagens acima apontadas, não se pode negar que o método expositivo apresenta muitas limitações se comparado, por si só, com outros métodos de ensino e aprendizagem, sendo muito criticado pela escassa participação dos alunos no processo de aprendizagem.

É atribuída a R.K Rathbun [02] a celebre definição de aula expositiva como sendo um processo pelo qual as anotações do professor tornam-se anotações dos alunos sem que tenham passado pela mente de nenhum deles.

A maior deficiência que os especialistas apontam às exposições orais é a falta de feedback. Essa ferramenta de avaliação e realinhamento é indispensável a uma aprendizagem de qualidade, porque possibilita ao professor acompanhar de perto a evolução do aluno, perceber seus pontos fracos e auxiliá-lo a suprir suas deficiências. Por meio do feedback, o professor transmite ao aluno a reorientação necessária para que ele adote práticas e posturas que o levem a obter os melhores resultados possíveis. É uma demonstração objetiva do comprometimento que o professor tem para com a aprendizagem ativa e útil do seu aluno, pois, ao contrário de satisfazer-se com a mera transmissão de informação, ele vai além e verifica se esta foi corretamente recebida pelo aprendiz, se o auxilia na solução dos problemas que lhe são apresentados e na construção de seu próprio conhecimento, suprindo-o, se necessário, do que lhe falta para tanto.

Outra deficiência que costuma ser atribuída ao método expositivo é a passividade imposta aos alunos. Por se tratar de comunicação num único sentido, não há muita participação dos alunos no processo de aprendizagem. Deles é esperado que ouçam e aprendam. Desse modo, a audição passiva revela-se menos eficiente ao ensino, notadamente porque a maioria das pessoas somente aprende quando desenvolve alguma atividade relacionada ao assunto que está sendo estudado. Do contrário, esquecem rapidamente as informações que receberam.

É sabido que em exposições orais a atenção dos ouvintes tendem a diminuir após o período aproximado de vinte minutos. Assim, o interesse dos alunos é inversamente proporcional à duração da aula expositiva: quanto mais longa, menor será a duração da atenção dos alunos, sobretudo para os mais jovens, cujo tempo de duração da atenção e concentração é proporcional à idade.

Aulas meramente expositivas não são muito adequadas ao ensino e aprendizagem de disciplinas com conteúdos programáticos tradicionalmente mais teóricos, sendo pouco eficientes no desenvolvimento de habilidades de raciocínio e escrita.


3. O Método de Discussão

O método da discussão tem sido utilizado com bastante sucesso quando se pretende obter o comprometimento dos alunos na construção participativa e espontânea de seu próprio saber. Por conta dessa característica, é atualmente o método mais utilizado para estimular alunos a se dedicarem ao estudo de disciplinas cuja aprendizagem requeira o raciocínio e a compreensão de assuntos muito complexos.

Por meio do método da discussão, os alunos são levados a vivenciar a exploração prática de possibilidades e alternativas existentes numa situação artificialmente criada para ser problematizada. Assim, envolvidos num ambiente de espontânea e construtiva da interação entre si, os alunos conseguem obter, de modo mais natural e até prazeroso, as respostas para o problema investigado, rompendo, desse modo, as objeções que poderiam ter, a princípio, a respeito da disciplina ou do assunto estudado.

É um método eficiente porque induz à prática, cuja importância foi muito bem observada pelo psiquiatra Içami Tiba quando afirmou que "o conhecimento recém adquirido só se transforma em sabedoria quando é posto em prática. No momento que o individuo o utiliza até sem pensar, como um hábito, alcançou a sabedoria".

3.1. Vantagens

Dentre suas vantagens, a que mais se destaca no método de instrução baseado na discussão é que o aluno não é um mero receptor passivo da informação, visto que participa ativamente do seu processo de aprendizagem, falando e discutindo com seus colegas e professores, desenvolvendo, adicionalmente aptidões de relações interpessoais.

Durante as discussões, os alunos estão participando de uma experiência de aprendizagem ativa. Mesmo nos momentos em que um aluno aparenta não estar participando, ele está pensando a respeito do que está em discussão e disso emergem opiniões ou dúvidas que compartilha com o grupo.

O partilhar de experiências bem sucedidas oferece a oportunidade de desenvolver impressão favorável a respeito do objeto de discussão, do processo e das pessoas nela envolvidas.

Através do método de discussão, os alunos podem, simultaneamente, desenvolver uma melhor apreciação das técnicas e habilidades da solução de problemas e adquirir experiência no uso dessas habilidades.

Além disso, a simulação de situações reais, como ocorre nas discussões, permite que os alunos identifiquem seus próprios erros e possam corrigi-los.

Na discussão, os alunos têm a oportunidades de avaliação, rever conceitos e trocar experiências.

Partilhar de experiências com os demais colegas, faz com que os alunos se sintam prestigiados em ver que suas contribuições são bem recepcionadas e úteis à discussão.

3.2. Desvantagens

Como todo método de ensino, o da discussão também apresenta algumas desvantagens. A primeira delas é que nem sempre será possível assegurar a participação de todos os alunos, como, por exemplo, os novatos, por se julgarem inaptos, e mais experientes, por não terem vontade de se expor.

Outra característica é que discussões consomem mais tempo que uma simples exposição, e requerem mais planejamento e preparação. Há o risco de algumas discussões tornarem-se improdutivas pela postura de pessoas que fazem o uso da palavra para satisfazer necessidades de seu ego, ou de outras que deliberadamente escolham a atitude de não contribuir em nada.

A discussão funciona melhor com alunos de personalidade extrovertida, razão pela deve ser assegurada a participação dos alunos introvertidos ou tímidos.


4. Aprimorando Aulas Expositivas com Discussões

Em que pese as limitações apontadas, não se pode negar que o método expositivo apresenta vantagens que legitimam a sua ascensão sobre os demais e que podem ser otimizadas com a aplicação conjunta de outros métodos de instrução, como, por exemplo, o da discussão.

Atualmente, a aprendizagem tem sido objeto de constante reflexão e questionamentos de toda a sociedade. Não sendo monopólio exclusivo dos educadores, qualquer cidadão está legitimado a opinar sobre o futuro da educação e apresentar propostas capazes de melhorar o ensino e aprendizagem.

Para o sociólogo e pensador francês Edgar Morin [03], "a educação deve favorecer a aptidão natural da mente em formular e resolver problemas essenciais e, de forma correlata, estimular o uso total da inteligência geral. Este uso total pede o livre exercício da curiosidade, a faculdade mais expandida e mais viva durante a infância e a adolescência, que com freqüência a instrução extingue e que, ao contrário, se trata de estimular ou, caso esteja adormecida, de despertar".

As insuficiências atribuídas às aulas expositivas podem ser supridas com o auxílio do método da discussão, porque nesta aproveita-se com grande propriedade os conhecimentos e experiências que os alunos já possuem.

A utilização dos conhecimentos existentes como forma de promover a inteligência geral dos indivíduos, abrange um conceito muito moderno de educação, que está presente no método de instrução baseado na discussão, visto que, a partir de suas experiências, os alunos são estimulados a apresentar soluções para os problemas que lhes são apresentados.

Ao integrar discussões em suas aulas expositivas, o professor poderá formular questões instigadoras, elaborar explicações mais detalhadas e avaliar a compreensão de seus alunos, auxiliando-os, de modo personalizado e específico, a superarem suas dificuldades.

Para Marcos Masseto [04], nos tempos atuais, o novo papel do professor não é mais o de mero "transmissor de conhecimentos, função desempenhada até quase os dias de hoje e que está superada pela própria tecnologia existente".

Assim, o papel da moderna educação é dotar os indivíduos de recursos que os permitam construir autonomamente o conhecimento de que necessitam para enfrentar as incertezas e lidar com o imprevisto.

Segundo, Edgar Morin [05], "seria preciso ensinar princípios de estratégia que permitisse enfrentar os imprevistos, o inesperado e a incerteza, e a modificar seu desenvolvimento, em virtude das informações adquiridas ao longo do tempo", arrematando o seu pensamento com a afirmação de que "é preciso aprender a navegar em um oceano de incertezas em meio a umas poucas ilhas de certeza".

Esses objetivos da moderna educação podem ser alcançados com o auxílio do método da discussão, na medida em que o professor, em suas aulas expositivas, pode encorajar seus alunos a explorarem o incerto e o imprevisto por meio de problemas simulados, tornando-os participantes mais ativos de seu aprendizado e auxiliando-os a desenvolver interesses mais facilmente do que no método puramente expositivo.

Ao se valer de técnicas e procedimentos que propiciem o feedback, o professor garante ao aluno maior segurança, passando ambos a ter um controle real sobre o processo de ensino e aprendizagem. No feedback, o professor não somente estimula o aluno para obter um comportamento desejado, como no caso do reforço, mas propicia-lhe a compreensão e visão geral dos resultados. Assim, através de uma atitude de constante reflexão, o aluno pode potencializar os resultados positivos e transformar as dificuldades em condição de aprendizagem significativa.

Na maioria dos casos, tópicos novos e importantes devem ser abordados antes da discussão pela aula expositiva, leituras, filmes ou outros recursos. Deve-se alternar períodos dedicados à exposição para ensino de conteúdos através de períodos de discussão, para avaliação do aprendizado e esclarecimento de dúvidas. Durante os períodos de discussão, o papel adequado do professor é o de facilitador.


5. Conclusões

O método da discussão associado ao método expositivo pode oferecer inúmeras vantagens ao processo aprendizado, sobre o qual reside todo o valor ensino. Os objetivos da moderna educação podem ser alcançados com o auxílio do método da discussão, pois exige do professor mais que a mera transmissão de informações.

A habilidade de ministrar uma aula expositiva eficaz é algo que pode ser aprendido e aprimorado por meio diversas técnicas úteis, que estão ao alcance de qualquer professor interessado em aumentar a eficiência de suas aulas expositivas. Os alunos aprendem mais e melhor quando se tornam partes ativas do processo de aprendizagem, ao invés de meros expectadores passivos da informação.

As técnicas de discussão verbal são úteis para confrontar diferentes pontos de vistas, num clima de harmonia e respeito, permitindo, ainda, o desenvolvimento da competência comunicativa do aluno, que é algo de suma importância, melhorar os resultados em função da vivência prática de um problema simulado e aprender como se pensa a disciplina e exercitar a coerência.


Referências

Masetto, Marcos: Docência na Universidade, Papirus, Campinas, 2003.

Morin, Edgar: Os Sete saberes Necessários à Educação do Futuro, Cortez, Brasília, 2004.

Alves, Rubem: Entre a ciência e a Sapiência – O Dilema da Educação, Loyola, S. Paulo, 2005.

Dimenstein, Gilberto / Alves, Rubem: Fomos Maus Alunos, Papirus, Campinas, 2004.

Argyle, Michel: Comunicação e Dinâmica de Grupo, IBRASA, S. Paulo, 1974.


NOTAS

01 Conf. aula expositiva ministrada na FADISP em 05/04/05.

02 "A lecture is a process by which the notes of the professor become the notes of the students without passing through the minds of either."

03 Morin, Edgar: Os Sete Saberes Necessários à Educação do Futuro, 9ª ed., Brasília/DF, Cortez Editora, 2004, pág. 39.

04 Masetto, Marcos: Docência na Universidade, Papirus, Campinas, 2003, pág. 18.

05 Op. cit., pág. 16.


Autor

  • Alberto Carneiro Marques

    Advogado, Consultor Jurídico, Professor e Palestrante; Especialista e Mestre em Direito; Membro Fundador da APEJUR – Academia de Pesquisas e Estudos Jurídicos; Autor de livros, artigos e pareceres sobre temas relacionados ao Direito Processual Civil, Direito Imobiliário, Crédito Imobiliário, Sistema Financeiro da Habitação e Sistema de Financiamento Imobiliário.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARQUES, Alberto Carneiro. Aprimorando aulas expositivas de Direito com discussões em grupo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1004, 1 abr. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8150. Acesso em: 19 abr. 2024.