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A ilegalidade da Súmula 51 do TJ/SC

A ilegalidade da Súmula 51 do TJ/SC

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A Súmula nº 51 do TJ/SC restringe a gratuidade de justiça, cerceando direitos processuais.

Resumo: O objetivo do presente trabalho é demonstrar a ilegalidade da Súmula nº 51 do TJ/SC, a qual, em oposição às inovações proporcionadas pelo Código de Processo Civil, apregoa uma concepção unitária da gratuidade de justiça, a partir da qual se condensa, de forma irrefletida, o amplo espectro de despesas insurgentes no processo. Sob tal concepção, o Enunciado caracteriza o recolhimento do preparo como ato incompatível com o pedido recursal ao benefício, obstando o conhecimento do recurso e, por conseguinte, cerceando o direito de isonomia processual do litigante que, embora não satisfaça os já ultrapassados critérios de miserabilidade e pobreza, entende-se incapaz em arcar com o amplo leque de despesas processuais supervenientes. A Súmula da Corte catarinense nega, assim, eficácia à sofisticação proporcionada pela legislação processual vigente, a qual, por meio da previsão à concessão seletiva, percentual ou parcelada (§§5º e 6º do art. 98), confere à gratuidade de justiça atributos de delimitação e fracionamento, os quais permitem um melhor regramento do benefício à luz das especificidades do caso concreto.

Palavras-chave: Súmula nº 51 do TJ/SC. Gratuidade de justiça. Custas processuais. Precedentes vinculantes.


INTRODUÇÃO

O já não tão novo Código de Processo Civil (CPC) introduz no ordenamento jurídico brasileiro um sistema de precedentes vinculantes1, por meio do qual o entendimento cristalizado por um órgão colegiado deve ser obrigatoriamente observado pelos magistrados a ele submetidos2.

Embora produza inegáveis reflexos de ordem material, a opção legislativa incorporada pelos arts. 926. e seguintes do CPC versa, como característico das normas essencialmente processuais, sobre a gestão do modus operandi da máquina jurisdicional – escolha de ordem gerencial que reúne entusiastas e opositores. Se, por um lado, o sistema de precedentes vinculantes visa garantir às partes os direitos à segurança jurídica, tratamento isonômico e celeridade processual (PUGLIESE, 2011, pp. 58-69), por outro, as críticas ao modelo centram-se na supressão da autonomia dos Juízes singulares e possível violação à tripartição de Poder (GORAIEB, 2016, pp. 12-14).

Neste último ponto, sem pretensões de desqualificar a benéfica contribuição do modelo ao ordenamento jurídico pátrio, salienta-se que, para além dos eventuais vícios formais de normas emanadas pelo Judiciário, os enunciados vinculantes apresentam problemática intrinsicamente atrelada à atividade judicante – e ainda pouco realçada pela doutrina – qual seja, a de um mesmo instituto jurídico ver-se regido de formas distintas por normas legislativas e por normas insertas em precedentes dotados de força vinculante.

Esta particular reticência quanto ao sistema de precedentes vinculantes introduzido pelo CPC motivou uma análise mais detida quanto à regência do instituto da gratuidade de justiça proposta pela Súmula nº 51 do TJ/SC, publicada pelo respectivo Órgão Especial em 17.04.2019, e à possível ilegalidade do Enunciado por afronta a dispositivos legais consagrados pelo Código de Processo Civil. Confira-se o teor do Enunciado:

Súmula nº 51 TJ/SC: O pedido de justiça gratuita seguido do pagamento do preparo pelo recorrente é considerado ato incompatível com o interesse de recorrer, impossibilitando o conhecimento do recurso no ponto.

À primeira leitura, é fácil constatar o intento da Corte catarinense em privilegiar os princípios da celeridade processual e primazia ao mérito, alçados pelo art. 4º3 ao patamar de normas fundamentais do processo civil. Assim, constatado o recolhimento do preparo, supera-se a análise da preliminar recursal referente à gratuidade de justiça, uma vez que a manifestação de condições financeiras pelo recorrente violaria pressuposto de hipossuficiência essencial à concessão do benefício.

Todavia, ao se delimitar a análise à concepção conferida pelo Enunciado, dotado de força vinculante (art. 927, V4), ao instituto da gratuidade de justiça, despertam-se algumas inquietações. Ao preconizar que o recolhimento do preparo impossibilita o conhecimento e, por conseguinte, a concessão do benefício em sede recursal, verifica-se que a inteligência da Súmula compreende a gratuidade de justiça como um benefício unitário, indivisível, na medida em que a manifestação da capacidade em arcar com apenas um encargo processual autorizaria o julgador a concluir pela suficiência de recursos do recorrente em arcar com as outras inúmeras espécies, típicas e atípicas, de despesas judiciais.

Em contraposição à concepção unitária propagada pela Súmula nº 51 do TJ/SC, os §§5º e 6º do art. 98. prescrevem modalidades intermediárias de concessão do benefício, mais flexíveis às especificidades do caso concreto, possibilitando a alocação seletiva, percentual ou parcelada das despesas processuais. Assim, o Diploma Processual vigente confere à gratuidade de justiça atributos de delimitação e fracionamento:

§ 5º A gratuidade poderá ser concedida em relação a algum ou a todos os atos processuais, ou consistir na redução percentual de despesas processuais que o beneficiário tiver de adiantar no curso do procedimento.

§ 6º Conforme o caso, o juiz poderá conceder direito ao parcelamento de despesas processuais que o beneficiário tiver de adiantar no curso do procedimento.

Para além da oposição entre as concepções propostas pela norma jurisdicional x norma legislativa, a saber, unicidade versus divisibilidade da gratuidade de justiça, uma breve reflexão acerca dos desdobramentos do Enunciado revela indícios de acentuada incoerência.

À luz da Súmula nº 51 do TJ/SC, o recolhimento do preparo, apenas um dos nove encargos exemplificativamente5 listados no art. 98, §1º, afastaria o interesse do recorrente em ver-se albergado das demais despesas processuais supervenientes, inclusive daquelas de maior monta, tais quais as decorrentes de: exames de código genético – DNA (art. 98, §1º, V); dos honorários sucumbenciais e periciais (art. 98, §1º, VI); de custos com memórias contábeis (art. 98, §1º, VII); e de emolumentos cartoriais (art. 98, §1º, IX).

Para além dos evidentes prejuízos ao jurisdicionados, a concepção unitária do benefício propagada pelo Enunciado indica ser igualmente prejudicial ao Estado-Juiz. Logrando êxito em demonstrar a insuficiência de recursos para o depósito requisito da ação rescisória (art. 968, §1º), cujo teto se estende a até 1.000 salários-mínimos, não se faz apropriado concluir pelo direito do beneficiário à isenção, por exemplo, das custas atreladas à eventual interposição de recurso especial, alçadas em aproximadamente 1/5 do salário-mínimo vigente6.

Realçando o cerceamento de direitos e as incoerências proporcionados pelo Enunciado, o propósito do presente trabalho é demonstrar a ilegalidade da Súmula nº 51 do TJ/SC frente à legislação processual em vigor.

Para tal, far-se-á a delineação (i) do contexto e do padrão decisório que levaram à publicação do Enunciado; (ii) dos atributos de delimitação e fracionamento da gratuidade de justiça, consagrados pela previsão legislativa à concessão seletiva, percentual e parcelada do benefício (§§5º e 6º do art. 98); e (iii) das contraposições entre o precedente dotado de força vinculante e a legislação processual em vigor, cuja incompatibilidade importa na premente necessidade de revogação da Súmula nº 51 do TJ/SC.


1. Contexto e fundamentos para aprovação da Súmula nº 51 do TJ/SC

O Enunciado da Súmula nº 51 do TJ/SC replica o teor da Súmula nº 1 do Grupo de Câmaras de Direito Civil da Corte catarinense, aprovado no dia 13.02.20197 e prontamente replicado em julgados daquele Tribunal8. Após dois meses da aprovação pelo órgão fracionário, o Órgão Especial referendou, em 17.04.2019, o Enunciado da Súmula nº 51 da Corte.

Em uma análise restrita aos efeitos propostos pelo Enunciado, qual seja, o não conhecimento do pedido recursal à gratuidade quando constatado o recolhimento do preparo, conclui-se tratar de precedente representativo de uma jurisprudência eminentemente defensiva, esta compreendida como a interpretação extensiva de mecanismos processuais voltada à não apreciação da questão material controvertida9:

teorizando, podemos afirmar que a jurisprudência defensiva está consubstanciada num fenômeno processual pelo qual o tribunal investe em pronunciamento que não abarca a relação de direito material, com o propósito de finalizar o processo sob a justificativa de não haver sido preenchido algum requisito formal que por vez não impediria o justo julgamento da demanda, bem como, a recomposição do ato sem prejuízo para as partes. (BRIZOLA, 2016, p. 16)

Erigida barreira à apreciação fático-jurídica dos requisitos necessários à concessão da gratuidade de justiça em sede recursal, lançam-se duas hipóteses para compreender as razões que conduziram à cristalização de entendimento defensivo pela Corte catarinense: (i) circunstâncias internas, relacionadas ao número de processos, níveis de eficiência e despesas apresentados pelo Tribunal; e/ou (ii) circunstâncias externas, especificamente, a compatibilidade do teor da Súmula ao entendimento consolidado pelos demais Tribunais pátrios.

Sob a perspectiva interna, elegem-se os dados fornecidos pelo Relatório Justiça em Números 2019, elaborado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), como instrumentos para aferir eventual causalidade entre a operabilidade do TJ/SC e a consolidação do Enunciado de jurisprudência defensiva.

Segundo o referido Relatório, o TJ/SC, um tribunal de médio porte, apresenta os seguintes destaques negativos quando comparado aos demais 26 Tribunais Estaduais:

Tabela 1 – Colocação do TJ/SC frente aos demais TJs

Critério de Avaliação

Colocação

Taxa de congestionamento total

IPC-Jus – Produtividade x Insumos (área judiciária)

20º

Casos novos por magistrado

Custo médio mensal por servidores e magistrados

Tempo médio: processos baixados em 1º grau e pendentes

Fonte: CNJ (2019)

Para fins de elucidação das grandezas descritas acima, tem-se que a taxa de congestionamento representa o número de processos sem solução versus processos em trâmite no ano10, sendo subdividida em total, líquida (na qual desconsideram-se processos suspensos, sobrestados ou em arquivo provisório), concernente a processos em fase de conhecimento, e feitos em fase de execução. Por sua vez, o Índice de Produtividade Comparada (IPC-Jus) correlaciona os índices de produtividade do Tribunal versus os respectivos insumos (número de processos, recursos humanos e recursos financeiros)11.

A análise ordinal revela que o TJ/SC apresenta considerável defasagem, em comparação com os respectivos pares, nos níveis de eficiência e produtividade no manejo de processos. Tal defasagem é corroborada pela comparação das taxas apresentadas pelo TJ/SC nos referidos critérios versus a média das taxas apresentadas pelos demais Tribunais Estaduais:

O comparativo de dados demonstra que o TJ/SC, embora empregue 67% a mais de recursos financeiros na manutenção de seu corpo funcional e receba mais processos por magistrado quando comparado a seus pares, apresenta níveis de produtividade muito aquém da média nacional, figurando na 20ª colocação dentre os 27 Tribunais Estaduais do país.

Nesse esteio, os altos índices de paralisação dos processos mostram-se particularmente preocupantes, notadamente quando a Corte catarinense lidera as taxas de congestionamento referentes tanto aos processos em fase de conhecimento quanto em execução12.

As circunstâncias internas às quais o TJ/SC encontra-se submetido favorecem, portanto, a consolidação e publicação de precedentes vinculantes imiscuídos de uma jurisprudência defensiva13, na medida em que a superposição de óbices processuais propicia a extinção dos processos em trâmite e, por conseguinte, reduz as taxas comparativas de processos pendentes e/ou paralisados.

Assim, não se pode desconsiderar o cenário de baixa eficiência processual enfrentado pela Corte catarinense quando da prolação da Súmula nº 51. Tal cenário, todavia, exerce mais um papel de contextualização que de efetiva compreensão das razões que conduziram à aprovação do Enunciado, uma vez que, embora a hipótese ora delineada explique a inclinação da Corte à formação de uma jurisprudência defensiva, não se pode estabelecer uma relação causal necessária entre os índices apontados e a restrição processual imposta especificamente ao pleito à gratuidade de justiça em sede recursal.

Portanto, a integral compreensão do processo de aprovação do Enunciado demanda, também, uma análise do posicionamento jurisprudencial externo acerca da matéria. Conquanto nenhum outro Tribunal tenha sinalizado a formulação de Enunciado semelhante à Súmula nº 51 do TJ/SC, constata-se relativa estabilidade no entendimento, seja no âmbito federal, seja no âmbito estadual, de que o recolhimento do preparo pelo recorrente obstaria o conhecimento do pedido à gratuidade de justiça14:

APELAÇÃO CÍVEL - JUSTIÇA GRATUITA - RECOLHIMENTO DE PREPARO - PRECLUSÃO LÓGICA - AÇÃO DE COBRANÇA - SUSPENSÃO - PENDÊNCIA DE AÇÃO REVISIONAL - SÚMULA 380 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. 1. O recolhimento das custas é ato incompatível com o pedido de justiça gratuita, já que se contrapõe à alegação de ausência de condições para arcar com as despesas processuais. (...)

(TJ-MG - AC: 10701150259995001 MG, Relator: Maurílio Gabriel, Data de Julgamento: 14/03/2019, Data de Publicação: 22/03/2019)

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. PEDIDO DE JUSTIÇA GRATUITA. RECOLHIMENTO DO PREPARO. PRECLUSÃO LÓGICA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. APRECIAÇÃO EQUITATIVA. REDUÇÃO. CABIMENTO. CRITÉRIOS DO ART. 85, § 8º, DO CPC/2015. 1. O pagamento do preparo do recurso implica em preclusão lógica quanto ao pedido de gratuidade de justiça, visto que o recolhimento das custas recursais configura ato incompatível com o próprio requerimento do benefício da assistência judiciária gratuita pleiteado em sede recursal. (...)

(TJ-DF 07393152920178070001 DF 0739315-29.2017.8.07.0001, Relator: ANA CANTARINO, Data de Julgamento: 22/08/2018, 8ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE : 28/08/2018 . Pág.: Sem Página Cadastrada.)

APELAÇÃO. JUSTIÇA GRATUITA. RECOLHIMENTO DO PREPARO. PRECLUSÃO LÓGICA. AÇÃO REIVINDICATÓRIA. COMPROVAÇÃO EFETIVA DA PROPRIEDADE. INDIVIDUALIZAÇÃO DO IMÓVEL E POSSE INJUSTA. PEDIDO REIVINDICATÓRIO PROCEDENTE. SENTENÇA MANTIDA. PLEITO POR INDENIZAÇÃO DE BENFEITORIAS NÃO APRESENTADOS NA INSTÂNCIA ORIGINÁRIA. INOVAÇÃO RECURSAL. NÃO CONHECIMENTO. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NA PARTE CONHECIDA IMPROVIDO. DECISÃO UNÂNIME. 1. - Deve ser indeferido o pedido de justiça gratuita formulado, isto porque os apelantes procederam ao recolhimento do preparo do vertente recurso (evento 69, CUSTAS2), fato que se entremostra logicamente contraditório com o pedido de concessão dos benefícios da justiça gratuita, eis que, por injunção lógica, tem-se por demonstrada a sua capacidade econômico-financeira para arcar com as custas e despesas processuais desnaturando o pedido. (...)

(TJ-TO - APL: 00195580420188270000, Relator: JACQUELINE ADORNO DE LA CRUZ BARBOSA)

PROCESSO CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO DO PREPARO PARA O JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE DA APELAÇÃO. PEDIDO DE GRATUIDADE NÃO APRECIADO. POSTERIOR RECOLHIMENTO DO PREPARO. PRECLUSÃO LÓGICA. NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO. (...)

4. Ainda que se confira ao provimento impugnado cunho decisório, é de se reconhecer que houve a preclusão lógica para o Agravante, uma vez que o preparo foi recolhido, prosseguindo o feito principal. O pagamento do preparo é ato que revela-se incompatível com a vontade de recorrer do suposto indeferimento do benefício da gratuidade de justiça, o que faz desaparecer o interesse processual no recurso, impedindo o seu conhecimento por ausência de um de seu pressupostos processuais. Precedente: TRF 2ª Região, AG 200551010117590, Rel. Des. Fed. Lana Regueira, 4ª T. Esp., DJ 28/05/2010. 5. - Recurso não conhecido.

(TRF-2 - AG: 201202010188561, Relator: Desembargador Federal MARCUS ABRAHAM, Data de Julgamento: 15/07/2014, QUINTA TURMA ESPECIALIZADA, Data de Publicação: 29/07/2014)

PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. AUSÊNCIA DE VÍCIO NO JULGADO. EMBARGOS REJEITADOS. (...)

O recolhimento das custas processuais é ato incompatível com o pedido de concessão do benefício da gratuidade judicial. (...)

(TRF-3 - AI: 00077394320164030000 SP, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL NELTON DOS SANTOS, Data de Julgamento: 21/06/2017, TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: e-DJF3 Judicial 1 DATA:30/06/2017)

O referido entendimento é chancelado, inclusive, pelo próprio Superior Tribunal de Justiça (STJ)15, cuja missão de uniformizar a interpretação da legislação federal fixa as balizas da jurisprudência nacional:

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. RECURSO MANEJADO SOB A ÉGIDE DO CPC/73. BANCÁRIO. AÇÃO MONITÓRIA APARELHADA EM CHEQUE PRESCRITO. CONVERSÃO EM EXECUÇÃO DE TÍTULO JUDICIAL. PEDIDO DE CONCESSÃO DE BENEFÍCIO DE GRATUIDADE DE JUSTIÇA FORMULADO NA APELAÇÃO CONCOMITANTE COM RECOLHIMENTO DO PREPARO. INCOMPATIBILIDADE. PRECLUSÃO LÓGICA. ACÓRDÃO EM CONSONÂNCIA COM ENTENDIMENTO DO STJ. RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO. (...) Efetivamente, esta Corte Superior de Justiça possui entendimento no sentido de que, ao realizar o preparo prévio do recurso, a parte pratica ato incompatível com o seu pedido de assistência judiciária gratuita, o que configura preclusão lógica, além de que o recolhimento do respectivo preparo denota a possibilidade econômica da parte em arcar com os custos do processo.

(STJ - REsp: 1610939 DF 2016/0156032-4, Relator: Ministro MOURA RIBEIRO, Data de Publicação: DJ 28/03/2017)

Note-se, por fim, que a inteligência atrelada à Súmula nº 51 do TJ/SC extrapola o âmbito jurisprudencial, sendo, inclusive, replicada em manuais de Direito:

Caso o recorrente realize o preparo prévio, haverá preclusão lógica [do recurso interposto contra o indeferimento do pedido de justiça gratuita], porquanto tal ato, segundo o entendimento do STJ, é incompatível com a vontade de obter o benefício. (DONIZETTI, 2017, p. 181).

Assim, mais do que a conveniência interna de se fixar uma orientação eminentemente defensiva, constata-se que o consenso dos Tribunais pátrios acerca da matéria igualmente contribuiu ao referendo do Órgão Especial à Súmula nº 51 do TJ/SC, porquanto propiciara robusto arcabouço jurisprudencial externo conivente à cristalização da concepção unitária da justiça gratuita em texto de súmula.

A formação das normas jurisprudenciais carece, todavia, do imediatismo que pode ser encontrado em algumas normas legislativas, nas quais a súbita potencialização de um posicionamento pode dar à luz um texto normativo. No processo de formação daquelas, em especial, das súmulas, há a sedimentação de decisões que, uma vez consolidadas16, resultam na cristalização de uma tese jurídica referente ao entendimento do Tribunal acerca de determinada matéria:

Assim, a súmula é o enunciado normativo (texto) da ratio decidendi (norma geral) de uma jurisprudência dominante, que é a reiteração de um precedente. (...) [A súmula] não é uma decisão que constitui um precedente, mas, sim, um texto conciso criado pelo tribunal, com o propósito de enunciar o entendimento que ali prevalece. (DIDIER; BRAGA; OLIVERA, 2016, pp. 500-502).

Nesse aspecto, o processo formal que antecedeu o referendo à Súmula nº 51 do TJ/SC é irretocável. Em observância ao art. 926, caput e §1º, editou-se Enunciado que, de fato, reflete a jurisprudência dominante na Corte catarinense. Assim, a contraposição ao conteúdo da Súmula demanda uma precisa delineação dos fundamentos jurídicos que, pouco a pouco, levaram o Tribunal a propagar o entendimento de que o recolhimento do preparo impossibilita o conhecimento do pedido recursal à gratuidade de justiça.

Em atenção à necessidade de contextualização do padrão decisório que conduziu à formação do precedente vinculante (art. 966, §5º)17, o TJ/SC disponibiliza na rede mundial de computadores vinte e quatro arestos do Tribunal que antecederam o referendo ao Enunciado da Súmula nº 5118. A análise dos argumentos jurídicos estampados nos referidos precedentes é esquematizada no gráfico abaixo e individualmente delineada na Tabela 2 (Anexo).

Conforme se extrai da Tabela 2, a estrutura argumentativa predecessora da Súmula nº 51 do TJ/SC subdivide-se em dois grupos principais, diferenciados pela indicação: (i) apenas do argumento de incompatibilidade; e (ii) deste argumento, associado à materialização de renúncia tácita ao benefício19.

Para fins de especificação das fundamentações supramencionadas, transcreve-se arestos representativos de cada grupo argumentativo:

Ato incompatível. AGRAVO INTERNO. DECISÃO QUE INDEFERIU O PEDIDO DE CONCESSÃO DO BENEFÍCIO DA JUSTIÇA GRATUITA COM EFEITOS EX NUNC. PAGAMENTO DAS CUSTAS PROCESSUAIS E DO PREPARO RECURSAL PELO AGRAVANTE. ATO INCOMPATÍVEL COM O PEDIDO FORMULADO. PRECLUSÃO LÓGICA. PRECEDENTES DESTA CORTE. (...)

"O recorrente que, em apelação cível, pleiteia a gratuidade da justiça, mas, ao mesmo tempo, quita o preparo, pratica ato incompatível com o pedido manifestado, ensejando o reconhecimento da preclusão lógica"(...)

(TJ-SC - AGV: 00027270720108240011 Brusque 0002727-07.2010.8.24.0011, Relator: Marcus Tulio Sartorato, Data de Julgamento: 31/10/2017, Terceira Câmara de Direito Civil)

Trecho do voto relator:

O recolhimento das custas processuais pelo apelante ocasionou-lhe a perda da faculdade processual de impugnar a decisão de indeferimento do benefício da justiça gratuita, pois esse ato é logicamente incompatível (preclusão lógica) com o pedido de concessão do benefício da gratuidade judiciária.

Ato incompatível associado à renúncia tácita. (...) 1. REQUERIMENTO DE JUSTIÇA GRATUITA. PAGAMENTO DO PREPARO. PRÁTICA DE ATO INCOMPATÍVEL COM A PRETENSÃO RECURSAL. PEDIDO PREJUDICADO. (...)

(TJ-SC - AC: 00362603620118240038 Joinville 0036260-36.2011.8.24.0038, Relator: Raulino Jacó Brüning, Data de Julgamento: 12/07/2018, Primeira Câmara de Direito Civil)

Trecho do voto relator:

1.1. Da justiça gratuita

Ab initio, importa dizer que o pedido de gratuidade judiciária formulado pelos recorrentes encontra-se prejudicado, pois eles efetuaram o pagamento do preparo recursal.

Aplica-se ao caso, analogicamente, o disposto no artigo 1.000 do Código de Processo Civil de 2015 (semelhante ao antigo artigo 503), leia-se:

Art. 1.000. A parte, que aceitar expressa ou tacitamente a decisão, não poderá recorrer.

Parágrafo único. Considera-se aceitação tácita a prática, sem reserva alguma, de um ato incompatível com a vontade de recorrer.

(...)

Por conseguinte, tendo em vista que os apelantes praticaram ato incompatível com o pedido de justiça gratuita, não se conhece do referido pleito.

Assim, a tese de incompatibilidade entre o ato de recolhimento do preparo e o pedido recursal à gratuidade é precipuamente alicerçada no instituto da preclusão lógica. Por sua vez, a alegação de renúncia tácita, complementar à tese de incompatibilidade, encontra amparo normativo no art. 1.000, parágrafo único, do CPC.

Delineado o suporte argumentativo que conduziu ao referendo da Súmula nº 51 do TJ/SC, a demonstração da ilegalidade do Enunciado perpassa, precisamente, a exposição das razões pelas quais o recolhimento do preparo não constitui ato incompatível com o pedido recursal do benefício, tampouco caracteriza a renúncia tácita do recorrente. Para esse fim, faz-se necessária uma prévia análise dos atributos da gratuidade de justiça consagrados pelos §§5º e 6º do art. 98. do CPC que conduzem a tal conclusão.


2. As hipóteses de concessão seletiva, percentual ou parcelada do benefício da gratuidade de justiça

2.1. Histórico e possíveis causas

A Súmula nº 51 do TJ/SC incorpora uma concepção unitária do benefício da gratuidade de justiça, segundo a qual o custeio de apenas uma despesa processual, ainda que ínfima, anularia o interesse recursal da parte em ver-se albergada pelo benefício nos gastos posteriormente exigíveis.

A inteligência do Enunciado se contrapõe, assim, a hipótese de concessão parcial do benefício, aplicável quando as condições financeiras da parte, por um lado, impossibilitem o custeio integral das despesas judiciais e, por outro, não justifiquem a extensão da isenção à totalidade dos gastos processuais. Trata-se de hipótese que, embora consagrada pelo CPC, já encontrava respaldo na derrogada Lei nº 1.060/50.

Ressalvadas algumas disposições esparsas e de menor expressividade20, o benefício da gratuidade de justiça não fora objeto de maior delineação pelo CPC/73, de modo que cabia primordialmente à Lei nº 1.060/50 a regência do tema em âmbito nacional. Sob a vigência do referido Diploma, doutrina e jurisprudência voltavam-se ao art. 13. para fundamentar a possibilidade de concessão percentual do benefício da justiça gratuita: “Se o assistido puder atender, em parte, as despesas do processo, o Juiz mandará pagar as custas que serão rateadas entre os que tiverem direito ao seu recebimento”.

Não obstante a truncada redação do dispositivo, ganhou solidez o entendimento doutrinário segundo o qual, uma vez constatadas (i) a insuficiência de recursos para o adimplemento integral das despesas judiciais; (ii) e, ao mesmo tempo, a possibilidade de custeio de uma fração das referidas despesas, o art. 13. da Lei nº 1.060/50 possibilitaria ao magistrado o deferimento do benefício mediante a concessão de desconto percentual à parte:

Uma vez concedido o benefício, a regra é que o beneficiário alcança in totum as benesses da assistência judiciária; contudo, se há possibilidade dele arcar com parte dos custos, em qualquer momento da relação jurídica de direito processual, pode o juiz determinar que ele suporte parcela fixa ou variável daqueles. (...) Então, o benefício pode ser concedido em parte, como, por exemplo, cabe ao beneficiário arcar com 30% das despesas judiciais. (CAMPO, 2002, p. 77) 21

Uma vez consolidado o aprimoramento do dispositivo legal pela doutrina, a concessão percentual do benefício da justiça gratuita passou a ser chancelada pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça22:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. CONCESSÃO DE ISENÇÃO PARCIAL DO PAGAMENTO DE DESPESAS PROCESSUAIS (LEI Nº 1.060/50). POSSIBILIDADE. 1. O Judiciário pode conferir apenas em parte o benefício de assistência judiciária, desde que vislumbrada certa possibilidade de se arcar com as despesas processuais. 2. Agravo improvido.

(STJ - AgRg no Ag: 632839 MG 2004/0140886-1, Relator: Ministro HÉLIO QUAGLIA BARBOSA, Data de Julgamento: 28/03/2006, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJ 15/05/2006 p. 312)

Pacificada no âmbito jurisprudencial e doutrinário a possibilidade de flexibilização do benefício às especificidades do caso concreto, coube ao CPC aperfeiçoar o tema no âmbito legal. Dentre os entendimentos positivados pelo Código, figuram os §§5º e 6º do art. 98, nos quais, superando-se as ambiguidades que circundavam o art. 13. da Lei nº 1.060/50, previu-se expressamente as hipóteses de concessão seletiva, percentual ou parcelada da gratuidade de justiça:

§ 5º A gratuidade poderá ser concedida em relação a algum ou a todos os atos processuais, ou consistir na redução percentual de despesas processuais que o beneficiário tiver de adiantar no curso do procedimento.

§ 6º Conforme o caso, o juiz poderá conceder direito ao parcelamento de despesas processuais que o beneficiário tiver de adiantar no curso do procedimento.

Em prol da clareza dos conceitos empregados, compreende-se como concessão seletiva a delimitação do benefício a uma ou algumas das espécies típicas e atípicas23 de despesas processuais. Por sua vez, as modalidades de concessão percentual e parcelada concernem, respectivamente, à possibilidade do beneficiário custear tão somente uma porcentagem das despesas processuais ou adimpli-las de forma parcelada.

Embora não se possa atribuir ineditismo ao CPC na pacificação da possibilidade de concessão percentual do benefício (DIDIER; OLIVEIRA, 2016, p. 53)24, há de se apontar a originalidade do Diploma Processual em ampliar os instrumentos de dosagem da hipossuficiência financeira das partes, alçando ao patamar legal, de forma inovadora, a possibilidade de concessão seletiva ou parcelada do benefício (art. 98, §§5º e 6º).

Mais do que consagrar a hipótese de concessão parcial 25 , os §§5º e 6º do art. 98. são responsáveis por conferir, no âmbito legal, atributos de delimitação (concessão seletiva) e fracionamento (isenção percentual ou parcelada) à gratuidade de justiça, rompendo-se, em definitivo, com um modelo binário de irrefletido deferimento ou indeferimento integral do benefício.

Ao proporcionar ampla gradação e, por conseguinte, melhor adequação do custeio das despesas processuais às condições financeiras das partes, a efetiva adoção da tríade de instrumentos disponibilizada pelos §§5º e 6º do art. 98. demonstra-se benéfica tanto ao Estado-Juiz quanto às partes litigantes.

Sob a perspectiva estatal, embora o papel desempenhado pelo Poder Judiciário seja digno de reconhecimento e apreço, o constante e vertiginoso aumento no número de processos entre os anos de 2009 e 2017 (CNJ, 2019, p. 79)26 alerta para a premente necessidade de readequação dos custos atrelados à máquina jurisdicional. Apenas em 2018, o Judiciário brasileiro dispendeu um total de R$ 93.725.289.276,00 montante equivalente a 1,4% do Produto Interno Bruto registrado no mesmo ano (CNJ, 2019, pp. 84-86).

Para fins comparativos, constata-se que o dispêndio anual com a manutenção do Poder Judiciário supera, em muito, o volume de recursos destinados a pautas prioritárias da agenda pública, tais como saneamento básico e infraestrutura27:

O impasse quanto ao alto custo do Judiciário nacional, na iminência de atingir a ordem da centena de bilhão, adquire contornos dramáticos quando constatado que 90,8% desses gastos encontram-se engessados em folhas de pagamento de pessoal, devendo as estratégias de curto prazo voltadas à sustentabilidade da jurisdição centrar-se nos R$ 8,6 bilhões restantes, verba sujeita à efetiva gestão.

Figura 1 – Alocação orçamentária do Poder Judiciário

Fonte: CNJ, 2019.

Repensar a forma de provimento jurisdicional não é, portanto, uma opção normativa incompatível com o princípio constitucional de acesso à justiça, mas uma necessidade orçamentária que torna sustentável a efetiva materialização de tal princípio.

Nesse cenário, a desoneração seletiva, percentual ou parcelada do Estado no custeio das despesas processuais reclama maior atenção da prática forense. O Centro Nacional de Inteligência da Justiça Federal (CNIJF) alerta que “Pouco se debateu, até o momento, sobre a possibilidade da concessão de gratuidade limitada, à luz das disposições do novo CPC. A tendência se manteve a mesma que já era adotada sob a égide do CPC de 1973.” (CNIJF, 2019, p.18). O Órgão se mobiliza em estudos voltados a minimizar os gastos suportados pela Justiça Federal que, somente no ano de 2017, dispendeu R$ 170.418.280,45 no custeio de perícias judiciais (CNIJF, 2018, p. 3). Diante de tal cenário, potencialmente abrandável pela efetiva implementação da tríade de instrumentos prevista nos §§5º e 6º do art. 98, recomenda-se:

Algumas medidas paliativas podem ser implementadas com vistas a reduzir os impactos da concessão da gratuidade judiciária. São elas, entre outras: (i) concessão parcial da gratuidade, quando for o caso; (ii) pagamento de parte das despesas com perícia pelo beneficiário (ou pagamento da segunda ou terceira perícias) (...) (CNIJF, 2019, pp. 28-29)

Na conjuntura do Judiciário nacional, o Relatório Justiça em Números consigna o deferimento da assistência judiciária gratuita (AJG) em 34% dos processos em curso (CNJ, 2019, p. 84), ressalvadas as ações penais, o que corresponde a uma despesa anual de, aproximadamente, um bilhão de reais – montante equivalente a 11% do orçamento do Judiciário não afetado à folha de pagamento (R$ 8,6 bilhões).

Aqui impende um apontamento: embora a doutrina distinga a AJG e o benefício da gratuidade de justiça, sendo a primeira compreendia como o direito à representação processual gratuita por profissional de direito e a última como a isenção ao pronto custeio das despesas judiciais28, o Relatório elaborado pelo CNJ não delineia os gastos que adviriam especificamente do benefício da gratuidade de justiça, o qual, evidentemente, pode ser concedido à parte que goze ou não da AJG. Sem pretensões de acuidade estatística, a qual não constitui o objeto deste estudo, assume-se, em uma valoração otimista de dados, que o supramencionado gasto anual de um bilhão de reais englobe o total das despesas judiciais arcadas pelo Estado na concessão do benefício da gratuidade: (i) àqueles contemplados pela AJG, não sendo a gratuidade judicial consequência necessária, embora usual, de tal contemplação; e (ii) àqueles patrocinados por advogados particulares e que, em não poucos casos, igualmente são albergados pela isenção de despesas judiciais (art. 99, §4º). Face às aproximações aqui adotadas, é possível que o custo ao Estado decorrente da gratuidade de justiça seja ainda maior, especialmente quando constatado que 14 dos 27 Tribunais de Justiça Estaduais não possuem dados fidedignos quanto aos gastos atrelados à AJG29. Faz-se imprescindível, em prol do responsável regramento dos institutos processuais de assistência, o pronto processamento de tais dados por uma coleta sistematizada.

Por outro lado, a concessão genérica e irrefletida do benefício da gratuidade demonstra-se igualmente prejudicial ao jurisdicionado, porquanto reduz as singularidades do caso concreto a uma classificação binária: o requerente do benefício é considerado apto ou inapto ao custeio integral do processo:

A análise do requerimento do benefício deixa de ser feita com base no tudo ou nada, oito ou oitenta. Com isso, muitos pedidos que outrora eram feitos e rejeitados, sob o fundamento de que o requerente não era tão pobre assim, poderão agora ser reavaliados. A modulação ganha importância exatamente aí: nas situações limítrofes, em que o requerente não é tão evidentemente pobre, mas tampouco é notoriamente abastado. Em situações tais, o pensamento do tudo ou nada fatalmente causaria um prejuízo a alguém. Com a possibilidade, agora expressa, de concessão de um benefício alternativo, o julgador pode viabilizar uma solução para aquele caso em que o requerente tem, ao menos, condições de antecipar urna parte do pagamento, ou o pagamento da maioria dos atos processuais, ou ainda o pagamento parcelado. (DIDER; OLIVEIRA, 2016, p. 54)

Note-se que a evolução no regramento do benefício indica a superação legislativa dos paradigmas de pobreza e necessidade então vigentes sob a Lei nº 1.060/50 (arts. 2º, parágrafo único e 4º, §1º30), os quais foram sucedidos pela consagração do critério de “insuficiência de recursos” como requisito à concessão do benefício da gratuidade (art. 5º, LXXIV, da CF e art. 98, caput, do CPC). A evolução do ordenamento jurídico repudia, assim, a análise binária calcada em um modelo de “tudo ou nada”, na qual a concessão do benefício inclina-se a perquirir uma comprovação de miserabilidade do requerente.

É possível que uma pessoa natural, mesmo com boa renda mensal, seja merecedora do benefício, e que também o seja aquele sujeito que é proprietário de bens imóveis, mas não dispõe de liquidez. (...) Por isso mesmo, nem sempre o beneficiário será alguém em situação de necessidade, de vulnerabilidade, de miséria, de penúria – sobretudo agora, com a possibilidade expressa de modulação do benefício. (DIDIER; OLIVEIRA, 2016, pp. 60-61).

Negar efetividade aos instrumentos de gradação previstos nos §§5º e 6º do art. 98. implica, portanto, grave deficiência de prestação jurisdicional, seja sob a constatação fática de inadequação à pluralidade de situações observáveis em casos concretos, seja sob o argumento estritamente jurídico, porquanto superado, há muito, o paradigma de condicionamento do benefício à miserabilidade do beneficiário.

2.2. Novo paradigma de provimentos jurisdicionais aplicáveis ao pedido de concessão da gratuidade de justiça

Embora notáveis, a consagração, no âmbito legal, das hipóteses de concessão seletiva, percentual e parcelada da gratuidade de justiça e a positivação dos respectivos atributos de delimitação e fracionamento não encerram as contribuições dos §§5º e 6º do art. 98. à sofisticação da gratuidade de justiça no Direito Processual brasileiro. Isto porque, mais do que a mera enunciação legislativa da tríade de instrumentos gradativos, os dispositivos buscam uma alteração paradigmática dos provimentos jurisdicionais aplicáveis ao pedido de concessão do benefício.

Prima facie, deve-se compreender que, em geral, os pedidos submetidos à apreciação judicial comportam três hipóteses de provimentos jurisdicionais (art. 490): (i) acolhimento integral; (ii) rejeição integral; ou (iii) acolhimento parcial – sendo esta última restrita aos pedidos passíveis de fracionamento, nos quais cabe ao magistrado negar provimento à fração à qual a parte carece de direito31.

Assim, nos pedidos insuscetíveis de fracionamento, tal qual a entrega de coisa indivisível, a atuação do magistrado é, a princípio32, restrita às hipóteses de acolhimento ou rejeição integrais. Noutro giro, os pedidos fracionáveis, referentes, por exemplo, às obrigações pecuniárias ou de fazer concernentes a objetos divisíveis, conferem ao magistrado uma terceira hipótese, qual seja, o acolhimento parcial do pedido.

Sendo a gratuidade de justiça legalmente dotada dos atributos de delimitação (seletividade) e fracionamento (isenção percentual ou parcelada), não há dúvida quanto ao pertencimento do benefício a este último grupo.

Nesse sentido, ao ditar que a gratuidade poderá ser concedida parcialmente, o legislador não confere ao magistrado uma faculdade, mas insere no âmbito da apreciação judicial uma terceira hipótese que, acaso aplicável às especificidades financeiras do caso concreto (capacidade da parte versus despesas a serem custeadas), deverá ser concedida à parte parcialmente hipossuficiente, sob risco de negativa do direito constitucional de assistência do Estado aos desprovidos de suficiência de recursos (art. 5º, LXXIV, da CF).

Assim, o provimento jurisdicional que, ao verificar a hipossuficiência parcial de recursos pelo jurisdicionado, indefere integralmente o benefício da gratuidade de justiça, demonstra-se tão equivocado quanto a decisão que, ao reconhecer tão somente parcela da soma pleiteada pelo autor, indefere integralmente o pedido deduzido em juízo.

Ao formular o pedido à gratuidade de justiça, o requerente pugna pela concessão de isenção a todo o espectro de despesas, típicas e atípicas, insurgentes no curso do processo33. Incumbe ao magistrado, então, um exercício de ponderação entre a capacidade financeira demonstrada pela parte versus as despesas processuais a serem custeadas para, somente após essa análise, verificar a aplicabilidade das seguintes hipóteses de provimento jurisdicional: (i) acolhimento integral, lastreada na miserabilidade da parte; (ii) rejeição integral do pedido, em razão da suficiência financeira do requerente frente aos gastos da demanda; ou (iii) acolhimento parcial, aplicável aos casos intermediários nos quais as condições financeiras da parte não caracterizem hipossuficiência absoluta, tampouco impossibilitem o custeio integral do processo.

Desse modo, o novo CPC melhor regula a situação de impossibilidade relativa de pagamento das despesas. Fossem os gastos, no caso concreto, de apenas algumas centenas de reais, para um litigante de classe média-alta não haveria óbice ao acesso à justiça; entretanto, quando tais despesas podem entrar na casa das dezenas de milhares de reais, é improvável que, à exceção dos mais abonados do extremo ápice da pirâmide social, a parte tenha condições de adiantar as custas incidentes sobre o feito. Negar-lhes o benefício, nesse caso, seria uma afronta ao direito de acesso à justiça; mas, por outro lado, a gratuidade completa também não soa adequada. Mostrou-se bastante oportuna, portanto, a afirmação expressa da possibilidade de concessão de gratuidade parcial, trazida pelo CPC/2015, cabendo ao magistrado, caso a caso, determinar a proporção do benefício a ser concedido ao requerente. (MARCACINI; MARTINS, 2016, p. 39).

Diante deste último cenário, incumbe ao magistrado eleger os instrumentos gradativos que melhor se adequem ao caso, mediante a concessão de um desconto percentual ao requerente, a dilatação do recolhimento das custas em parcelas ou, se o caso, a delimitação de isenção a apenas um segmento das despesas processuais. Pode o Juiz, inclusive, optar pela aplicação cumulativa das modalidades intermediárias do benefício:

Embora o NCPC não contemple a hipótese de maneira explícita, plenamente possível, a meu ver, a combinação de todas as três benesses referidas, vale dizer, a concessão de redução percentual da despesa de um só ato processual, mediante pagamento parcelado. (SILVA, 2015, p. 306).

Portanto, a inauguração de uma terceira via de provimento do benefício retira do magistrado, quando interpelado por parte parcialmente hipossuficiente, a faculdade de sopesar a aplicabilidade de concessão parcial do benefício, cuja análise torna-se compulsória, seja por melhor se coadunar ao princípio de fundamentação das decisões (art. 11), seja por proporcionar melhor alocação dos custos processuais entre as partes e o Estado-Juiz.

Preserva-se, assim, o direito de acesso à justiça em igualdade de condições, o qual, para além da estatura constitucional (art. 5º, LXXIV), é refletido pelo CPC no dever do magistrado em assegurar às partes igualdade de tratamento (art. 139, §1º) e na norma fundamental do processo civil à paridade de armas, expressamente estendida aos ônus processuais e aos meios de defesa:

Art. 7º É assegurada às partes paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa, aos ônus, aos deveres e à aplicação de sanções processuais, competindo ao juiz zelar pelo efetivo contraditório.

Sem prejuízo da necessária ressignificação forense quanto à análise dos pedidos à gratuidade de justiça, tem-se que o posicionamento de sequer considerar as condições financeiras apresentadas pela parte, por amparo exclusivo em prévio custeio de algum encargo processual, é eivado de patente incoerência.

Conquanto a impossibilidade de arcar com as custas judiciais ordinárias (art. 98, §1º, I e VIII) redunde na impossibilidade de arcar com diligências de maior monta (art. 98, §1º, V, VI, VII e IX), tem-se que o contrário não necessariamente seja verdade34. É dizer: não se pode pressupor que a possibilidade financeira do litigante em arcar com as custas inicias e recursais implique na aptidão ao custeio das diligências probatórias (tradução juramentada, exame pericial) e executivas (avaliação, averbação, memória de cálculo) igualmente inerentes ao processo.

Assim, é um engano pressupor que o recolhimento do preparo, apenas uma das inúmeras espécies típicas e atípicas de despesas processuais, anule o interesse recursal em rediscutir a incidência seletiva, percentual ou parcelada do benefício aos demais encargos que o recorrente entende ser incapaz de custear. Em tal salto conclusivo, reside a ilegal concepção da gratuidade de justiça incorporada pelo Enunciado da Súmula nº 51 do TJ/SC.


3. A Ilegalidade da Súmula nº 51 do TJ/SC

“O pedido de justiça gratuita seguido do pagamento do preparo pelo recorrente é considerado ato incompatível com o interesse de recorrer, impossibilitando o conhecimento do recurso no ponto”. Findas as necessárias considerações, no primeiro capítulo, acerca do contexto e fundamentos que embasaram a orientação proposta na Súmula nº 51 do TJ/SC e, no segundo capítulo, o relato das positivas contribuições do CPC ao regramento e à ressignificação das hipóteses de concessão do benefício, avança-se à demonstração da ilegalidade do Enunciado, a partir do diagnóstico de insubsistência dos fundamentos jurídicos que o amparam, bem como das incoerências que dele resultam.

O exame dos precedentes que antecederam à cristalização da Súmula (Tabela 2) identificou dois eixos argumentativos centrais, a saber, (i) a tese de incompatibilidade entre o recolhimento do preparo e o pedido recursal à gratuidade, precipuamente alicerçada no instituto da preclusão lógica; e (ii) a alegação de renúncia tácita, complementar à tese de incompatibilidade, lastreada no art. 1.000, parágrafo único. Ambos os argumentos, todavia, sucumbem frente às inovações no regramento do benefício proporcionadas pelo CPC.

A preclusão lógica é instituto que obsta a prática de um ato incompatível com outro previamente adotado no processo (ROCHA, 2010, p. 82). Logo, classificar o recolhimento do preparo como ato incompatível com o pedido de concessão da gratuidade de justiça, por pressupor uma oposição diametral entre ambos os atos, realça o apego a uma ultrapassada concepção unitária do benefício, refletindo a incompatibilidade do Enunciado aos atributos de delimitação e fracionamento instituídos pelos §§5º e 6º do art. 98.

Note-se que, recolhido o depósito recursal, a única incompatibilidade processual oponível ao recorrente reside no pedido de isenção às custas do próprio recurso interposto (art. 98, §1º, VIII). Uma vez que, interposto o recurso, o recorrente permanece sujeito ao pagamento (i) integral e (ii) imediato de (iii) todas as demais espécies típicas e atípicas de despesas judiciais, a apreciação pelo órgão colegiado no sentido de concessão (i) percentual, (ii) parcelada ou (iii) seletiva do benefício demonstra-se inequivocamente útil ao recorrente35, não havendo de se falar em não conhecimento da matéria por falta de interesse recursal.

Pelas mesmas razões, tem-se por inaplicável a tese de irrestrita aceitação tácita (art. 1.00036) em desfavor do recorrente que se insurge contra o indeferimento do benefício da gratuidade de justiça e, ao mesmo tempo, promove o recolhimento do preparo recursal37. Em tal cenário, a aceitação tácita deve circunscrever-se à anuência da parte em arcar especificamente com as cutas do recurso interposto, em nada maculando seu interesse recursal em ver-se albergada pela concessão seletiva, percentual ou parcelada das demais espécies de despesas processuais. Ademais, convém salientar que a aceitação tácita é legalmente condicionada a “prática, sem nenhuma reserva, de ato incompatível com a vontade de recorrer.” (art. 1.000, parágrafo único), hipótese não verificada, por óbvio, quando o recorrente expressamente impugna a decisão que indeferiu o benefício.

Pontua-se, ainda, que a tese de preclusão lógica tampouco encontra amparo no art. 99, §7º38, uma vez que, embora prevista a prerrogativa de dispensa do preparo no pedido recursal à gratuidade de justiça, a opção do recorrente pela não utilização de tal prerrogativa, seja em prol da garantia de celeridade na apreciação do recurso39, seja por compreender que o depósito recursal não figura entre as espécies de despesa a que se busca isenção, não deve se transmudar em óbice ao conhecimento do recurso – posicionamento particularmente incoerente quando constatado que, para além da inexistência de prejuízos à parte contrária, o único beneficiado pelo recolhimento do preparo é, precisamente, o Estado-Juiz.

O recolhimento do preparo, à luz dos núcleos argumentativos de preclusão lógica e renúncia tácita, possibilita ao julgador concluir tão somente pela capacidade financeira da parte em arcar, especificamente, com as custas recursais. Poder-se-ia, ainda, ir além, fixando-se o valor de tais custas como vetor de avaliação na concessão do benefício, presumindo-se a capacidade da parte em arcar integralmente com as despesas de valor inferior ao preparo, ou, ainda, adotando-se o valor deste como parâmetro da definição do número de parcelas a serem fixadas ao pagamento de despesas de maior monta.

O que o sistema processual vigente não admite, porquanto eivado de flagrante incoerência, é que a manifestação da capacidade em arcar com apenas uma espécie de despesa processual seja utilizada pelo julgador como subterfúgio para sequer conhecer do pedido à isenção ao amplo espectro de despesas remanescentes, tal qual propiciado pela aplicação da Súmula nº 51 do TJ/SC.

O cerceamento do direito de acesso à justiça em igualdade de condições é realçado nas decisões em que, mesmo consignando, de forma expressa, contundentes indícios de hipossuficiência financeira apresentados pela parte, a apreciação do pedido recursal à concessão do benefício é afastada pela incidência da Súmula nº 51 do TJ/SC:

Trecho do voto relator:

RELATÓRIO (...)

Subsidiariamente, requer a minoração do quantum indenizatório arbitrado a título de danos morais e estéticos, alegando que "trabalha como pedreiro tendo renda e patrimônio muito modesto, que mal dá para o sustento de sua família" (fl. 405). Por fim, pleiteia a concessão do benefício da justiça gratuita, colacionando documentos para comprovação da suposta hipossuficiência econômica (fls. 409-416). (...)

VOTO (...)

Requer o apelante, inicialmente, a concessão do benefício da justiça gratuita, ao argumento de não possuir condições de suportar as despesas processuais sem prejuízo do seu sustento e de sua família, colacionado documentos às fls. 409-146 para embasar o pedido (declaração de hipossuficiência, certidão de propriedade, certidão de veículos, comprovante de residência, entre outros).

Ocorre que, ao protocolar a presente irresignação, o insurgente efetuou o pagamento do preparo recursal (fls. 407-408), o que evidencia a prática de ato incompatível com o fundamento do pleito, o qual pressupõe a hipossuficiência econômico-financeira do requerente.

Sobre o tema, o Órgão Especial deste Tribunal de Justiça assentou por meio do verbete sumular 51 que "o pedido de justiça gratuita seguido do pagamento do preparo pelo recorrente é considerado ato incompatível com o interesse de recorrer, impossibilitando o conhecimento do recurso no ponto", ou seja, na parte em que se requer o benefício. (...)

Desse modo, a pretensão não merece ser conhecida.

(TJ-SC - AC: 00008748720138240065 São José do Cedro 0000874-87.2013.8.24.0065, Relator: Luiz Felipe Schuch, Data de Julgamento: 16/05/2019, Sétima Câmara de Direito Civil)

Trecho do voto relator:

RELATÓRIO

Trata-se de agravo de instrumento interposto por Esther Celina Dalmagro de Luca em face de decisão que (...) indeferiu o pedido de gratuidade de justiça formulado pela agravante.

Em suas razões, disse ter juntado aos autos declaração de hipossuficiência, corroborada pelo demonstrativo de seus rendimentos, inferiores a 2 salários mínimos mensais, os quais são insuficientes a fazer frente a suas despesas básicas.

VOTO

Cuida-se de agravo de instrumento interposto contra decisão que indeferiu pedido de gratuidade da justiça.

Todavia, o recurso não merece ser conhecido.

Verifica-se que a recorrente incide em comportamento processual contraditório, o qual é vedado pelo ordenamento jurídico. Isso porque, embora tenha interposto o presente recurso ao argumento de não possuir condições econômicas para arcar com as custas e despesas processuais, promoveu o recolhimento das custas iniciais, após o indeferimento da tutela recursal de urgência, conforme se pode averiguar às fls. 114-116 dos autos de origem.

Ou seja, ao praticar ato incompatível com a vontade de recorrer, a parte incidiu nos termos do art. 1.000, caput e parágrafo único, do CPC/2015, ocorrendo, portando, a preclusão lógica neste tema. (...)

A propósito, corroborando tal posicionamento, preconiza a Súmula n. 51, desta Corte de Justiça, in verbis: "O pedido de justiça gratuita seguido do pagamento do preparo pelo recorrente é considerado ato incompatível com o interesse de recorrer, impossibilitando o conhecimento do recurso no ponto".

Dessa feita, em razão da prática de ato incompatível com a vontade de recorrer, o presente agravo não pode ser conhecido.

(TJ-SC - AI: 40122188520198240000 São Miguel do Oeste 4012218-85.2019.8.24.0000, Relator: André Luiz Dacol, Data de Julgamento: 02/07/2019, Sexta Câmara de Direito Civil)

As decisões supramencionadas, embora resultem na sucumbência da garantia legal (art. 7º e art. 139, §1º) e constitucional (art. 5º, LXXIV, da CF) de isonomia processual frente a uma ultrapassada concepção da gratuidade de justiça, ainda não refletem, em sua inteireza, o modus operandi que se instaurou na Corte catarinense após o referendo da Súmula nº 51 do TJ/SC.

Isto porque, conquanto as referidas decisões, ao menos, mencionem as condições financeiras alegadas pelas partes aos autos, impera, por incidência do Enunciado, a regra de sequer verificar e/ou relatar os fundamentos e documentos apresentados pela parte recorrente à gratuidade de justiça quando essa, por ocasião do recurso, recolhe o preparo.

Valendo-se da plataforma de pesquisa disponibilizada pelo sítio eletrônico40 Jusbrasil41, foram pesquisados acórdãos por meio das palavras-chave (i) “Súmula 51”, isolada por aspas, e (ii) gratuidade de justiça, restringindo-se o âmbito de busca a julgados da Corte catarinense. Em todos os trinta resultados válidos42, o pedido recursal à justiça gratuita, por aplicabilidade da Súmula nº 51 do TJ/SC, não foi conhecido, sendo que, em 67% das decisões, sequer há menção aos fundamentos e documentos financeiros apresentados pelas partes, conforme delineado no gráfico abaixo e na Tabela 3 (Anexo).

Constata-se que a ampla projeção de que goza a Súmula nº 51 do TJ/SC, associada à conveniência de seu teor eminentemente defensivo, implica acelerada anulação de todo o avanço legislativo no regramento da gratuidade de justiça, favorecendo a replicação sistemática de decisões incoerentes que soterram as inovações consagradas pelos §§5º e 6º do art. 98.

Cabe pontuar que a força vinculante conferida à concepção unitária do benefício, a partir da cristalização de um entendimento tido por majoritário (art. 926, §1º), termina, de forma contraditória, por anular os esforços do próprio TJ/SC em conferir eficácia aos §§5º e 6º do art. 98, conforme orientação transmitida pelo Conselho de Magistratura da Corte aos magistrados e oficiais de justiça a ela vinculados:

RESOLUÇÃO CM N. 11. DE 12 DE NOVEMBRO DE 201843

Art. 1º Fica recomendado:

I - aos magistrados, quando da análise do pedido de gratuidade da justiça, observadas a natureza do pleito e a urgência da tutela jurisdicional requerida:

(...)

e) analisar a possibilidade de incidência das alternativas de deferimento parcial ou parcelado descritas nos §§ 5º e 6º do art. 98. do Código de Processo Civil.

II - aos oficiais de justiça, quando for o caso, por ocasião do cumprimento de mandados:

1. esclarecer à parte o alcance da gratuidade da justiça (incisos I a IX do § 1º do art. 98. do Código de Processo Civil), especialmente em relação aos honorários advocatícios, bem como a possibilidade de incidência das alternativas descritas nos termos dos §§ 5º e 6º do art. 98. do Código de Processo Civil; e (...)

Delineada essa breve digressão quanto à inconsistência entre normativos do próprio Tribunal, realça-se que, seja sob a interpretação extensiva do art. 13. da Lei nº 1.060/50, seja sob previsão expressa dos §§5º e 6º do art. 98, carece de sentido pressupor que o recolhimento do preparo afastaria o interesse da parte recorrente em ver-se albergada pela incidência, percentual ou total, do benefício da gratuidade nas outras inúmeras despesas processuais, tais como o custeio dos emolumentos cartoriais (art. 98, §1º, IX) ou a tradução juramentada de documentos (art. 98, §1º, VI).

Impende reafirmar que, à luz das normas norteadoras do processo civil consagradas pelo CPC, é direito fundamental das partes, calcado no princípio da paridade de armas (art. 7º), precaver-se quanto à isenção, integral ou parcial (seletiva, percentual ou parcelada), das custas processuais inerentes ao acolhimento da pretensão formulada em Juízo. Se arguido em preliminar de apelação o direito à realização de prova pericial indeferida pelo Juízo a quo, não se pode questionar o interesse da parte em pleitear tanto a realização da perícia quanto a isenção ao respectivo custeio (art. 98, VI), ainda que, por exemplo, tenha-se recolhido o depósito recursal.

Nos casos de pronta concessão ao requerimento acostado à petição inicial, o cerceamento do direito à isonomia processual, patrocinado pela aplicação da Súmula nº 51, é igualmente observável, sendo verificado, inclusive, em julgado da Corte catarinense posterior à aprovação do Enunciado:

Trecho do voto relator:

RELATÓRIO

Trata-se de apelação cível interposta por Antonio Liebel em face de decisório prolatado pelo Juízo da 2ª Vara Cível da Comarca de Mafra que, nos autos do cumprimento de sentença manejado em face do espólio de Thereza Emília Liebl, reconheceu a ocorrência da prescrição intercorrente e extinguiu o processo, nos seguintes termos (fls. 112/113): (...)

A exigibilidade das despesas processuais e dos honorários advocatícios está suspensa com relação à(s) parte (s) ativa, durante o prazo extintivo de 5 (cinco) anos, em face da concessão dos benefícios da Gratuidade da Justiça, nos termos dos arts. 98. a 102 do CPC e da Lei 1.060/1950. (Trecho extraído da sentença e acostado ao relatório) (...)

DISPOSITIVO

Ante o exposto, com fulcro no art. 932, IV, c do CPC/15, 1) conheço do presente recurso e nego-lhe provimento, por estar o recurso em confronto com entendimento firmado no tema IAC 01, do STJ; 2) fixo honorários sucumbenciais recursais no valor de 2% (dois por cento) sobre o valor atualizado da causa em favor da apelada, com fulcro no art. 85, §§ 2º, 8º e 11, do CPC/15, na forma da fundamentação, deixando-se de suspender os encargos sucumbenciais pois o recolhimento do preparo recursal é ato incompatível com o deferimento adrede concedido (Súmula 51 do Órgão Especial do TJSC).

Custas pelo apelante. Intimem-se.

(TJ-SC - AC: 00001624419918240041 Mafra 0000162-44.1991.8.24.0041, Relator: Gerson Cherem II, Data de Julgamento: 30/08/2019, Primeira Câmara de Direito Civil)

O julgado supramencionado consiste, senão, manifesta teratologia referendada pela inteligência da Súmula nº 51 do TJ/SC, por meio da qual a gratuidade de justiça, previamente deferida, é integralmente afastada ao se constatar o recolhimento do preparo. Assim, tão somente em razão do recolhimento das custas recursais, a parte, antes contemplada pelo benefício em razão de comprovada hipossuficiência financeira, é submetida ao pronto custeio integral do processo, inclusive, honorários advocatícios de 12% sobre o valor atualizado (art. 85, §2º) de causa iniciada em 1991.

A desvirtuada concepção do benefício culmina em cenários nos quais o recolhimento do preparo pelo advogado resulta em presunção de capacidade financeira da parte (!). Não obstante a manifesta incompatibilidade de tal assertiva com o caráter personalíssimo e intransmissível do benefício (§§5º e 6º do art. 99), esse foi o entendimento adotado pela Corte catarinense em julgados destacados como predecessores44 da Súmula nº 51 do TJ/SC (vide Tabela 2):

Trecho do voto relator:

VOTO

1. Gratuidade da justiça

De início, os Apelantes informaram não terem condições financeiras de arcar com as despesas do processo e requereram a respectiva isenção, inclusive com a dispensa de recolhimento do preparo recursal.

Ao apreciar o pedido, a Magistrada de origem instou os Interessados para que evidenciassem a necessidade da benesse por eles postulada (fl. 411).

Os Apelantes discorreram, então, sobre suas situações patrimoniais e juntaram certidões emitidas pelas Serventias Extrajudiciais de Registro de Imóveis, as quais atestavam a inexistência de bens imóveis registrados em seus nomes (fls. 417-427).

Ao analisar os elementos colacionados, a Julgadora indeferiu-o, intimando os Insurgentes para recolherem o preparo (fl. 439). E contra essa decisão, os Recorrentes não se insurgiram.

Em seguida, aportou no feito petição informando que o Patrono dos Recorrentes, teria pago as custas recursais, atuando pro bono (fls. 441-443).

Assim, tem-se ante a prática de ato incompatível com o pleito de isenção das despesas do processo, ainda que pelo Advogado, por prejudicado o pedido em questão, de modo que dele não se conhece.

E, ante o preenchimento dos pressupostos de admissibilidade, conhece-se dos demais aspectos do Recurso.

(TJ-SC - AC: 00026134819948240005 Balneário Camboriú 0002613-48.1994.8.24.0005, Relator: Rosane Portella Wolff, Data de Julgamento: 22/11/2018, Primeira Câmara de Direito Civil)

Trecho do voto relator:

RELATÓRIO

(...) Sustenta, em suma, que: a) o recolhimento das custas judiciais não pode ser considerado contraditório com o pedido de concessão do benefício da Justiça Gratuita, uma vez que o pagamento foi realizado por seu advogado para evitar a extinção do feito; b) está suficientemente comprovada nos autos a sua hipossuficiência financeira; c) "se a qualquer tempo pode o magistrado revogar o benefício concedido, considerados os elementos apurados nos autos, certo é que também a qualquer tempo - no caso, supervenientemente - pode tê-lo por comprovado"; d) não foi intimado da decisão que indeferiu provisoriamente o benefício, não servindo a carga dos autos como ciência inequívoca; e) não tem conteúdo decisório o despacho que determinou o recolhimento das custas processuais (fl. 167), de forma que não pode ser ele tomado como um indeferimento definitivo do benefício da Justiça Gratuita; f) como não houve decisão definitiva sobre o pedido de concessão do benefício na origem, a matéria pode ser invocada no recurso de apelação. (...)

VOTO

Registre-se que o fato de o preparo e as custas iniciais terem sido eventualmente pagos por seu advogado, como forma de evitar a extinção do processo ou o não conhecimento do recurso, não é capaz de alterar esse quadro: ainda assim está caracterizada a preclusão lógica, já que o agravante conseguiu reunir recursos para pagar as despesas do processo.

(TJ-SC - AGV: 00027270720108240011 Brusque 0002727-07.2010.8.24.001145, Relator: Marcus Tulio Sartorato, Data de Julgamento: 31/10/2017, Terceira Câmara de Direito Civil)

Para além do caráter estritamente pessoal e intransmissível, é evidente que o custeio da despesa processual por terceiro não implica o afastamento do direito da parte à isenção das despesas judiciais, mormente quando o custeio externo em nada concerne à insuficiência de recursos da parte (art. 98, caput e art. 5º, LXXIV, da CF). Contudo, a alegação de recolhimento do preparo pelo patrono da causa sequer fora apreciada pelos órgãos da Corte catarinense, os quais, à luz da concepção unitária do benefício, interpretam o pagamento das custas recursais por terceiro como presunção de absoluta suficiência financeira da parte recorrente.

A cristalização da concepção unitária da gratuidade de justiça no Enunciado da Súmula nº 51 transmuda-o, portanto, em manifesto instrumento de cerceamento ao direito de isonomia processual.

Embora o aprofundamento da temática à luz do CPC realce a impropriedade dos provimentos jurisdicionais delineados nas Tabelas 2 e 3, a análise superficial da matéria, tal qual efetuada pelos desembargadores relatores quando da aplicação da Súmula nº 51 do TJ/SC, dificulta a mensuração da ilegalidade do Enunciado, porquanto a cristalização do precedente vinculante visa, precisamente, afastar as rediscussões acerca de tema já pacificado46.

Nesse sentido, o afastamento da orientação jurisdicional cristalizada na Súmula nº 51 do TJ/SC requer, por previsão legal expressa (489, §1º, VI), a demonstração de distinção (distinguishing) ou superação do precedente. À luz do Enunciado sob análise, é dizer: uma vez recolhido o preparo, o conhecimento do pedido recursal à concessão da gratuidade de justiça encontra-se necessariamente condicionado ao exercício de distinção ou superação da norma jurisdicional.

(...) exige-se uma carga argumentativa qualificada ao magistrado que pretenda se afastar da ratio decidendi de precedente aplicável ao caso em julgamento. Exige-se do julgador uma fundamentação qualificada, com pesado ônus argumentativo, do qual se desincumbirá apenas se demonstrar superação (overruling) do precedente (...) ou a distinção (distinguishing). (KOEHLER, 2017, p. 365)

Dentre ambas as opções, tem-se que o exercício de distinção demonstra-se inaplicável. Segundo se extrai da inteligência do art. 966, §5º47, o distinguishing pressupõe a inadequação entre a questão controvertida e o padrão decisório que levou à cristalização do precedente48. Uma vez que, conforme exposto, houve a estabilização no TJ/SC, em linha com outros Tribunais, da tese de incompatibilidade (preclusão lógica e renúncia tácita) entre o recolhimento do preparo e o pedido recursal à gratuidade de justiça (Tabela 2), a negativa de conhecimento ao recurso lastreada na juntada do depósito recursal (compatibilidade fática com o precedente) não destoa do padrão decisório que pavimentou o Enunciado da Súmula nº 51 do TJ/SC (ratio decidendi).

Contornar o gargalo processual erigido pelo referido Enunciado perpassa, portanto, a superação do precedente no qual se projeta uma errônea concepção do benefício da gratuidade de justiça.

Oportuno assinalar que o dever dos Tribunais à manutenção de sua jurisprudência íntegra, estável e coerente (art. 926) não deve ser interpretado como eterna sujeição à orientação firmada, a qual deve ser fundamentadamente alterada quando constatados motivos para tal. Nesse sentido:

A possibilidade de mudança do entendimento é inerente ao sistema de precedentes judiciais. O dever de estabilidade da jurisprudência não impede a alteração do entendimento; ele impede alteração injustificada desse entendimento. A modificação do entendimento pode revelar-se um imperativo de justiça. Este é o ponto. (DIDIER; BRAGA; OLIVERA, 2016, p. 509).

As considerações ora apresentadas permitem concluir quanto à ilegalidade da norma jurisdicional apregoada à Súmula nº 51 do TJ/SC, seja porque reflete uma concepção unitária incompatível com os atributos de delimitação e fracionamento consagrados pelos §§5º e 6º do art. 98, seja porque importa em manifesto cerceamento do direito à isonomia processual.

Constatada a ilegalidade de precedente vinculante, o exercício de superação pode ser efetuado por Juízo singular ou colegiado, conforme se extrai de lição constante do Enunciado 324 do Fórum Permanente de Processualistas Civis:

Lei nova, incompatível com o precedente judicial, é fato que acarreta a não aplicação do precedente por qualquer juiz ou tribunal, ressalvado o reconhecimento de sua inconstitucionalidade, a realização de interpretação conforme ou a pronúncia de nulidade sem redução de texto.

Embora editada após a vigência do CPC, a Súmula nº 51 do TJ/SC claramente incorpora uma concepção unitária do benefício, incompatível com a legislação processual em vigor, fato que desobriga a replicação compulsória pelo magistrado:

Nesta hipótese [alteração legislativa], a não aplicação do precedente pode ser feita por qualquer juiz, não irá necessitar do ônus argumentativo existente para a decisão de superação típica e nem será necessária a ponderação da revogação com o princípio da segurança jurídica. (DIDIER; BRAGA; OLIVERA, 2016, p. 512).

Conquanto possível o afastamento da incidência do Enunciado em casos concretos, a irrefletida proliferação de decisões que anulam as contribuições proporcionadas pelo CPC demanda a premente revogação do Enunciado, a partir da aplicação da técnica do overruling 49 pelo Órgão Especial50 da Corte catarinense:

Com efeito, as cortes superiores podem, então, substituir - overruled - um determinado precedente por ser considerado ultrapassado ou, ainda, errado (per incuriam ou per ignorantia legis). A decisão que acolhe nova orientação incumbe-se de revogar expressamente a ratio decidendi anterior (express overruling). Nesse caso, o antigo paradigma hermenêutico perde todo o seu valor vinculante. (TUCCI, 2012, p. 113)

Assim, sem prejuízo do necessário afastamento do precedente vinculante na apreciação de casos concretos, a demonstrada ilegalidade da Súmula nº 51 do TJ/SC, cuja exegese é irrefletidamente reproduzida em julgados que incoerentemente cerceiam o direito à isonomia processual, assinala o alheamento da norma jurisprudencial ao ordenamento processual vigente, fato que impõe a mobilização do Órgão Especial do Tribunal com vistas ao pronto cancelamento do Enunciado.


CONCLUSÃO

As singularidades de cenários financeiros verificáveis em casos concretos levaram os operadores do direito à sofisticação do benefício da gratuidade de justiça. Se, por um lado, não incumbe ao Estado arcar com a integralidade de despesas processuais relativas a jurisdicionado parcialmente hipossuficiente, decerto não se pode negar assistência estatal, em grau adequado, ao litigante não inserto em um ultrapassado critério de miserabilidade.

Nesse contexto, em aprimoramento à interpretação conferida pela jurisprudência e doutrina ao art. 13. da Lei nº 1.060/50, os §§5º e 6º do art. 98, associados aos deveres de fundamentação das decisões (art. 11) e de zelo pela igualdade de tratamento processual (art. 139, §1º), demandam do magistrado um exercício individualizado de alocação das despesas processuais, adequando-a às especificidades do caso concreto (capacidade da parte versus despesas a serem custeadas).

Assim, a tríade de instrumentos gradativos confere à gratuidade de justiça atributos de delimitação (concessão seletiva) e fracionamento (isenção percentual ou parcelada), superando uma ultrapassada – e inadequada – concepção unitária da gratuidade de justiça, segundo a qual a concessão do benefício era balizada por um modelo binário de concessão ou rejeição integrais.

Em reducionismo destoante ao aprimoramento legislativo da matéria, a Súmula nº 51 do TJ/SC, publicada já sob a vigência do CPC, propaga uma retrógrada concepção unitária do benefício, alicerçando-se no demonstrado equívoco em pressupor que o mero recolhimento do preparo anularia o interesse recursal da parte em ver-se albergada das despesas processuais supervenientes.

Para além da inadequação de tal salto conclusivo, demonstrou-se igualmente a insubsistência dos fundamentos jurídicos de preclusão lógica e renúncia tácita que amparam o Enunciado, cuja conclusão quanto à ilegalidade é, ainda, realçada pelo cerceamento da garantia legal (art. 7º e art. 139, §1º) e constitucional (art. 5º, LXXIV, da CF) de acesso à justiça em igualdade de condições.

Constituída orientação jurisprudencial dotada de força vinculante (art. 927, V), proliferaram-se decisões (Tabela 3) no âmbito do TJ/SC que, de forma irrefletida, sequer verificam as condições financeiras relatadas e comprovadas pelas partes, não conhecendo do pedido recursal à gratuidade tão logo verificado o recolhimento do preparo.

A ilegalidade do Enunciado, e do consequente modus operandi instaurado na Corte catarinense após sua publicação, impõe o pronto cancelamento da Súmula nº 51 do TJ/SC pelo respectivo Órgão Especial, sem prejuízo da possibilidade de os Juízos a ele submetidos, sejam órgãos singulares, sejam colegiados, escusarem-se a aplicar o Enunciado em razão da negativa à legislação processual vigente.

Pontua-se, por fim, que embora o Enunciado da Súmula nº 51 do TJ/SC tenha sido eleito para realçar a ilícita concepção prática acerca do benefício, o tema adquire relevo no debate jurídico nacional ao se constatar que o referido entendimento, conquanto superado no âmbito legal, encontra robusto amparo na jurisprudência dos demais Tribunais pátrios. Faz-se necessário, portanto, que a tríade de instrumentos gradativos consagrada pelos §§ 5º e 6º do art. 98. seja prontamente absorvida pelos operadores do direito, causídicos e magistrados, sob risco de soterramento das inovações legislativas – benéficas tanto às partes quanto ao Estado – pela replicação de um defasado entendimento jurisprudencial.


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ANEXOS

Tabela 2 – fundamentos jurídicos dos julgados predecessores da Súmula nº 51 do TJ/SC

Argumentação

Número dos processos

Ato incompatível

0300410-10.2017.8.24.0013;

0045358-90.2011.8.24.0023;

0009158-42.2013.8.24.0079;

0002289-75.2011.8.24.0033;

4016805-06.2018.8.24.0900;

0013093-44.2011.8.24.0020;

0308342-68.2016.8.24.0018;

0303428-58.2017.8.24.0039;

0005494-81.2008.8.24.0045;

0017085-33.2013.8.24.0023/50000;

0000716-73.2013.8.24.0019;

0300996-60.2016.8.24.0020;

4006117-66.2018.8.24.0000;

0304777-67.2014.8.24.0018;

0002969-15.2010.8.24.0027;

0302961-45.2015.8.24.0073

Ato incompatível + renúncia tácita

0036260-36.2011.8.24.0038;

2013.062954-9;

0009949-78.2009.8.24.0005;

0003083-97.2013.8.24.0010;

0008073-45.2010.8.24.0008

Ato incompatível: preparo recolhido pelo advogado

0002613-48.1994.8.24.0005;

0002727-07.2010.8.24.0011/50000

Ato incompatível + análise das condições financeiras do recorrente

0000504-59.1997.8.24.0004

Tabela 3 – fundamentação complementar à aplicabilidade da Súmula nº 51 do TJ/SC

Argumentação

Número do Processo

Inexistente – apenas aplicabilidade da Súmula nº 51

AC 0301353-58.2016.8.24.0014;

AC 0301129-44.2014.8.24.0062;

AC 0005265-98.2012.8.24.0072;

AC 0035596-79.2013.8.24.0023

AC 0023752-40.2010.8.24.0023

AC 0301713-75.2017.8.24.0040

AC 0300304-52.2016.8.24.0023;

AC 0011318-86.2014.8.24.0020

AC 0301353-58.2016.8.24.0014;

AI 4028826-14.2018.8.24.0900

AC 0005265-98.2012.8.24.0072

AI 4011759-83.2019.8.24.0000

AC 0301713-75.2017.8.24.0040;

AC 0301245-08.2017.8.24.0139

AI 4013416-13.2018.8.24.0900

AC 0301845-60.2017.8.24.0064

ED 0000704-75.2013.8.24.0143/50000

ED 0000841-57.2013.8.24.0143/50000

AC 0000749-45.2014.8.24.0046

AI 4004397-35.2016.8.24.0000

Relato de condições financeiras seguido pela conclusão de inaplicabilidade do benefício

AI 4031251-61.2019.8.24.0000;

AI 4031251-61.2019.8.24.0000;

AI 4018629-47.2019.8.24.0000

AI 4018564-52.2019.8.24.0000

Relato de condições financeiras dissociado da fundamentação

AI 4012218-85.2019.8.24.0000;

AC 0000874-87.2013.8.24.0065;

AC 0023752-40.2010.8.24.0023

Preclusão temporal

AC 0037173-18.2011.8.24.0038

Insuficiência documental

AI 4013310-98.2019.8.24.0000

Revogação de ofício – juntada do preparo após deferimento integral do benefício

AC 0000162-44.1991.8.24.0041


Notas

1 “Em suma, erige-se no aparelho legal um modelo em que decisões precedentes são vinculantes, quer porque a lei assim optou (art. 927), quer pelo fato de que, se um julgador as ignora no caso concreto, sua decisão ofende um critério de racionalidade imposto pelo ordenamento (art. 489, §1º, VI), havendo previsão de recurso para que se restaure a estabilidade, a integridade e a coerência desde logo exigidas pelo art. 926.” (CUNHA, 2019, p.105).

Enunciado 169 do Fórum Permanente de Processualistas Civis: “Os órgãos do Poder Judiciário devem obrigatoriamente seguir os seus próprios precedentes, sem prejuízo do disposto nos § 9º do art. 1.037. e §4º do art. 927.”

2 Enunciado 170 do Fórum Permanente de Processualistas Civis: “As decisões e precedentes previstos nos incisos do caput do art. 927. são vinculantes aos órgãos jurisdicionais a eles submetidos.”

3 Em prol da fluidez da leitura deste trabalho, a menção a dispositivos do Código de Processo Civil far-se-á desacompanhada da expressão “do CPC”.

4 “Há, aí, a previsão de duas ordens de vinculação. Uma vinculação interna dos membros e órgãos fracionários de um tribunal aos precedentes oriundos do plenário ou órgão especial daquela mesma Corte. Uma vinculação externa dos demais órgão de instância inferior (juízos e tribunais) aos precedentes do plenário ou órgão especial do tribunal a que estiverem submetidos. (...) Diante disso, precedentes do: (...) d) plenário e órgão especial do TJ vinculam o próprio TJ, bem como juízes estaduais a ele vinculados.” (DIDIER; BRAGA; OLIVERA, 2016, pp. 479-480).

5 (DIDIER; OLIVEIRA, 2016, p. 27).

6 Salário mínimo vigente: R$ 998,00 (Decreto nº 9.661/2019). Custas fixas do Recurso Especial: R$ 186,10. Instrução Normativa STJ/GP N. 2. de 31 de Janeiro de 2019. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/processo/dj/documento/?seq_documento=20704452&data_pesquisa=01/02/2019&seq_publicacao=15674&versao=impressao&nu_seguimento=00001¶metro=null. Acesso em: 2 set. 2019.

7 Disponível em: https://busca.tjsc.jus.br/dje-consulta/rest/diario/caderno?edicao=3010&cdCaderno=1. Acesso em: 30 out. 2019.

8 (TJ-SC - AR: 40122416520188240000 Capital 4012241-65.2018.8.24.0000, Relator: João Batista Góes Ulysséa, Data de Julgamento: 22/02/2019, Segunda Câmara de Direito Civil).

9 “A jurisprudência defensiva consiste na prática do não conhecimento de recursos em razão de apego formal e rigidez excessiva em relação aos pressupostos de admissibilidade recursal, impondo a supervalorização dos requisitos formais para admissão dos recursos, a partir de uma ótica meramente utilitarista.” (VAUGHN, 2016, p. 326).

10 (CNJ, 2019, p. 95).

11 (CNJ, 2019, p. 182).

12 Especificamente no que tange à taxa de congestionamento líquida, única espécie em que não lidera os índices da referida taxa, o TJ/SC figura na 3ª colocação entre os TJs.

13 A incorporação de construções jurisprudenciais defensivas em precedentes vinculantes não é, em si, um fenômeno a ser repudiado pela prática forense. O que não se pode admitir é que os entendimentos cristalizados pelos Tribunais se alheiem ao próprio sistema legal que lhes confere validade. Tal alheamento é aperfeiçoado tanto no reducionismo de regramentos previstos em lei, como retratado na Súmula 51 do TJ/SC, quanto na ampliação de prerrogativas desprovida de amparo legal, tal qual a controversa Súmula 568 do STJ, na qual se amplia o rol taxativo de hipóteses (art. 932, IV) em que incumbe ao relator, monocraticamente, negar provimento ao recurso: “Súmula 568 - O relator, monocraticamente e no Superior Tribunal de Justiça, poderá dar ou negar provimento ao recurso quando houver entendimento dominante acerca do tema.”

14 Igualmente no sentido da preclusão lógica, confira-se:

(TJ-RS - AGV: 70080814668 RS, Relator: Gelson Rolim Stocker, Data de Julgamento: 23/05/2019, Décima Sétima Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 28/05/2019);

(TJ-SP 10038316120168260266 SP 1003831-61.2016.8.26.0266, Relator: Adilson de Araujo, Data de Julgamento: 05/09/2017, 31ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 05/09/2017);

(TJ-GO - AI: 00704872020198090000, Relator: SEBASTIÃO LUIZ FLEURY, Data de Julgamento: 28/08/2019, 4ª Câmara Cível, Data de Publicação: DJ de 28/08/2019);

(TJ-RR - EDecAC: 08003321020158230060 0800332-10.2015.8.23.0060, Relator: Des. , Data de Publicação: DJe 21/05/2019, p.);

(TJ-BA - AGV: 0004039172010805015050000, Relator: Marcia Borges Faria, Quinta Câmara Cível, Data de Publicação: 19/07/2018);

(TRF-4 - AC: 50057269020164047102 RS 5005726-90.2016.4.04.7102, Relator: CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR, Data de Julgamento: 16/01/2019, QUARTA TURMA).

15 Igualmente nesse sentido, confira-se:

(STJ - AREsp: 1164394 PE 2017/0220728-8, Relator: Ministra LAURITA VAZ, Data de Publicação: DJ 30/10/2017);

(STJ - REsp: 1695663 RJ 2017/0162043-8, Relator: Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, Data de Publicação: DJ 27/11/2017);

(STJ - AREsp: 1311509 DF 2018/0146595-7, Relator: Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, Data de Publicação: DJ 04/09/2018).

16 Didier, Braga e Oliveira (2016) advertem quanto à não participação das partes no processo de formulação da súmula, circunstância que torna o instituto particularmente suscetível à desvirtuação pelo arbítrio do Tribunal. Nesse sentido, Ives Gandra protesta contra a abrangente reforma de Enunciados subitamente empreendida pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST) nos anos de 2011 e 2012: “Tal ativismo judicial e voluntarismo jurídico atingiram seu ápice nas denominadas “Semanas do TST”, de 2011 e 2012, quando o Tribunal Superior do Trabalho se fechou para rever sua jurisprudência e, como fruto dessa reflexão interna, sem que houvesse processos sendo julgados para se estabelecer nova jurisprudência, mudou-se a sinalização de mais de 50 súmulas e orientações jurisprudenciais, para se reconhecer novos direitos aos trabalhadores, onde antes a jurisprudência pacificada dizia que, de acordo com a lei, tais pretensões não poderiam ser acolhidas pelo Judiciário. Com isso se criavam, da noite para o dia, passivos trabalhistas enormes para as empresas.” (MARTINS FILHO, 2019, p. 94).

17 Enunciado 166 do Fórum Permanente de Processualistas Civis: “A aplicação dos enunciados das súmulas deve ser realizada a partir dos precedentes que os formaram e dos que os aplicaram posteriormente.”

18 Disponível em: https://tjsc.jus.br/documents/557855/3390160/Súmula+51/1b2c003e-3963-81a0-4334-93e1c1034f05. Acesso em: 15 out. 2019.

19 Embora o recolhimento efetuado pelo advogado não consista, propriamente, um grupo argumentativo particular, o destaque dessa estrutura faz-se necessário para posterior análise de que, mesmo quando demonstrado o recolhimento do preparo por terceiros, o entendimento propagado pelo TJ/SC impõe o não conhecimento do pedido à gratuidade formulado pela parte recorrente.

20 Art. 19, caput, do CPC/73. Salvo as disposições concernentes à justiça gratuita, cabe às partes prover as despesas dos atos que realizam ou requerem no processo, antecipando-lhes o pagamento desde o início até sentença final; e bem ainda, na execução, até a plena satisfação do direito declarado pela sentença.;

Art. 687, § 1º, do CPC/73. A publicação do edital [da alienação em hasta pública] será feita no órgão oficial, quando o credor for beneficiário da justiça gratuita.

21 Ainda nesse sentido: "Já defendíamos essa possibilidade [modulação do benefício da justiça gratuita] desde a primeira edição deste livro, publicada em 2004. Independentemente de haver texto expresso de lei, o magistrado está autorizado - sempre esteve - a agir dessa forma, afinal de contas se ele pode dispensar integralmente o adiantamento das despesas, e pode fazê-lo quanta a todos os atos do processo, motivo não há para que não se admita a modulação do benefício: quem pode mais pode menos.” (DIDIER; OLIVERA, 2016, p. 53).

22 (STJ - REsp: 790807 MG 2005/0176360-4, Relator: Ministra DENISE ARRUDA, Data de Julgamento: 09/10/2007, T1 - PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJ 05/11/2007 p. 225).

23 As despesas atípicas são aquelas que, embora não previstas expressamente nos incisos do art. 98, §1º, estão igualmente abrangidas pelo benefício por força da cláusula geral inserta ao fim do inciso VIII: “os depósitos previstos em lei para interposição de recurso, para propositura de ação e para a prática de outros atos processuais inerentes ao exercício da ampla defesa e do contraditório”. A título de exemplo, defende-se o direito do beneficiário da gratuidade de justiça integral em ver-se isento das custas de digitalização dos autos físicos, por vezes requisitada pelos Tribunais como condição ao processamento do cumprimento de sentença via sistema eletrônico (TJDFT: Portaria Conjunta nº 85 de 29.09.2016; e TRF – 3ª Região: Resolução PRES nº 142, de 20.07.2017).

24 Deveras, a primeira menção do ordenamento jurídico pátrio à concessão percentual do benefício, guardadas as devidas adequações cronológicas, aparenta remontar ao art. 99. da Lei nº 261/1.841: “Sendo o réu tão pobre que não possa pagar as custas, perceberá o Escrivão a metade dellas do cofre da Camara Municipal da cabeça do Termo, guardado o seu direito contra o réo quanto á outra metade.” (ALVES; VIEIRA, 2005, p. 276).

25 A concessão parcial é, assim, gênero composto pelas modalidades seletiva, percentual ou parcelada de aplicação do benefício.

26 Importante consignar que a estabilização e o decréscimo do número de processos verificados, respectivamente, em 2017 e 2018, devem-se primordialmente à vigência da Reforma Trabalhista, não se constatado, por ora, indícios de desobstrução do aparato jurisdicional na área cível. “O ano de 2017 foi marcado pelo primeiro ano da série histórica em que se constatou freio no acervo, que vinha crescendo desde 2009 e manteve-se relativamente constante em 2017. Em 2018, pela primeira vez na última década, houve de fato redução no volume de casos pendentes, com queda de quase um milhão de processos judiciais. (...) O resultado decorre, em especial, do desempenho da Justiça do Trabalho, que praticamente manteve a produtividade do ano anterior apesar da redução de 861 mil novos processos. (...) Com relação às justiças Estadual e Federal, o estoque permaneceu quase constante nos últimos 2 anos.” (CNJ, 2019, p. 79).

27 Dados relativos ao ensino disponíveis em: https://www.tesouro.fazenda.gov.br/documents/10180/617267/CesefEducacao9jul18/4af4a6db-8ec6-4cb5-8401-7c6f0abf6340;

Saúde: https://www.tesouro.fazenda.gov.br/documents/10180/318974/AspectosFiscaisSa%C3%BAde[201]8/a7203af9-2830-4ecb-bbb9-4b04c45287b4;

Investimentos Públicos:

https://observatorio-politica-fiscal.ibre.fgv.br/posts/investimentos-publicos-1947-2018;

Saneamento básico:

https://abconsindcon.com.br/wp-content/uploads/2019/04/PANORAMA2019low.pdf.

Todos com data de acesso em: 30 out. 2019.

28 “O direito à assistência judiciária consiste no patrocínio da causa de forma gratuita por advogado público (por exemplo, Defensor Público) ou particular (por exemplo, núcleos de prática jurídica das faculdades de direito). Tem a ver, portanto, com a prestação de serviços em juízo. (...) O direito à gratuidade da justiça, ou justiça gratuita, por sua vez, é a dispensa do pagamento antecipado das despesas do processo e dos honorários advocatícios, que, contudo, podem vir a ser cobrados na hipótese de pagamento abarca também alguns atos extrajudiciais, indispensáveis à tutela jurisdicional efetiva.” (SILVA, 2015, pp. 300-301).

29 “Em ambas as figuras [gráficos comparativos dos percentuais de despesa com benefício de assistência judiciária gratuita frente à despesa total dos Tribunais], se verifica um excesso de valores próximos de zero, o que pode denotar alguma dificuldade dos tribunais na apuração da despesa com assistência judiciária gratuita ou pagamento dos custos por outros órgãos públicos, não necessariamente significando ausência de concessão.” (CNJ, 2019, p. 86).

30 Art. 2º, Parágrafo único, da Lei nº 1.060/50. Considera-se necessitado, para os fins legais, todo aquele cuja situação econômica não lhe permita pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo do sustento próprio ou da família.

Art. 4º, §1º, da Lei nº 1.060/50. Presume-se pobre, até prova em contrário, quem afirmar essa condição nos termos desta lei, sob pena de pagamento até o décuplo das custas judiciais.

31 “É possível que ocorra a chamada procedência parcial: quando se pleiteia uma indenização "X" e o magistrado concede "X- V", p. ex.” (DIDIER; BRAGA; OLIVERA, 2016, p. 741).

32 Desconsidera-se, no ponto, a possibilidade de conversão em perdas e danos uma vez impossibilitada a concessão da tutela específica ou a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente. (art. 499).

33 Trata-se de hipótese de formulação genérica do pedido à justiça gratuita. Nada obsta, todavia, que o próprio requerente, com fulcro nos §§5º e 6º do art. 98, apresente o pleito à concessão seletiva, percentual e/ou parcelada da gratuidade de justiça. Tal estratégia demonstra-se particularmente recomendável aos parcialmente hipossuficientes, os quais, ao restringirem o âmbito da isenção almejada, conferem maior precisão à análise (capacidade versus despesa) a ser realizada pelo magistrado e, por conseguinte, aumentam as chances de êxito à concessão parcial frente ao improvável deferimento integral do benefício.

34 Afinal, embora quem possa mais, possa menos, tem-se a impossibilidade de se afirmar, a priori, o contrário.

35 “Essa mesma idéia de utilidade da prestação jurisdicional [aplicável ao interesse de agir] verifica-se no interesse recursal, entendendo-se que somente será julgado em seu mérito o recurso que possa ser útil ao recorrente. Essa utilidade deve ser analisada sob a perspectiva prática, sendo imperioso se observar no caso concreto se o recurso reúne condições de gerar uma melhora na situação prática do recorrente. Quase todos os problemas referentes ao interesse recursal se resumem a esse aspecto, sendo certo que, não havendo qualquer possibilidade de obtenção de uma situação mais vantajosa sob o aspecto prático, não haverá interesse recursal.” (NEVES, 2010, pp. 3-4).

36 Art. 1.000. A parte que aceitar expressa ou tacitamente a decisão não poderá recorrer.

Parágrafo único. Considera-se aceitação tácita a prática, sem nenhuma reserva, de ato incompatível com a vontade de recorrer.

37AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO INDENIZATÓRIA. GRATUIDADE DA JUSTIÇA. INDEFERIMENTO DO BENEFÍCIO NA ORIGEM. POSTERIOR RECOLHIMENTO DAS CUSTAS INICIAIS NO PROCESSO PRINCIPAL. PRECLUSÃO RECONHECIDA. RECURSO NÃO CONHECIDO. A superveniência do pagamento das custas torna prejudicado o exame do recurso tendente à concessão da benesse, pela prática de ato incompatível com a vontade de recorrer (CPC, art. 1.000, parágrafo único).

(TJ-SC - AI: 40223374220188240000 Mafra 4022337-42.2018.8.24.0000, Relator: Paulo Ricardo Bruschi, Data de Julgamento: 13/12/2018, Quarta Câmara de Direito Público);

(TJ-SC - AI: 40303253320188240900 Balneário Camboriú 4030325-33.2018.8.24.0900, Relator: André Luiz Dacol, Data de Julgamento: 19/03/2019, Sexta Câmara de Direito Civil);

(TJ-SC - AI: 40130733520178240000 Itapema 4013073-35.2017.8.24.0000, Relator: André Luiz Dacol, Data de Julgamento: 05/06/2018, Sexta Câmara de Direito Civil).

38 § 7º Requerida a concessão de gratuidade da justiça em recurso, o recorrente estará dispensado de comprovar o recolhimento do preparo, incumbindo ao relator, neste caso, apreciar o requerimento e, se indeferi-lo, fixar prazo para realização do recolhimento.

39 Ao se antecipar pela juntada do preparo, a parte previne a eventual abertura de prazo pelo relator (art. 99, §§2º e 7º), e, por conseguinte, a postergação da apreciação do recurso.

40 Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/ Acesso em: 03 nov. 2019.

41 A opção pela plataforma privada deve-se ao fato de que o TJ/SC, em contraposição ao art. 926, §5º, ainda não disponibiliza amplo acesso aos respectivos julgados por meio da rede mundial de computadores.

42 Originariamente, foram encontrados 48 (quarenta e oito) resultados, dos quais foram decotados julgados repetidos e/ou impertinentes, tais quais os referentes à Súmula nº 51 do TST, ex: (TJ-SC - AC: 20120172638 SC 2012.017263-8 (Acórdão), Relator: Denise de Souza Luiz Francoski, Data de Julgamento: 05/08/2013, Primeira Câmara de Direito Civil Julgado).

43 Disponível em:

https://busca.tjsc.jus.br/buscatextual/integra.do?cdSistema=1&cdDocumento=173239&cdCategoria=1&q=&frase=&excluir=&qualquer=&prox1=&prox2=&proxc=. Acesso em: 01 set. 2019.

44 Disponível em: https://tjsc.jus.br/documents/557855/3390160/Súmula+51/1b2c003e-3963-81a0-4334-93e1c1034f05. Acesso em: 15 out. 2019.

45 AgInt no AI nº 0002727-07.2010.8.24.0011/50000.

46 “Isso [uma prestação jurisdicional mais efetiva e uma redução no tempo de tramitação dos processos] decorrerá, como visto, da racionalização do ônus argumentativo do juiz no momento do julgamento, com a transposição para o caso concreto da ratio decidendi contida no precedente. Com isso, economiza-se o tempo que o magistrado perderia enfrentando novamente toda a argumentação jurídica que já fora apreciada no momento de formação do precedente.” (KOEHLER, 2017, p. 368).

47 § 5º Cabe ação rescisória, com fundamento no inciso V do caput deste artigo, contra decisão baseada em enunciado de súmula ou acórdão proferido em julgamento de casos repetitivos que não tenha considerado a existência de distinção entre a questão discutida no processo e o padrão decisório que lhe deu fundamento.

48 Nesse sentido: “Fala-se em distinguishing (ou distinguish) quando houver distinção entre o caso concreto (em julgamento) e o paradigma, seja porque não há coincidência entre os fatos fundamentais discutidos e aqueles que serviram de base à ratio decidendi (tese jurídica) constante no precedente, seja porque, a despeito de existir uma aproximação entre eles, alguma peculiaridade no caso em julgamento afasta a aplicação do precedente.” (DIDIER; BRAGA; OLIVEIRA, 2016, p. 504).

49 “A técnica do overruling é um instrumento que permite uma resposta judicial ao desgaste da dupla coerência do precedente. Essa dupla coerência consiste em: (i) congruência social e (ii) consistência sistêmica. Assim, quando o precedente carecer de dupla coerência, ele estará violando os princípios básicos que sustentam a regra do stare decisis - a segurança jurídica e a igualdade - deixando de autorizar a sua replicabilidade. Nesse cenário, o precedente deverá ser superado.” (MITIDIERO, 2015, p. 379);

“(...) overruling é a técnica através da qual um precedente perde a sua força vinculante e é substituído (overruled) por outro precedente. O próprio tribunal que firmou o precedente pode abandoná-lo em julgamento futuro, caracterizando o overruling. Assemelha-se à revogação de uma lei por outra.” (DIDIER; BRAGA; OLIVEIRA, 2015, p. 494).

50 Uma vez verificado que o entendimento incorporado por Súmula não mais prevalece, incumbe à Comissão Permanente de Jurisprudência propor ao Órgão Especial o cancelamento do Enunciado, conforme se extrai dos arts. 336. e 337, parágrafo único, do Regimento Interno do TJ/SC:

Art. 336. A edição, a revisão e o cancelamento de enunciados de súmula caberão ao Órgão Especial, à Seção Criminal, aos grupos de câmaras de direito civil, de direito comercial e de direito público, ou à Câmara de Recursos Delegados, conforme competências estabelecidas neste regimento.

Art. 337, Parágrafo único. A Comissão Permanente de Jurisprudência, por seu presidente e segundo o mesmo procedimento, poderá também propor a edição ou a revisão de enunciado de súmula quando verificar que os órgãos julgadores não divergem na interpretação do direito, ou seu cancelamento quando o entendimento não mais prevalecer.

Regimento disponível em: https://www.tjsc.jus.br/documents/10181/1068287/NOVO+Regimento+Interno+do+TJSC/6eca2286-50ff-427e-993f-0eadb7656f99. Acesso em: 15 out. 2019.


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