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Por uma postura jurídica mais profissional

Por uma postura jurídica mais profissional

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Há poucos dias, numa ida ao fórum do Rio de Janeiro, ouvi algumas histórias desinteressantes relativas ao uso da nossa profissão.

A primeira delas é que um colega havia impetrado ação de habeas corpus, para liberar um carro preso no Detran.

 A segunda foi o mandado de segurança com que o advogado entrou, na ação de impeachment contra o Governador do Estado do Rio de Janeiro, processado sob a alegação de haver cometido crime de responsabilidade.

A terceira foi a foto de um famoso causídico de Brasília, que estava circulando de bermudas dentro do Supremo Tribunal Federal.

Esses três fatos mostram total desrespeito pelos ritos processuais e pelo devido zelo necessário para o exercício da profissão.

Chamo isso de falta de amor pela liturgia jurídica da profissão.

Liturgia é a compilação de ritos e cerimônias relativas aos ofícios divinos das igrejas cristãs. Mesmo que essa palavra se aplique mais a missas ou a rituais da igreja católica, o termo tem uma abrangência muito além da religião, pois não deixa de ser um trabalho público.

Ora, a advocacia é uma tarefa que se realiza na presença de várias pessoas e a sua atividade é um ato eminentemente litúrgico.

Esse ato público, exercido por  um mlhão de profissionais do direito em todo o Brasil, exige não somente um preparo intelectual e literário para redigir petições mas também um cuidado com a função jurisdicional, com os atos processuais e com os procedimentos especiais.


Habeas corpus

O habeas corpus é concedido sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção por ilegalidade ou abuso de poder. O artigo 5º, inciso  LXVIII, da Constituição, usa o pronome indefinido alguém, ou seja, alguma pessoa. Carro preso no Detran é um veículo aprisionado, um bem material, e não uma pessoa.

Muito triste portanto  a utilização desse remédio constitucional para um uso totalmente inadequado, pois se trata de algo elencado nos direitos e garantias fundamentais do homem, direitos esses inatos, absolutos, invioláveis, intransferíveis e imprescritíveis.


Mandado de segurança

 Sem entrar no mérito de ser ou não justo o pedido de impeachment do Governador do Estado do Rio de Janeiro, o fato é que a  Assembleia Legislativa por 69 (sessenta e nove) votos a zero autorizou a sua abertura, cujo processo é guiado pelas regras da Lei 1.079, de 10-4-1950, que define os crimes de responsabilidade.  

Convenhamos que, se existe uma lei específica para tratar do rito processual desse caso concreto, se tornou risível o requerimento da concessão do mandado de segurança para travar seu prosseguimento. Ainda bem que o Tribunal de Justiça indeferiu o pedido de suspensão de Witzel, para parar o processo iniciado na Alerj.

 O mandado de segurança é concedido para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público. O artigo 5º, inciso LXIX, é taxativo, ao explicar que ele tem o objetivo de corrigir ato ou omissão ilegal ou decorrente de abuso de poder.

O direito invocado, para ser amparado por mandado de segurança, há de vir expresso na norma legal e trazer em si todos os requisitos e condições de sua aplicação ao impetrante.

Lamentável a utilização desse remédio constitucional com natureza de ação civil, posto à disposição de titulares de direito líquido e certo.  


De bermudas no S.T.F.   

A jurisdição constitucional surgiu historicamente como um instrumento  de defesa da Constituição, não da Constituição considerada como um puro nome, mas da Constituição tida como expressão de valores sociais e políticos.

Assim  o Supremo Tribunal Federal é o órgão de cúpula do Poder Judiciário, e a ele compete, precipuamene, a guarda da Constituição, conforme está no seu artigo 102.

O respeito pelo órgão máximo do Poder Judiciário deve ser uma liturgia para o profissional do direito.

O vocábulo liturgia, em grego, formado pelas raízes leit- (de "laós", povo) e -urgía (trabalho, ofício) significa serviço ou trabalho público. Por extensão de sentido passou a significar também, no mundo grego, o ofício religioso, na medida em que a religião no mundo antigo tinha um caráter de posição elevada.

A foto que me apresentaram mostra um advogado famoso e muito conhecido em Brasília circulando de bermudas pelo S.T.F., como se estivesse em sua casa.

Postura é maneira de andar, de se locomover, de se comportar: “alguém, além de bonito, tinha uma postura sedutora”.  No sentido figurado mostra uma atitude, um modo de agir: “não tinha a verdadeira postura de um pai”.

A sua ausência pode ser considerada como uma falta de decoro, de decência, de comedimento, de compostura.

No Congresso Nacional fala-se de decoro parlamentar, isto é, o padrão decomportamento ético que se espera de um parlamentar.

O artigo 55, parágrafo 1º, da Constituição, declara que é “incompatível com o decoro parlamentar, além dos casos definidos no regimento interno, o abuso das prerrogativas asseguradas a membro do Congresso Nacional ou a percepção de vantagens indevidas”.

Essa foto inspira sentimento de pena ou compaixão; é algo lamentoso e lastimoso, pois o advogado só é “inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei” (CF, artigo 133).

N. do A. – Foram utilizadas aqui algumas ideias retiradas da própria Constituição da República Federativa do Brasil.


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