Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/84656
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

O que é Gaslighting? Saiba se você está sofrendo deste abuso

Conheça esta forma de abuso psicológico, seus sintomas, consequências e entenda a aplicação da Lei Maria da Penha nestes casos

O que é Gaslighting? Saiba se você está sofrendo deste abuso. Conheça esta forma de abuso psicológico, seus sintomas, consequências e entenda a aplicação da Lei Maria da Penha nestes casos

Publicado em . Elaborado em .

O que é Gaslighting? Como posso saber se estou sendo vítima? Qual a origem do termo? A aplicação da Lei Maria da Penha nestes casos O que posso fazer se eu for vítima?

O que é Gaslighting? 

Gaslighting é uma forma de abuso psicológico que ocorre principalmente no âmbito de relações afetivas. Trata-se, em suma, da distorção e omissão de informações a ponto de fazer com que a vítima duvide de sua percepção, memória e até sanidade mental, com a finalidade de manipulação.

Esta forma de abuso é mais difícil de ser detectada e pode causar na vítima, sem que esta perceba, problemas como ansiedade, depressão, baixa auto-estima, esgotamento psicológico e até anulação social.

Embora o gaslighting possa ocorrer também fora do âmbito de um relacionamento amoroso, em geral, para que o abuso tenha efeito, é necessário que a opinião do abusador seja relevante para a vítima. Desta forma, o abuso tem maior facilidade de ocorrer quando a vítima tem afeto por quem o comete.



Como posso saber se estou sendo vítima de Gaslighting?

Todos já escutaram alguma piada baseada na crença popular de que as mulheres muitas vezes são loucas e psicologicamente instáveis. Ocorre que, em verdade, esta mulher pode ter sido vítima de algum tipo de abuso psicológico, dentre eles o gaslighting.

Se o seu parceiro frequentemente cria mentiras e distorções, como: “você está exagerando!”, “você não viu tal coisa!”, “eu nunca te disse isso!”, “você está criando coisas na sua cabeça”, “você entendeu errado”, eis um sinal vermelho para a possibilidade de estar sendo vítima de gaslighting.

Falsas demonstrações de melhoria e arrependimento também são bastante comuns neste tipo de abuso. Para ter a vítima sobre controle, o abusador costuma lhe dar doses paulatinas de esperança de um relacionamento melhor no futuro.

Diminuição das conquistas da vítima e desprezo por seus planos futuros são muito recorrentes nestes casos. O Abusador, na maioria das vezes de forma sutil, busca sempre convencer a vítima de que seus planos são bobagem, que suas ideias nunca se concretizarão, que ela não é capaz de fazer nada sozinha. E a solução? Ele! Que sempre se apresenta como o salvador, inteligente, aquele que resolve todos os problemas, que tem um trabalho do qual a vítima não entende.

Quando a vitima já está sofrendo as consequências do gaslighting, o abusador passa a dizer aos outros que a vítima está louca, instável e que precisa de ajuda. A vítima, de tanto ter sua percepção questionada e contestada pelo abusador, passa a ter dúvidas de sua saúde psicológica. Costuma sentir-se culpada por manifestar opiniões ou fazer questionamentos.

A vítima passa então a acreditar que suas ideias não são boas e que é a culpada pelo relacionamento não estar indo bem. Em casos mais graves a vítima, de tento ser tratar como louca, passa a se comportar como tal, e assim se comportando acaba por corroborar o tratamento dispensado pelo agressor.

O gaslighting pode ou não vir acompanhado de outras formas de abuso, como traições, castração financeira, sentimento de posse e até violência verbal ou física.



Qual a origem do termo?

O termo em inglês vem da junção das palavras Gas (Gás) e Light (Luz). Ele teve origem em 1938 com a peça teatral de nome “Gas Light” do dramaturgo britânico Patrick Hamilton, que foi adaptada ao cinema em 1944.

Na peça o marido tenta manipular a esposa apagando e acedendo as luzes da casa do casal, que eram movidas a gás, fazendo com que a mesma pensasse que enlouqueceu, na intenção de ficar com o dinheiro do casal para si. O filme de 1944, baseado na peça, foi indicado a 7 Oscars, ganhando 2.



A aplicação da Lei Maria da Penha em casos de Gaslighting

Quando se fala em Lei Maria da Penha, automaticamente pensamos em violência física, porém a Lei prevê expressamente em seu artigo 7º,II o sofrimento psicológico como conduta de violência doméstica.

Segundo o artigo, qualquer conduta que cause dano emocional e diminuição da autoestima, que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação, são formas de violência doméstica e familiar contra a mulher.

Nestes casos, embora não seja de conhecimento geral, a vítima tem total cobertura da lei. Porém, em verdade, até mesmo a vítima de agressão física (com marcas) enfrenta hoje grande dificuldade de denunciar seu agressor.

Delegacias não especializadas em violência doméstica muitas vezes se negam a lavrar o B.O., não sendo raros os casos em que a vítima sofre de zombaria e humilhação por parte dos policiais. Se isso ocorre em casos onde há violência física, a situação se agrava ainda mais quanto se fala em casos de violência moral e psicológica.



O que posso fazer se eu for vítima de Gaslighting? 

O primeiro passo para ver livre do abuso é identificar que ele está ocorrendo, o que é tarefa nada fácil! A vítima, na maioria das vezes, tende a não acreditar que o homem que ama a estaria manipulando, caindo em negativa e tornando muito difícil sair da situação.

Somente após perceber que está sendo vítima de manipulação é que a mulher tem condições de reagir.

Após reconhecer que está sendo vítima de abuso, diversas medidas podem ser tomadas. Com a ajuda de um advogado a vítima pode, sem precisar se expor indo até uma delegacia, solicitar a separação imediata de corpos, o divórcio ou dissolução da união estável, medidas protetivas (como proibição do abusador de se aproximar da vítima), indenização por danos morais e até instauração de inquérito policial para averiguar o eventual cometimento de crime.

O Professor Capano, no livro Advogando na Lei Maria da Penha, explora o tema e explica com detalhes como atuar em casos de violência doméstica, seja ela física, moral, sexual ou psicológica. O livro ensina passo a passo como proceder juridicamente nestes casos.



O Gaslighting é a única forma de abuso psicológico que posso sofrer em um relacionamento?

Não! Existem diversas outras formas de abuso que vão muito além de agressões físicas e verbais. Em suma, qualquer atitude, mesmo sutil, que acabe por manipular, diminuir, enganar ou humilhar são consideradas abusivas.

Alguns exemplos são: Tomar decisões importantes na vida do casal, como viagens e aquisição e venda de bens sem consultar a parceira ou ignorando seu posicionamento; Diminuir suas realizações; Responsabilizá-la por todos os problemas; atribuir a ela a responsabilidade total sobre a criação dos filhos e manutenção e limpeza da casa (principalmente quando ambos trabalham) ou até criar cenas de ciúmes que a impeçam de ter uma vida normal.

É importante ter em mente que, em um relacionamento amoroso, principalmente quando se há intenção de constituir família, os dois parceiros devem ter o mesmo peso e importância. Portanto, qualquer atitude que demonstre poder excessivo de um sobre o outro ou o sentimento de que um parceiro teria mais “direitos” que o outro é abusiva.

Cada casal tem seu jeito de se relacionar, seus gostos e suas regras. Por isso, é difícil determinar, de acordo com nossas próprias regras, o que seria certo ou errado. Há casais que moram juntos, separados, casais monogâmicos, de poliamor, de relacionamento aberto e todas as formas são válidas, desde que seja acordado entre aqueles que participam. Qualquer atitude que tire o poder de decisão do outro sobre a sua própria vida ou sobre como gostaria de se relacionar é abusiva. 



Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelo autor. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi.