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Tribunais e a Obrigatoriedade do poder público de fornecer medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS

Courts and the Obligation of the public power to supply medicines not incorporated in normative acts of the SUS

Tribunais e a Obrigatoriedade do poder público de fornecer medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS. Courts and the Obligation of the public power to supply medicines not incorporated in normative acts of the SUS

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PALAVRAS-CHAVES:

Fornecimento de medicamentos aos hipossuficientes; Decisões Judiciais; Intervenção Judicial; Limites à tutela jurisdicional.

WORDS KEY:

Provision of medicines to the hyposufficient; Court rulings; Judicial intervention; Limits on judicial protection.

RESUMO:

O  presente  estudo  tem  como  objetivo  analisar  a  jurisprudência  dos Tribunais Superiores – Supremo Tribunal Federal (STF) e Superior Tribunal de Justiça (STJ) – em teses emitidas com repercussão geral e recurso especial repetitivo respectivamente,  que tratam da obrigação pelo Poder Público de fornecimento de medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS, de modo a verificar a pacificação de tema tão debatido dentro do Poder Judiciário. A pesquisa foi feita com base em recursos que fixem teses obrigatórias aos demais órgãos jurisdicionais, de forma a privilegiar tratamento igualitário às decisões, e, por consequência, dirimam conflitos antigos existentes nas dadas a diversidade casuística casos postos em julgamento. Essa análise parte de entendimento consolidados, segundo art. 927 do Código de Processo Civil, o qual permitiu a criação da seguinte tipologia de motivos empregados pelas Cortes Superiores: (i) intervenção fundada no direito fundamental à saúde, dever do Estado, corolário do direito à vida  (ii)  limite à tutela jurisdicional diante do Princípio da Separação dos Poderes e a proteção à segurança e à coletividade do registro do medicamento na Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA;  (iii) fundamento aos condicionamentos impostos pelos Tribunais Superiores; (iv) intervenção fundamentada na legislação e na regulamentação específicas que norteiam os planos de saúde. Como resultado da pesquisa realizada, foi possível concluir que a intervenção judicial fundada no direito fundamental à saúde dever-se-á pautar no registro do medicamento na ANVISA, ou, ao menos, no seu pedido, quando, então, o fornecimento dependerá do preenchimento de requisitos, fixados pelo Supremo Tribunal Federal, e comprovação da mora pela própria agência em sua análise.

ABSTRACT

This study aims to analyze the jurisprudence of the Superior Courts - Supreme Federal Court (STF) and Superior Court of Justice (STJ) - in theses issued with general repercussion and repetitive special appeal respectively, which deal with the obligation by the Government to provide medicines not incorporated in normative acts of the SUS, in order to verify the pacification of a theme so debated within the Judiciary. The research was based on a population of resources that set out mandatory theses to the other courts. This analysis of understanding consolidated, according to art. 927 of the Code of Civil Procedure, allowed the creation of the following typology of motives employed by the Superior Courts: (i) intervention based on the fundamental right to health, duty of the State, corollary of the right to life (ii) limit to judicial protection under the Principle the Separation of Powers and the protection of the safety and collectivity of drug registration with the National Health Surveillance Agency - ANVISA; (iii) grounds for the conditions imposed by the Superior Courts; (iv) intervention based on specific laws and regulations that guide health plans. As a result of the research, it was possible to conclude that judicial intervention based on the fundamental right to health should be based on the registration of the drug with ANVISA, or, at least, on its request, when, then, the supply will depend on the fulfillment. requirements, set by the Federal Supreme Court, and proof of default by the agency itself in its analysis.

I. A intervenção judicial no fornecimento de medicamentos pelo Poder Público:

Após análise das decisões paradigmas, identificou-se variáreis que justificaram a intervenção judicial no fornecimento de medicamentos gratuitos ofertados ao tratamento de vulneráveis pelo Sistema Único de Saúde – SUS.

São fundamentos usados:

A. Princípios: Separação dos Poderes e do direito à vida e, por consequência, à saúde.

B. Tese n. 106 do Superior Tribunal de Justiça e Tese n. 500 do Supremo Tribunal Federal.

C. Legislação e regulamentação Constituição Federal de 1988; Lei Federais n. 13.105/2015, 8.080/1991, 12.401/2011; e Jornadas de Direito da Saúde, realizadas pelo Conselho Nacional de Justiça.

1. Introdução:

O direito à saúde pertence ao gênero dos direitos fundamentais, indissociável ao bem jurídico da vida, insculpido nos arts. 5º, caput, e 196 da CF. É direito de todos e dever do Estado, executado por meio de seus entes federativos, de maneira concorrente e solidária, garantido através de políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos, do acesso universal e igualitário às ações e serviços, para sua promoção, proteção e recuperação.

O Poder Judiciário, fundado nesses direitos, tem, por diversas vezes, interferido na Administração Pública e em sua política nacional de escolha, aquisição e fornecimento de medicamentos gratuitos pelo Sistema Único de Saúde - SUS. Em recorrentes julgamentos, cujo tema são o fornecimento de medicamentos aos hipossuficientes, discute-se o tratamento e o uso de medicamento fora da lista daqueles distribuídos pelo sistema público de saúde.

Neles, o princípio da Separação dos Poderes - utilizado como argumento refratário a estas decisões - é sempre ponderado quando em confronto aos direitos fundamentais, como assente as posições do Tribunais Superiores, in verbis:

“Seria distorção pensar que o princípio da separação dos poderes, originalmente concebido com o escopo de garantia dos direitos fundamentais, pudesse ser utilizado justamente como óbice à realização dos direitos sociais, igualmente relevantes.” (STJ. 2ª Turma. REsp 1.488.639/SE, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe 16/12/2014).

É a posição também do STF:

“(...) É firme o entendimento deste Tribunal de que o Poder Judiciário pode, sem que fique configurada violação ao princípio da separação dos Poderes, determinar a implementação de políticas públicas nas questões relativas ao direito constitucional à saúde. (...)” (STF. 1ª Turma. ARE 947.823 AgR, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 28/6/2016).

Inclusive, é debatido amplamente pela doutrina, em diferentes aspectos relacionados a garantia do direito à saúde, como se pode asseverar:

“Assim, embora diretamente decorrente de outro desafio, o medicamento, o sistema sanitário brasileiro enfrenta ainda o grave problema da chamada judicialização da saúde. De fato, alicerçadas na afirmação constitucional de que a saúde é direito de todos e dever do Estado, as pessoas começaram a demandar no Judiciário os medicamentos que não eram oferecidos pelo SUS e também pelo sistema supletivo de assistência médica, e as decisões judiciais, com a mesma fundamentação passaram a obrigar, SUS e SSAM, a entrega-los. O desafio é, então, encontrar o equilíbrio entre os argumentos da Administração – que podem ser resumidos ao descontrole orçamentário introduzido por estranhos ao processo da política pública regularmente desenvolvido – e aqueles dos demandantes que reivindicam o medicamento como parte de seu direito humano à saúde”. [1]

De fato, prepondera na Constituição Federal de 1988 grande amplitude legislador de emitir normas abstratas e genéricas de conduta – livre espaço de conformação., inclusive de cunho social, na definição da forma e medida de sua proteção. Isso se justifica pela forma democrática de governo adotada.

Cabe ao povo, por meio das diversas escolhas periódicas e eletivas, durante o processo pluralista e histórico, escolher entre diversas formas de concretização desses direitos. Fatores econômicos, sociais, culturais e ambientais serão adotados nesta tomada de decisão, através do Congresso Nacional.

De início, a atividade do Poder Judiciário, órgão inerte e imparcial é não interferir neste processo, apenas atuando negativamente, para coibir excessos, contrários as liberdades públicas. Porém, diante da insofismável insuficiência dos Poderes Executivo e Legislativo em conceder o mínimo vital ao público, principalmente, na área de saúde, exsurge o ativismo judicial a combatê-la.

Inclusive, essa é a constatação do autor Andreas Joachim Krell, in verbis:

“A eficácia dos Direitos Fundamentais Sociais a prestações materiais depende, naturalmente, dos recursos públicos disponíveis; normalmente, há uma delegação constitucional para o legislador concretizar o conteúdo desses direitos. Muitos autores entendem que seria ilegítima a conformação desse conteúdo pelo Poder Judiciário, por atentar contra o princípio da Separação dos Poderes (...).

“Muitos autores e juízes não aceitam, até hoje, uma obrigação do Estado de prover diretamente uma prestação a cada pessoa necessitada de alguma atividade de atendimento médico, ensino, de moradia ou alimentação. Nem a doutrina nem a jurisprudência têm percebido o alcance das normas constitucionais programáticas sobre direitos sociais, nem lhes dado aplicação adequada como princípios-condição da justiça social.

“A negação de qualquer tipo de obrigação a ser cumprida na base dos Direitos Fundamentais Sociais tem como conseqüência a renúncia de reconhecê-los como verdadeiros direitos. (...) Em geral, está crescendo o grupo daqueles que consideram os princípios constitucionais e as normas sobre direitos sociais como fonte de direitos e obrigações e admitem a intervenção do Judiciário em caso de omissões inconstitucionais." [2]

Desse modo, é com base na justiça social que a linha de tratamento do Sistema Único de Saúde – SUS - é questionada pelos usuários do sistema. Juízes, galgados na superação das injustiças e na promoção do mínimo existencial, concedem pedidos que demandam à prestação de serviços públicos de saúde diversos dos padrões. São compostos, marcas, produtos e tratamento que, por algumas vezes, prejudicam ao êxito do norte traçado pela política de medicamentos decidida pela Administração Pública.

Demandas judiciais sobre saúde cresceram na margem de 1.300% de 2008 a 2015. Neste período de oito anos, as despesas do Ministério da Saúde com o cumprimento de decisões judiciais para a aquisição de medicamentos aumentaram de R$ 70 milhões para R$ 1 bilhão. [3]

De acordo com o Acórdão n. 1787, de 2017 do TCU, a maior parte dos gastos com medicamentos judicializados do Ministério da Saúde são de fármacos não oferecidos pelo SUS. Os Tribunais com maior número de demandas sobre a questão são o de São Paulo, Rio Grande do Sul e Minas Gerais. [4]

Os entes federados afirmam que privilegiar o atendimento de um único indivíduo compromete a política pública de saúde desenvolvida, cujo desiderato é a universalização do serviço de fornecimento de fármacos com eficiência, em prejuízo, assim, aos demais cidadãos em geral. Ademais, debilitaria investimentos nos demais serviços de saúde e em outras áreas, como segurança e educação; o planejamento orçamentário; e, por fim, a esbarrar no princípio da reserva do possível.

 Por outro lado, a Constituição Federal impôs aos entes federados o dever de prestar essas atividades, de forma que o efeito negativo nas escolhas administrativas se sentiu nas diversas esferas de governo, o que trouxe aos Tribunais Superiores a discussão sobre os limites da atuação do Poder Judiciário e seus membros, sem prejuízo de seu amplo acesso pelos jurisdicionados na hipótese de lesão ou ameaça a direito (art. 5º, inc. LVI, da Constituição Federal).

Vale lembrar a repartição de competências ocorre com fulcro no princípio da preponderância de interesses, isto é, se nacionais, a competência é da União; se estaduais, a competência é estadual; e assim sucessivamente. [5]

Há também a critério divisor de horizontalidade e verticalidade. No primeiro, as competências se definem estanques a cada ente federativo; em contraposição ao vertical, em que se exercem em cooperação – “condomínio de competência” – , com lei geral da União; e suplementar aos Estados e DF.

Saúde se classifica como competência comum aos entes federais (art. 23, inc. II, da CF). Constituem-se de forma hierarquizada, descentralizada e única, com normas gerais nacionais editadas pela União; regionais aos Estados e DF; e locais, Municípios. E a omissão de um ente superior dentre sistema hierárquico não leva à inação do inferior, senão abre margem à concretização local por inteiro. [6]

2. Abordagem legislativa:

O direito à saúde é estabelecido pelo artigo 196 da Constituição Federal como (1) direito de todos e (2) dever do Estado, (3) garantido mediante políticas sociais e econômicas (4) que visem à redução do risco de doenças e de outros agravos, (5) regido pelo princípio do acesso universal e igualitário (6) às ações e serviços para a sua promoção, proteção e recuperação.

Para cumprir a tais deveres de prestação serviços, o Estado criou o Sistema Único de Saúde – SUS -, cuja disciplina está contida na Lei n. 8.080, de 19 de setembro de 1990.

Em seu art. 6º, há a enumeração de atividades acometidas solidariamente às esferas federativas componentes do sistema, dentre elas:

“Art. 6º Estão incluídas ainda no campo de atuação do Sistema Único de Saúde (SUS):

I - a execução de ações:

a) de vigilância sanitária;

b) de vigilância epidemiológica;

c) de saúde do trabalhador; e

d) de assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica) de assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica...”. (g.n)

No entanto, restringiu-se essa assistência farmacêutica a um pressuposto, relacionado justamente a atividade de polícia administrativa de vigilância sanitária, prevista na alínea a, do inciso I, do referido dispositivo. [7]

Com efeito, a Administração Pública criou uma autarquia, pela Lei nº 9.782, de 26 de janeiro de 1999, cuja sua missão é: "Promover e proteger a saúde da população e intervir nos riscos decorrentes da produção e do uso de produtos e serviços sujeitos à vigilância sanitária, em ação coordenada com os estados, os municípios e o Distrito Federal, de acordo com os princípios do Sistema Único de Saúde, para a melhoria da qualidade de vida da população brasileira.”  [8]

Nesse diapasão, a legislação impõe ao fornecimento de medicamentos pelo SUS o seu registro na ANVISA, nos termos do artigo 19-T da Lei 8.080/1990, in verbis:

“Art. 19-T. São vedados, em todas as esferas de gestão do SUS:

 I - o pagamento, o ressarcimento ou o reembolso de medicamento, produto e procedimento clínico ou cirúrgico experimental, ou de uso não autorizado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA;

II - a dispensação, o pagamento, o ressarcimento ou o reembolso de medicamento e produto, nacional ou importado, sem registro na Anvisa” (g.n.). [9]

Assim, ante da ausência de registro na Agência de Vigilância Sanitária - ANVISA, em regra, o Estado não pode ser compelido a fornecer por decisão judicial medicamentos experimentais, ou ainda, se inexistir indicação contida da bula ao tratamento prescrito ao usuário, diante do sistema adotado pelo Estado de freios e contrapesos – Separação de Poderes (art. 2º, da Constituição Federal).

Isso se justifica porquanto há presunção legal e relativa de sua insegurança e, inclusive, inefetividade frente à moléstia sofrida pelo administrado nestas circunstâncias, ou ainda, de que de prejuízo ao mercado interno de medicamentos brasileiro. Ademais, no processo de registro do fármaco, pressupõe-se que houve submissão a estudos clínicos que comprovaram a sua qualidade, a sua efetividade e a sua segurança.

Com efeito, o dispositivo em comento prescreve duas proibições distintas.

No inciso I, há vedação ao pagamento, ao ressarcimento ou ao reembolso pelo SUS de medicamento fora do uso autorizado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA. Assim, se o tratamento não consta da bula e recebeu aprovação pelo registro no referido órgão, inexiste o dever à Administração Pública.

Por outro lado, o inciso II determina impedimento à dispensa, ao pagamento, ao ressarcimento ou reembolso pelo SUS de medicamento que não tenha ainda sido registrado na referida agência reguladora federal.

Ocorre que médicos de todo Brasil prescrevem medicamentos novos a doenças antes sem cura, inclusive, tratamento novos, mais efetivos e adequados a outras. Essa evolução na ciência médica sucede por meio de pesquisa, projetos, discussões e trabalhos no meio acadêmico, a que se beneficia, em concorrência, a indústria farmacêutica. Essa inovação é mundial e não está adstrita ao interregno de procedimentos administrativos de registro em órgão administrativos, o que cria atraso com aptidão a prejudicar vidas.

Os Tribunais Superiores, com a finalidade de delimitar a abrangência das decisões jurisdicionais concessivas de medicamentos, traçaram linhas para evitar abusos ou medidas prejudiciais à política pública de medicamentos. É o que se passa a examinar a seguir.

3.1. Precedentes introdutórios

Antes de se tratar dos precedentes hodiernos, balizas à concessão de medicamentos, analisar-se-á os anteriores grandes julgamentos sobre o tema.

Insta abordar, em proêmio, a relevância dos precedentes está na busca de isonomia nas decisões judiciais, segurança jurídica e celeridade aos jurisdicionados. A despeito de o Brasil adotar o sistema da civil law, os precedentes visam à uniformidade e à coerência da atuação do Poder Judiciário. Caso fosse pautado por aleatoriedade os pleitos propostos, a confiança na Justiça seria prejudicada e os processos, casuisticamente resolvidos. [10]

O primeiro deles é Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 45, do Distrito Federal, relator Ministro Celso de Mello. Nele, o Supremo Tribunal Federal assentou a possibilidade de as autoridades jurisdicionais interferirem em políticas públicas da Administração, sem que haja violação a Separação de Poderes:

“EMENTA: Argüição de descumprimento de preceito fundamental. A questão da legitimidade constitucional do controle e da intervenção do poder judiciário em tema de implementação de políticas públicas, quando configurada hipótese de abusividade governamental. Dimensão política da jurisdição constitucional atribuída ao supremo tribunal federal. Inoponibilidade do arbítrio estatal à efetivação dos direitos sociais, econômicos e culturais. Caráter relativo da liberdade de conformação do legislador. Considerações em torno da cláusula da "reserva do possível". Necessidade de preservação, em favor dos indivíduos, da integridade e da intangibilidade do núcleo consubstanciador do "mínimo existencial". Viabilidade instrumental da argüição de descumprimento no processo de concretização das liberdades positivas (direitos constitucionais de segunda geração)”.

Posteriormente, a mesma Suprema Corte definiu que, a despeito de existir direito ao fornecimento de medicamentos pelo Poder Público, este deve garantir a segurança a seu consumo. De fato, se o que está prescrito levar a prejuízo ao direito de saúde, será um engodo ao bem-estar humano. Por isso, cabe a ANVISA e demais órgãos, munidos de atribuição para tanto, proteger a população.

Em medida cautelar de Ação Direita de Inconstitucionalidade n. 5.501-DF, o relator, Min. Marco Aurélio, assim se pronunciou o Excelso Tribunal:

“SAÚDE – MEDICAMENTO – AUSÊNCIA DE REGISTRO. Surge relevante pedido no sentido de suspender a eficácia de lei que autoriza o fornecimento de certa substância sem o registro no órgão competente, correndo o risco, ante a preservação da saúde, os cidadãos em geral”. [11] 

Neste ponto, examinar-se-á jurisprudência que definiu a responsabilidade pelo fornecimento de medicamentos, bem como os limites os alicerces às futuras decisões concessivas destes pelas autoridades jurisdicionais.

3.2. Primeira abordagem judicial.

Superior Tribunal de Justiça, a fim de evitar distorções deletérias às políticas públicas da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, lesivas ao fornecimento de tratamentos como um todo, em recurso especial repetitivo procurou traçar um norte ao fornecimento de medicamentos não incorporado ao Sistema Único de Saúde  -  SUS, por meio de seus atos normativos. Sua eficácia objetiva, então, se destina a decisões judiciais que se relacionem ao fármaco aprovado ou não pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA, de alto custo ou não.

Entretanto, quando a Corte fixou a tese, com os requisitos à concessão judicial de medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS, em sua modulação de efeitos, determinou a observância a somente processos distribuídos, em específico, a partir da data do julgamento (STJ. 1ª Seção. REsp 1.657.156-RJ, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 25/04/2018 - recurso repetitivo).

São exigências ao fornecimento de medicamento não incorporados pelo SUS, in verbis:

“exige a presença cumulativa dos seguintes requisitos:

(i) Comprovação, por meio de laudo médico  fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do  medicamento,  assim  como  da  ineficácia,  para o tratamento da moléstia,  dos  fármacos  fornecidos  pelo  SUS;

(ii)  incapacidade financeira  de  arcar  com  o  custo do medicamento prescrito;

(iii) existência de registro na ANVISA do medicamento”.

Por conseguinte, é vedada a tutela judicial ao usuário, com base no Princípio da Separação dos Poderes e, a partir de então, na força vinculante do recurso especial repetitivo, julgado pelo Superior Tribunal de Justiça, segundo aos arts. 2º da Constituição Federal; e 927, inciso II, do Código de Processo Civil.

Considerou-se, no teor da íntegra da decisão, que o registro do medicamento na ANVISA é meio apto a se garantir proteção à saúde pública, visto que atesta sua eficácia, segurança e qualidade, além de assegurar o devido controle dos preços no mercado. Assim, é imprescindível à segurança pessoal do jurisdicionado enquanto pessoa, da sociedade e do mercado de fármacos no País, não podendo ser afastado pelo risco presumido engendrado.

3.3. Segunda abordagem judicial.

Em julgamento recente, publicado no Informativo n. do STF, Tema n. 500 do STF, considerou-se exceção à aprovação do medicamento pela ANVISA, em situações em que o direito à saúde do indivíduo prepondera sobre a política traçada pela Administração Pública e da Tese n. 106 do STJ.

Fixou a Suprema Corte o seguinte entendimento em Recurso Extraordinário, com repercussão geral aprovada, in verbis:

 “1. O Estado não pode ser obrigado a fornecer medicamentos experimentais. 2. A ausência de registro na ANVISA impede, como regra geral, o fornecimento de medicamento por decisão judicial. 3. É possível, excepcionalmente, a concessão judicial de medicamento sem registro sanitário, em caso de mora irrazoável da ANVISA em apreciar o pedido (prazo superior ao previsto na Lei n. 13.411/2016), quando preenchidos três requisitos: (i) a existência de pedido de registro do medicamento no Brasil (salvo no caso de medicamentos órfãos para doenças raras e ultrarraras);(ii) a existência de registro do medicamento em renomadas agências de regulação no exterior; e (iii) a inexistência de substituto terapêutico com registro no Brasil. 4. As ações que demandem fornecimento de medicamentos sem registro na ANVISA deverão necessariamente ser propostas em face da União” (g.n.).

Excepcionalmente, então, é permitido o provimento à demanda judicial em que o autor pleiteia, diante de mora injustificável da ANVISA na aprovação ou desaprovação de medicamento. O prazo deve ser, no entanto, superior ao previsto na Lei 13.411/2016 (salvo medicamentos órfãos para doenças raras e ultrarraras), cumpridos os seguintes requisitos:

1. existência de pedido de registro do medicamento no Brasil;

2. existência de registro do medicamento em renomadas agências reguladoras estrangeiras;

3. a inexistência de substituto terapêutico no Brasil.

A mora na análise do medicamento está definida na Lei n. 13.411/2016, que alterou a Lei n. 6.360/1976 (Lei que trata da vigilância sanitária) e Lei n. 9.782/ 1999 (cujo conteúdo trata da ANVISA).

O pedido de aprovação será examinado no prazo máximo conferido à decisão final nos processos de registro perante a agência:

I - para a categoria prioritária, de 120 dias e de 60 dias, contados a partir da data do respectivo protocolo de priorização;

II - para a categoria ordinária, de 365 dias e de 180 dias, contados a partir da data do respectivo protocolo de registro.

Esses lapsos temporais poderão ser prorrogados por até um terço do prazo original, uma única vez.

3.1. Aos medicamentos experimentais, o STF entendeu inexistente justificativa para se impor ao Poder Público à sua aquisição a pacientes, pois não existe comprovação técnica de sua eficácia, seja na ANVISA ou entidade internacional respeitável. Dessa forma, poderia colocar em risco a vida das pessoas, ou então, a ineficácia, o que resultaria em perda de tempo em tratar da doença. Frente a possível progressividade dessa, a demora no tratamento é deletéria, quando poder-se-ia utilizar técnicas comprovadamente eficazes.

4. Responsabilidade pelo fornecimento:

O STF, no tema n. 793, avançou ao fixar a responsabilidade solidaria, nos termos do art. 23, inciso II da Carta Magna, nas demandas prestacionais na área de saúde, diante da competência comum dos entes da Federação ao fornecimento de medicamentos e o custeio de tratamento médico adequado aos necessitados. Estes, em razão da complexidade da divisão de funções entre a União, os Estados e os Municípios, não têm ciência de a quem requerer tratamento ou medicamento. Por consequência, à autoridade judicial cabe direcionar o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro.

Inclusive, de acordo com enunciado 60, da II Jornada de Direito da Saúde do Conselho Nacional de Justiça: “Saúde  Pública  – A responsabilidade solidária dos entes da Federação  não  impede  que  o  Juízo,  ao  deferir  medida  liminar  ou  definitiva,  direcione  inicialmente  o  seu  cumprimento  a  um determinado ente, conforme as regras administrativas de repartição de competências, sem prejuízo do redirecionamento em caso de descumprimento.”

Todavia, na hipótese prevista no Tema n. 793 do STF, de o medicamento não ter alcançado registro na ANVISA por mora do próprio órgão, o ingresso no Poder Judiciário deverá ser, em necessário contra a União, na Justiça Federal, sem prejuízo da competência concorrente com o Estado e Município, se não se tratar do Distrito Federal. A razão de ser é o fato de a ANVISA compor a estrutura da Administração Pública Federa e, por conseguinte, a sua mora no exame de medicamento é inimputável aos demais entes federativos. [12]

Conclusão:

O embate da Administração Pública, do Poder Legislativo e dos Tribunais Superiores leva a ponderação dos valores constitucionais, de forma a afetar diretamente políticas públicas.

O fornecimento de medicamentos ao tratamento de vulneráveis é dever do Estado. Porém, neste contexto, há outras considerações a serem orquestradas antes de o magistrado decidir pelo provimento ou não da demanda judicial.

A ANVISA desempenha papel relevante, fixando critério objetivos que a serem seguidos quando o órgão jurisdicional for chamado a examinar casos concretos. A razão de assim ser, é que seu quadro é formado por profissionais técnicos dentro da área, com aptidão fornecer respostas a frente de interesses particulares de pacientes, a ganância ao lucro da indústria farmacêutica, de concatenação da política pública decidida pela Administração Pública, com base na legislação sobre o tema.

Nesta linha, cabe ao Poder Judiciário considerar esse conjunto na aplicação de direitos fundamentais às políticas públicas, justificando-se, especialmente, pelas complexidades do mercado de medicamentos e a análise técnica elaborada pela agência reguladora, pois pressupõe que estes medicamentos, no processo de registro, foram submetidos a estudos clínicos que comprovaram a sua qualidade, a sua efetividade e a sua segurança [13].

Ressalta-se, à evidência, que o interesse público é o da comunidade como um todo, “do conjunto social, nada mais é que a dimensão pública dos interesses individuais, ou seja, dos interesses de cada indivíduo enquanto partícipe da Sociedade (entificada juridicamente no Estado) , nisto se abrigando também o depósito intertemporal destes mesmos interesses, vale dizer, já agora, encarados eles em sua continuidade histórica, tendo em vista a sucessividade das gerações de seus nacionais. Donde, o interesse público deve ser conceituado como o interesse resultante do conjunto dos interesses que os indivíduos pessoalmente têm quando considerados em sua qualidade de membros da Sociedade e pelo simples fato de o serem.”. [14]

Posto isso, conclui-se que, o julgamento pelo do STF no RE 657718/MG, este item “iii” do julgado do STJ deverá ser relido, com o acréscimo de uma exceção. Conquanto se mantenha o primeiro e o segundo itens - quais sejam: o laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos SUS; bem como a incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito -, o terceiro requisito, deve ser interpretado como pressuposto à concessão, in verbis:

“existência de registro do medicamento na ANVISA, observados os usos autorizados pela agência”, podendo, excepcionalmente, haver a concessão judicial de medicamento sem registro sanitário, em caso de mora irrazoável da Anvisa em apreciar o pedido (prazo superior ao previsto na Lei 13.411/2016), quando preenchidos três requisitos:

a) a existência de pedido de registro do medicamento no Brasil (salvo no caso de medicamentos órfãos para doenças raras e ultrarraras);

b) a existência de registro do medicamento em renomadas agências de regulação no exterior; e

c) a inexistência de substituto terapêutico com registro no Brasil’’.[15]

REFERÊNCIAS:

1. DALLARI, Sueli Gandolfi. O Sistema Único de Saúde. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Direito Administrativo e Constitucional. Vidal Serrano Nunes Jr., Maurício Zockun, Carolina Zancaner Zockun, André Luiz Freire (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/172/edicao-1/o-sistema-unico-de-saude

2. KRELL, Andreas Joachim. Direitos Sociais e Controle Judicial no Brasil e na Alemanha, Ed. Fabris, 2002

3. BARCELLOS, Ana Paula de. A Eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais, Renovar, 2002.

4. Audiência expõe complexidade em debate plural sobre judicialização da saúde. Publicada na página do Conselho Nacional de Justiça, em 17.12.19, https://www.cnj.jus.br/audiencia-expoe-complexidade-em-debate-plural-sobre-judicializacao-da-saude/, acessada em 03/12/19.

5. GRUPO I – CLASSE V – Plenário TC 009.253/2015-7 . Relator: Bruno Dantas – data sessão: 16.08.17, Ata: 31/2017.

6. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2010.

 7. GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Direito processual civil, 9ª ed. Saraiva: São Paulo, 2018.

8. Em julgamento no STF, do Recurso Extraordinário n. 1083955/DF, rel. Luiz Fux, julgamento 28.05.19, RE n. 1083955 (Informativo 942, Primeira Turma), traçou-se a seguinte linha, em analogia, à presente situação, in verbis: “O  dever  de  deferência  do  Judiciário  às  decisões  técnicas  adotadas  por  entidades  reguladoras repousa em duas premissas: i) a falta de conhecimento técnico e capacidade institucional de tribunais para decidir  sobre  intervenções  regulatórias,  que  envolvem  questões  policêntricas  e  prognósticos especializados; e (ii) a possibilidade de a revisão judicial ensejar efeitos sistêmicos nocivos à coerência e dinâmica regulatória administrativa. (...). O controle  jurisdicional  deve  cingir-se  ao  exame  da  legalidade  ou  abusividade  dos  atos  administrativos, consoante a firme jurisprudência desta Suprema Corte”.

9. REsp 1657156/RJ, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 25/04/2018, DJe 04/05/2018.

10. Informativo n. 793 do STF: “Ao fixar essa tese de repercussão geral (Tema 793), o Plenário, por maioria e em conclusão de julgamento, rejeitou embargos de declaração em recurso extraordinário,  opostos a decisão  tomada por meio eletrônico que reafirmara jurisprudência da Corte no sentido da responsabilidade solidária dos entes federados  pela  promoção  dos  atos  necessários  à  concretização  do  direito  à  saúde,  tais  como  o fornecimento de medicamentos e o custeio de tratamento médico adequado aos necessitados” (RE 855178 ED/SE, rel. Min. Luiz Fux, 5.8.2015. (RE-855178).

11. Conclusão pautada em “O Poder Judiciário pode determinar que o Poder Público forneça remédios que não estão previstos na lista do SUS?” – Disponível em página: www.dizerodireito.com.br/2018/07/o-poder-judiciario-pode-determinar-que.html.


[1] DALLARI, Sueli Gandolfi. O Sistema Único de Saúde. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Direito Administrativo e Constitucional. Vidal Serrano Nunes Jr., Maurício Zockun, Carolina Zancaner Zockun, André Luiz Freire (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/172/edicao-1/o-sistema-unico-de-saude

[2] Direitos Sociais e Controle Judicial no Brasil e na Alemanha, Fabris: p. 22-23, 2002. Poder-se-ia, ainda, citar inúmeros autores renomados a fazer tal análise, como p. ex., Ana Paula de Barcellos: "Em resumo: a limitação de recursos existe e é uma contingência que não se pode ignorar. O intérprete deverá levá-la em conta ao afirmar que algum bem pode ser exigido judicialmente, assim como o magistrado, ao determinar seu fornecimento pelo Estado. Por outro lado, não se pode esquecer que a finalidade do Estado ao obter recursos, para, em seguida, gastá-los sob a forma de obras, prestação de serviços, ou qualquer outra política pública, é exatamente realizar os objetivos fundamentais da Constituição.

“A meta central das Constituições modernas, e da Carta de 1988 em particular, pode ser resumida, como já exposto, na promoção do bem-estar do homem, cujo ponto de partida está em assegurar as condições de sua própria dignidade, que inclui, além da proteção dos direitos individuais, condições materiais mínimas de existência. Ao apurar os elementos fundamentais dessa dignidade (o mínimo existencial), estar-se-ão estabelecendo exatamente os alvos prioritários dos gastos públicos. Apenas depois de atingi-los é que se poderá discutir, relativamente aos recursos remanescentes, em que outros projetos se deverá investir. O mínimo existencial, como se vê, associado ao estabelecimento de prioridades orçamentárias, é capaz de conviver produtivamente com a reserva do possível." (BARCELLOS, Ana Paula de (A Eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais, Renovar, p. 245-246, 2002).

[3] Fonte: Audiência expõe complexidade em debate plural sobre judicialização da saúde. Publicada na página do Conselho Nacional de Justiça, em 17.12.19, https://www.cnj.jus.br/audiencia-expoe-complexidade-em-debate-plural-sobre-judicializacao-da-saude/, acessada em 03/12/19.

[4] GRUPO I – CLASSE V – Plenário TC 009.253/2015-7 [Apensos: TC 016.757/2015-7, TC 016.918/2015-0, TC 016.741/2015-3, TC 016.859/2015-4, TC 016.804/2015-5, TC 017.454/2015-8, TC 016.831/2015-2, TC 017.224/2015-2, TC 017.293/2015-4] Relator: Bruno Dantas – data sessão: 16.08.17, Ata: 31/2017. Natureza: Relatório de Auditoria - Órgão: Ministério da Saúde - Representação legal: não há.  SUMÁRIO: Auditoria Operacional. Fiscalização de orientação centralizada (foc). Judicialização da saúde. Identificar o perfil, o volume e o impacto das ações judiciais na área da saúde, bem como investigar a atuação do ministério da saúde para mitigar seus efeitos nos orçamentos e no acesso dos usuários à assistência à saúde. Constatação de ações individuais, de caráter curativo, com alta probabilidade de êxito. Gastos crescentes, que saltaram de R$ 70 milhões em 2008 para R$ 1 bilhão em 2015. Deficiências de controle. Pagamentos por fármacos sem registro na anvisa ou já disponibilizados pelo SUS. Falta de adoção de recomendações do CNJ. Ausência de procedimentos de ressarcimento interfederativo. Determinações e recomendações. Ciência e arquivamento.

[5] CF: “Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: (...) II - cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência;”

[6] CF: “Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: I - descentralização, com direção única em cada esfera de governo...

[7] Para o professor Celso Antônio Bandeira de Mello  “Polícia administrativa é a atividade da Administração Pública, expressa em atos normativos ou concretos, de condicionar, com fundamento em sua supremacia geral e na forma da lei, a liberdade e a propriedade dos indivíduos, mediante ação ora fiscalizadora, ora preventiva, ora repressiva, impondo coercitivamente aos particulares um dever de abstenção (“non facere”) a fim de conformar-lhes os comportamentos aos interesses sociais consagrados no sistema normativo” (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 837). O Código Tributário Nacional, em seu art. 78, prescreve que poder de polícia é“(...) atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interêsse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de intêresse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos”.

[8] Entende-se, por vigilância sanitária, um conjunto de ações capaz de eliminar, diminuir ou prevenir riscos à saúde e de intervir nos problemas sanitários decorrentes do meio ambiente, da produção e circulação de bens e da prestação de serviços de interesse da saúde, abrangendo: o controle de bens de consumo que, direta ou indiretamente, se relacionem com a saúde, compreendidas todas as etapas e processos, da produção ao consumo; e o controle da prestação de serviços que se relacionam direta ou indiretamente com a saúde (art. 6º, §1º, da Lei n. 8.080, de 1990).

[9] Cumpre ressaltar, neste ponto, a alteração da Lei do Sistema Único de Saúde – SUS -, n. 8.080, de 1991, pela Lei n. 12.401, de 28 de abril de 2011, a qual inseriu referido dispositivo no Capítulo VII, do Título II.

[10] GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Direito processual civil, 9ª ed. Saraiva: São Paulo, 2018, p. 904 e ss.

[11] ADI 5.501 MC, voto do rel. min. Marco Aurélio, j. 19-5-2016, P, DJE de 1º-8-2017, in verbis:

“Observem a organicidade do Direito e o âmbito da Lei 13.269/2016, autorizadora da comercialização de substância química não submetida previamente a testes clínicos em seres humanos. Ao suspender exigibilidade de registro sanitário da fosfoetanolamina sintética, o ato atacado discrepa das balizas constitucionais concernentes ao dever estatal de reduzir o risco de doença e outros agravos à saúde dos cidadãos – art. 196 da CF. (...) Ao dever de fornecer medicamentos à população contrapõe-se a responsabilidade constitucional de zelar pela qualidade e segurança dos produtos em circulação no território nacional, ou seja, a atuação proibitiva do poder público, no sentido de impedir o acesso a determinadas substâncias. A esperança depositada pela sociedade nos medicamentos, especialmente naqueles destinados ao tratamento de doenças como o câncer, não pode se distanciar da ciência. Foi-se o tempo da busca desenfreada pela cura sem o correspondente cuidado com a segurança e eficácia das substâncias. O direito à saúde não será plenamente concretizado sem que o Estado cumpra a obrigação de assegurar a qualidade das drogas distribuídas aos indivíduos mediante rigoroso crivo científico, apto a afastar desenganos, charlatanismos e efeitos prejudiciais ao ser humano. (...) Na elaboração do ato impugnado, o Congresso Nacional, ao permitir a distribuição de remédio sem o controle prévio de viabilidade sanitária, não cumpriu com o dever constitucional de tutela da saúde da população. (...) A aprovação do produto no órgão do Ministério da Saúde é condição para industrialização, comercialização e importação com fins comerciais, segundo o art. 12 da Lei 6.360/1976. O registro ou cadastro mostra-se condição para o monitoramento, pela agência fiscalizadora, da segurança, eficácia e qualidade terapêutica do produto. Ante a ausência do registro, a inadequação é presumida. No caso, a lei suprime, casuisticamente, a exigência do registro da fosfoetanolamina sintética como requisito para comercialização, evidenciando que o legislador deixou em segundo plano o dever constitucional de implementar políticas públicas voltadas à garantia da saúde da população. O fornecimento de medicamentos, embora essencial à concretização do Estado Social de Direito, não pode ser conduzido com o atropelo dos requisitos mínimos de segurança para o consumo da população, sob pena de esvaziar-se, por via transversa, o próprio conteúdo do direito fundamental à saúde. (...) É no mínimo temerária – e potencialmente danosa – a liberação genérica do medicamento sem a realização dos estudos clínicos correspondentes, em razão da ausência, até o momento, de elementos técnicos assertivos da viabilidade da substância para o bem-estar do organismo humano. Salta aos olhos, portanto, a presença dos requisitos para o implemento da medida acauteladora. Ante o quadro, defiro a liminar pleiteada para suspender a eficácia da Lei 13.269/2016, até o julgamento definitivo desta ação direta de inconstitucionalidade”.

[12] Informativo n. 941 do STF: “(...) O ministro Edson Fachin ponderou ser a presente tese coerente com aquela aprovada no exame do Tema 500 da repercussão geral (RE 655.718), segundo a qual: “As ações que demandem fornecimento de medicamentos sem registro na Anvisa deverão necessariamente ser propostas em face da União”. A seu ver, na enunciação do Tema 500, consta a obrigatoriedade de a União figurar no polo passivo, e não a sua exclusividade. Na tese do tema em análise, tem-se que o cumprimento será dirigido conforme a repartição de competência. Esse segmento foi extraído do Enunciado 60, aprovado na II Jornada de Direito da Saúde do Conselho Nacional de Justiça (1), cujo teor é mais elastecido. Também salientou que a orientação estabelecida para o Tema 500 estaria agasalhada na formulação da repartição de competência. Noutro ponto, o ministro Edson Fachin observou que o texto, em sua primeira parte, reafirma a solidariedade e, ao mesmo tempo, atribui poder-dever à autoridade judicial para direcionar o cumprimento. A tese não trata da formação do polo passivo. Caso se direcione e depois se alegue que, por alguma circunstância, o atendimento da demanda da cidadania possa ter levado um ente da Federação a eventual ônus excessivo, a autoridade judicial determinará o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro.

RE 855178 ED/SE, rel. orig. Min. Luiz Fux, red. p/ o ac. Min. Edson Fachin, julgamento em 23.5.2019. (RE-855178)

[13] RMS 28.487, rel. Min. Dias Toffoli, julgamento: 26.2.2013, 1ª T, DJE de 15-3-2013.

[14] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 25. ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 58.

[15] Conclusão pautada em “O Poder Judiciário pode determinar que o Poder Público forneça remédios que não estão previstos na lista do SUS?” – Disponível em página: www.dizerodireito.com.br/2018/07/o-poder-judiciario-pode-determinar-que.html.



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