Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/88570
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

Pago pensão alimentícia, posso exigir prestação de contas?

Pago pensão alimentícia, posso exigir prestação de contas?

Publicado em . Elaborado em .

Muitas dúvidas surgem quando um casal se separa e desta relação resultou filhos menores. Umas das consequências lógicas do fim do relacionamento é a fixação da guarda dos filhos, que pode ser unilateral ou compartilhada.

Pago pensão alimentícia, posso exigir prestação de contas?

Muitas dúvidas surgem quando um casal se separa e desta relação resultou filhos menores.

Umas das consequências lógicas do fim do relacionamento é a fixação da guarda dos filhos, que pode ser unilateral ou compartilhada.

A guarda unilateral é aquela que só um dos pais ou alguém que os substitua fica com a guarda da criança, enquanto a compartilhada é aquela em que ambos os pais exercem a guarda dos filhos, havendo a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns.

O exercício do poder familiar consiste no dever que os pais possuem de, dentre outros, dirigir a criação e a educação dos filhos, exercer a guarda unilateral ou compartilhada, conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem, conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para viajarem ao exterior, representá-los judicial e extrajudicialmente até os 16 (dezesseis) anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento.

O poder familiar, extingue-se pela morte dos pais ou do filho, pela emancipação do filho, pela maioridade, pela adoção ou por decisão judicial.

O poder familiar que detêm os genitores em relação aos filhos menores, a teor do que prescreve o Código Civil (CC art. 1.632), não se desfaz com o término do vínculo matrimonial ou da união estável dos pais e permanece intacto o poder-dever do não-guardião de defender os interesses superiores do menor incapaz, ressaltando que a base que o legitima a fazer isso é o princípio do melhor interesse e da proteção integral da criança ou do adolescente.

Uma das obrigações dos pais em relação aos filhos, como vimos, é o de sustento, donde advém, inclusive, a obrigação de prestar alimentos.

Os alimentos são devidos quando quem os pretende não tem bens suficientes, nem pode prover pelo seu trabalho o próprio sustento e aquele de quem se reclamam pode fornecê-los sem desfalque do necessário ao sustento próprio.

Assim, fixados os alimentos devidos por um genitor em favor do filho, uma questão surge, é possível àquele que paga os alimentos exigir a prestação de contas dos valores pagos do genitor guardião?

A Lei nº 13.058/2014 incluiu ao artigo 1583 do Código Civil o § 5º, que assim prescreve: “Art. 1.583(…) § 5º A guarda unilateral obriga o pai ou a mãe que não a detenha a supervisionar os interesses dos filhos, e, para possibilitar tal supervisão, qualquer dos genitores sempre será parte legítima para solicitar informações e/ou prestação de contas, objetivas ou subjetivas, em assuntos ou situações que direta ou indiretamente afetem a saúde física e psicológica e a educação de seus filhos. (Incluído pela Lei nº 13.058, de 2014)”.

Em sentido semelhante já prescrevia o artigo 1.589 do Código Civil “Art. 1.589. O pai ou a mãe, em cuja guarda não estejam os filhos, poderá visitá-los e tê-los em sua companhia, segundo o que acordar com o outro cônjuge, ou for fixado pelo juiz, bem como fiscalizar sua manutenção e educação.”.

A jurisprudência do Superior de Justiça, por suas Turmas de Direito Privado, orienta-se no sentido de que a ação de prestação de contas, via de regra, é meio inadequada para a fiscalização dos recursos decorrentes da obrigação alimentar. No entanto, recentemente novo entendimento fora proferido pela referidas Corte por meio do REsp 1.814.639-RS, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Rel. Acd. Min. Moura Ribeiro, Terceira Turma, por maioria, julgado em 26/05/2020, DJe 09/06/2020.

Entendeu o STJ por meio daquela turma que pela “perspectiva do princípio da proteção integral e do melhor interesse da criança e do adolescente e do legítimo exercício da autoridade parental, em determinadas hipóteses, é juridicamente viável a ação de exigir contas ajuizada por genitor(a) alimentante contra a(o) guardiã(o) e representante legal de alimentado, na medida em que tal pretensão, no mínimo, indiretamente, está relacionada com a saúde física e também psicológica do menor, lembrando que a lei não traz palavras inúteis.”.

Entendeu o EXMO. SR. MINISTRO MOURA RIBEIRO que a legislação aplicável ao caso está em sintonia com os princípios constitucionais protetivos relacionados aos direitos do incapaz,  ‘vez que criou um mecanismo processual que não só legitima, mas também obriga o genitor não-guardião, na qualidade de fiscalizador dos interesses superiores dos filhos, a buscar uma tutela jurisdicional, inclusive, em assunto relacionado a forma como os alimentos pagos a filho menor ou incapaz são empregados, pois isso afeta, direta e também indiretamente a saúde física, psicológica e a educação dele, na medida em diz respeito a sua própria sobrevivência e dignidade’.

Portanto, o que legitima o pedido de exigir contas é o melhor interesse do menor ou incapaz envolvido na relação.

Pelo que foi exposto, temos que no entender do E. Superior Tribunal de Justiça, firmando no REsp 1.814.639-RS, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Rel. Acd. Min. Moura Ribeiro, Terceira Turma, por maioria, julgado em 26/05/2020, DJe 09/06/2020, é juridicamente viável, com fundamento no § 5º do art. 1.583 do CC/02, a ação de exigir de contas ajuizada pelo alimentante, em nome próprio, contra a genitora guardiã do alimentado para obtenção de informações sobre a destinação da pensão paga mensalmente, desde que proposta sem a finalidade de apurar a existência de eventual crédito, pois os alimentos prestados são irrepetíveis.

 


Autor


Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pela autora. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi.