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Consumidor pode se arrepender da aquisição de garantia estendida, mesmo se a contratação ocorrer dentro do estabelecimento comercial do fornecedor

Consumidor pode se arrepender da aquisição de garantia estendida, mesmo se a contratação ocorrer dentro do estabelecimento comercial do fornecedor

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Neste breve texto, trato de uma modalidade de direito de arrependimento que pode ser exercitada pelo consumidor, mesmo nos casos em que a contratação ocorra dentro do estabelecimento comercial do fornecedor, fugindo à regra do art. 49 do CDC.

O Código de Defesa do Consumidor prevê, no seu art. 49, que “o consumidor pode desistir do contrato, no prazo de 7 dias a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a domicílio”. É o que a doutrina chama de prazo de reflexão, o qual é conferido pela lei para se evitar a compra por impulso, de forma irrefletida.

 

O que algumas pessoas talvez não saibam é que existe outro direito de arrependimento que pode ser exercitado pelo consumidor, e que se aplica também às contratações realizadas dentro do estabelecimento comercial do fornecedor. Esse direito de arrependimento diz respeito às contratações do que se convencionou chamar de “garantia estendida”, que, na verdade, é um seguro contratado pelo consumidor, e não uma garantia propriamente dita, conferida pelo fabricante de um produto.

 

Sobre essa modalidade de seguro, Leonardo Roscoe Bessa explica:

 

“Ao lado das garantias legal e contratual, existe também a garantia estendida. Trata-se, na verdade, de mais uma modalidade de garantia contratual – já que seus termos e condições decorrem de contratos celebrados entre o consumidor e fornecedor. No momento de aquisição de bens duráveis, principalmente eletrodomésticos e eletroeletrônicos, o consumidor recebe proposta da garantia estendida. Pagando-se determinado valor, o estabelecimento comercial, por meio de seguradora, estende o prazo da garantia de fábrica, normalmente de um ano, para dois ou três anos”. (BESSA, Leonardo Roscoe. Vícios dos produtos e as três garantias do consumidor: um cenário de desinformação. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo: RT, Vol. 100, Ano 2015, p. 113).

 

Voltando ao direito de arrependimento aplicável à garantia estendida, o CONSELHO NACIONAL DE SEGUROS PRIVADOS – CNSP, órgão vinculado à SUPERINTENDÊNCIA DE SEGUROS PRIVADOS – SUSEP, editou a Resolução nº 296/2013, que dispõe sobre as regras e os critérios para operação do seguro de garantia estendida, quando da aquisição de bens ou durante a vigência da garantia do fornecedor, e dá outras providências. O art. 14 da Resolução enuncia o seguinte:

 

“Art. 14 O segurado poderá desistir do seguro contratado no prazo de 7 (sete) dias corridos a contar da assinatura da proposta, no caso de contratação por apólice individual, ou da emissão do bilhete, no caso de contratação por bilhete”.

 

Perceba-se que a norma em referência não faz qualquer ressalva no sentido de que a contratação deva ter ocorrido ocorra fora do estabelecimento comercial do fornecedor para que a norma incida. Diz, pura e simplesmente, que o segurado poderá desistir da contratação no prazo assinalado.

 

Posteriormente, a Resolução nº 369/2018 alterou os §§ 2º, 3º, 4º e 5º do art. 14 da Resolução nº 296/2013, e incluiu os §§ 6º, 7º e 8º do mesmo artigo, que a passaram a vigorar com as seguintes redações:


§ 2º Sem prejuízo de outros meios disponibilizados, o segurado poderá exercer seu direito de arrependimento por qualquer dos meios disponibilizados pela sociedade seguradora responsável pela comercialização do seguro, os quais devem corresponder no mínimo a serviço de discagem direta gratuita 0800 (DDG 0800) e/ou Número Único Nacional (NUN) e meio escrito, como disponibilização de chat online, formulário ou endereço eletrônico, em todos os meios com fornecimento de protocolo.

 

§ 3º Adicionalmente, poderá ser ofertada a possibilidade de arrependimento por meio do representante.

 

§ 4º A opção apresentada no parágrafo anterior não afasta a possibilidade de o segurado poder exercer seu direito de arrependimento por meio da sociedade seguradora.

 

§ 5º A sociedade seguradora ou seu representante, conforme o caso, fornecerá ao segurado confirmação imediata do recebimento da manifestação de arrependimento.

 

§ 6º Caso o segurado exerça o direito de arrependimento previsto neste artigo, os valores eventualmente pagos, a qualquer título, durante o prazo a que se refere o caput, serão devolvidos pela sociedade seguradora no prazo máximo de 15 dias corridos, contados a partir da data da solicitação, caso o segurado opte pelo exercício do direito de arrependimento pela seguradora, ou imediatamente, caso o segurado opte em procurar o representante e seja disponibilizada esta opção.

 

§ 7º Independentemente da solicitação via seguradora ou representante, a devolução deve ser efetuada na conta bancária indicada pelo segurado ou por meio de estorno no cartão, conforme o caso, somente sendo permitida a utilização de ordem de pagamento caso o segurado assim solicite.

 

§ 8º Caso o segurado opte por procurar o representante é admitida, ainda, a opção de ressarcimento dos valores em espécie.

 

O conhecimento das normas em referência é de suma importância para o consumidor, uma vez que é comum que a oferta da garantia estendida ocorra de forma agressiva e não transparente por parte do fornecedor, violando-se, afinal, o direito básico à informação previsto no art. 6º, III, do CDC, principalmente em situações em que o consumidor está tomado pela euforia de estar adquirindo um produto muito desejado, caracterizando-se como prática abusiva. Nesse sentido, vale a lição de Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamim, Leonardo Roscoe Bessa e Claudia Lima Marques:

 

“O fornecimento da garantia estendida, ocorre, invariavelmente, de modo abusivo (art. 39 do CDC), sem informações adequadas e claras ao consumidor, como deixa clara a Recomendação formulada, em 28.11.2012, pela Associação Nacional do Ministério Público de Defesa do Consumidor (MPCON): “Recomendação MPCON 01/2012”. (BENJAMIN, Antônio Herman V.; MARQUES, Claudia Lima; BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de Direito do Consumidor. 7ª edição. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2016, p. 249).

 

Finalmente, cumpre registrar que o direito de arrependimento do se trata de verdadeiro direito potestativo do consumidor, ao qual o fornecedor simplesmente se sujeita, não dependendo de sua anuência. E, tratando-se de direito potestativo, recorde-se que está sujeito a prazo decadencial. Ou seja, se o consumidor não o exercitar no prazo assinalado pela lei, perdê-lo-á simplesmente.     


Autor

  • Vitor Guglinski

    Advogado. Professor de Direito do Consumidor do curso de pós-graduação em Direito da Universidade Cândido Mendes (RJ). Professor do curso de pós-graduação em Direito do Consumidor na Era Digital do Meu Curso (SP). Professor do Curso de pós-graduação em Direito do Consumidor da Escola Superior da Advocacia da OAB. Especialista em Direito do Consumidor. Membro do Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor (Brasilcon). Ex-assessor jurídico do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Autor colaborador da obra Código de Defesa do Consumidor - Doutrina e Jurisprudência para Utilização Profissional (Juspodivn). Coautor da obra Temas Actuales de Derecho del Consumidor (Normas Jurídicas - Peru). Coautor da obra Dano Temporal: O Tempo como Valor Jurídico (Empório do Direito). Coautor da obra Direito do Consumidor Contemporâneo (D'Plácido). Coautor de obras voltadas à preparação para concursos públicos (Juspodivn). Colaborador de diversos periódicos jurídicos. Colunista da Rádio Justiça do Supremo Tribunal Federal. Palestrante. Currículo Lattes: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4246450P6

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