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O Direito de Recusa ao Cadastramento Biométrico

O Direito de Recusa ao Cadastramento Biométrico

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O artigo analisa a existência - ou não - na Lei Geral de Proteção de Dados de um direito de recusa ao cadastramento biométrico.

É cada vez maior o uso da biometria para a identificação segura das pessoas (a partir da análise de determinadas características, físicas e/ou comportamentais), em diversas áreas: dos eleitores pela Justiça Eleitoral, de passageiros nos terminais dos aeroportos, dos consumidores clientes de instituições financeiras, academias, empresas de transporte e em outros setores.

Um caso recente leva ao seguinte questionamento: o titular dos dados pessoais tem o direito de recusar à realização do cadastramento biométrico e, ainda assim, ter acesso ao produto ou ao serviço?

A situação prática ocorrida é esta: em Recife, um estudante apresentou uma demanda judicial em setembro de 2020 (poucos dias após a LGPD entrar em vigor) contra o Consórcio de Transportes municipal e o Sindicato das Empresas de Transportes estadual, com pedido de declaração de seu direito de comprar os bilhetes eletrônicos de passagem de ônibus no valor reduzido de 50% conferido aos estudantes, mas sem a obrigatoriedade de realizar o cadastramento de sua biometria facial.

Por se tratar de um dado pessoal sensível, existem normas próprias para a sua proteção e também do direito à privacidade do titular, independentemente do tratamento dado a ele e sua finalidade (ou seja, ainda que não haja uma discriminação negativa, o dado sensível tem regras diferenciadas de tratamento na LGPD).

Destaca-se ainda que o dado biométrico deve observar o princípio da necessidade e ser usado na quantidade menor possível (e deve ser evitado). A senha alfanumérica pode ser trocada pelo titular, mas o dado biométrico não.

Entre essas diferenças, estão as bases legais específicas para o tratamento dos dados pessoais sensíveis (art. 11 da LGPD), que são mais restritas do que aquelas que regulam o tratamento dos dados pessoais não sensíveis (arts. 7º/10 da LGPD), especialmente com o uso prioritário do consentimento.

Em consequência, o cadastramento biométrico dos titulares dos dados pessoais deve ter como base legal, prioritariamente, o seu consentimento (art. 11, I), que deve ser fornecido por escrito, em cláusula destacada e prestado de forma livre, informada e inequívoca (arts. 5º, XII, e 8º, da LGPD).

Isso leva as outras questões: o titular pode se negar a fornecer o seu consentimento para o cadastramento biométrico? E essa negativa pode impedir o seu acesso ao produto ou ao serviço que seria fornecido após esse cadastramento?

Entre os direitos do titular está o de ser informado sobre a possibilidade de não fornecer consentimento e as consequências de sua negativa (art. 18, VIII, da LGPD).

Em complemento, quando o tratamento de dados pessoais for uma condição para o fornecimento de produto ou de serviço, ou para o exercício de direito, o titular deve ser informado com destaque sobre esse fato e sobre os meios pelos quais poderá exercer os seus direitos (art. 9º, § 3º, da LGPD).

Assim, a negativa do consentimento pode ser uma condição para assinatura do contrato, ou imposto como uma cláusula de “tudo ou nada” ao titular? Em outras palavras, o fornecimento do consentimento como indispensável para a prestação de um serviço ou o fornecimento de um bem ao titular dos dados pessoais poderia caracterizar a abusividade da cláusula.

Ainda que seja utilizada outra base legal (art. 11, II), o cadastramento biométrico depende da prática de um ato pelo próprio titular, a fim de permitir a coleta do seu dado pessoal sensível. O titular poderia ser obrigado a realizar o seu cadastramento, independentemente de seu consentimento? Por exemplo, o cadastramento biométrico é obrigatório na Justiça Eleitoral e a sua recusa leva ao cancelamento do título de eleitor e a impossibilidade de votar, com a imposição de uma multa de valor reduzido, mas com outras consequências sobre a vida civil (acesso a concursos públicos, empregos etc.).

De outro lado, a negativa do consentimento e o dever de manter uma outra forma de identificação pode prejudicar as medidas de prevenção e de segurança, ou até mesmo o próprio serviço prestado pelo controlador.

Portanto, a existência - ou não - do direito de recusa ao cadastramento biométrico e de suas consequências (especialmente de acesso a um produto ou serviço) é mais um tema que já está sendo discutido em processos judiciais e que terá a LGPD entre os fundamentos para a sua resolução.


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