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Inconstitucionalidade da pena de 10 a 15 anos para importação de remédio sem registro na Anvisa

Inconstitucionalidade da pena de 10 a 15 anos para importação de remédio sem registro na Anvisa

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STF declarou a inconstitucionalidade do preceito secundário do art. 273 do Código Penal para os casos de importação de remédio sem registro na Anvisa.

Em 24/03/2021, no julgamento do Recurso Extraordinário 979962, o STF declarou por maioria a inconstitucionalidade do preceito secundário do art. 273 do Código Penal que prevê a pena de reclusão de 10 a 15 anos quando aplicável à hipótese do parágrafo 1°B, inc. I, determinado a repristinação da redação anterior que prevê pena de reclusão de 1 a 3 anos.

Para entender a questão envolvendo o preceito secundário do art. 273 do Código Penal é preciso inicialmente analisar o fato histórico que gerou uma pena tão elevada (e desproporcional). Em 1998 a fabricante de remédios Schering do Brasil encaminhou ao mercado, após falhas em seus controles, lotes do anticoncepcional Microvlar sem o princípio ativo. Como houve um lapso temporal elevado entre a chegada destas pílulas sem eficácia ao mercado e a sua retirada, muitas mulheres acabaram engravidando sem desejar. Isto gerou uma grande repercussão na mídia na época, tendo ficado conhecido como o caso das “pílulas de farinha”. O Congresso então, sentindo a pressão da mídia e da população, resolveu “endurecer” as penas do artigo 273 do Código Penal através da Lei n° 9.677/1998. A pena que antes era de 1 a 3 anos passou para incríveis 10 a 15 anos. A título de comparação, crimes notoriamente mais graves como o estupro de vulneráveis (pena de 8 a 15 anos) possuem pena mínima menor que o crime de importar remédio sem registro na Anvisa. Tendo em vista o evidente desrespeito ao princípio da proporcionalidade pelo Parlamento ao modificar as penas relativas ao art. 273 do CP, a comunidade jurídica começou a questionar a aplicação de tal preceito, principalmente quando pequenas importações de remédios sem registro na Anvisa começaram a receber penas superiores a 10 anos.

Durante muitos anos a jurisprudência dos tribunais entendeu que o Judiciário não poderia aplicar uma norma penal, por semelhança, em substituição à outra já existente pois estar-se-ia ferindo o princípio da reserva legal. Nos últimos anos o entendimento começou a mudar e teve como importante marco a análise pelo STJ da ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE NO HABEAS CORPUS 239363 / PR. Neste julgamento, o STJ entendeu que “Em atenção ao princípio constitucional da proporcionalidade e razoabilidade das leis restritivas de direitos (CF, art. 5°, LIV), é imprescindível a atuação do Judiciário para corrigir o exagero e ajustar a pena cominada à conduta inscrita no art. 273, § 1º-B, do Código Pena”. Em que pese o caso analisado pelo STJ ter sido relativo ao crime de ter em depósito, para venda, produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais de procedência ignorada, o raciocínio relativo à desproporcionalidade foi o mesmo do STF. Entretanto, com relação à pena a ser aplicada em substituição à pena desproporcional, o STJ, diferentemente do STF, entendeu que deveria ser utilizada a analogia in bonam partem, aplicando a pena da Lei de Drogas (Lei 11.343/2006).

O STF, como dito acima, também entendeu que o preceito secundário era desproporcional. A análise do STF foi, entretanto, relativa ao inciso I do parágrafo § 1º-B, do art. 273 do CP (I - sem registro, quando exigível, no órgão de vigilância sanitária competente ). Porém, diferente do entendimento do STJ, o STF entendeu que deveria ser declarada a inconstitucionalidade do preceito secundário atual e a pena anterior deveria ser repristinada. O relator, Ministro Luís Roberto Barroso, havia proposto a tese de utilizar a pena referente ao contrabando (art. 334ª do CP) com pena prevista de 2 a 5 anos. A tese que prevaleceu, entretanto, foi a tese da repristinação da redação anterior proposta pelo Ministro Alexandre de Morais.  A tese firmada foi "É inconstitucional a aplicação do preceito secundário do artigo 273 do Código Penal, com a redação dada pela Lei 9.677/1998 - reclusão de 10 a 15 anos - à hipótese prevista no seu parágrafo 1º-B, inciso I, que versa sobre a importação de medicamento sem registro no órgão de vigilância sanitária. Para esta situação específica, fica repristinado o preceito secundário do artigo 273, na redação originária - reclusão de um a três anos e multa".

Em que pese o acerto do STF em declarar a inconstitucionalidade do preceito secundário devido à sua notória desproporcionalidade, cabe aqui fazer algumas ponderações. O princípio da proporcionalidade tem uma dupla face. De um lado proíbe o excesso como no caso em exame. De outro, proíbe a proteção insuficiente dos bens jurídicos. No caso analisado não temos dúvida de que a pena de 10 a 15 anos era muito exagerada. Mas o que dizer da solução do STF, será que a pena de 1 a 3 anos para a importação de remédio sem registro na Anvisa não é muito baixa? É difícil avaliar se uma pena é baixa ou alta quando analisamos ela de modo isolado devido ao caráter subjetivo da análise. Mas a comparação com outros preceitos secundários do mesmo ordenamento jurídico pode nos trazer algum parâmetro. O crime de contrabando previsto no art. 334ª do CP possui pena de 2 a 5 anos e incorre na mesma pena, segundo o inciso II, do § 1o , quem “II - importa ou exporta clandestinamente mercadoria que dependa de registro, análise ou autorização de órgão público competente;” . 

REFERÊNCIAS

MASSON, Cleber. Direito Penal: parte geral. 11 ed. Rio de Janeiro: Método, 2017.

https://portal.stf.jus.br

https://www.stj.jus.br



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