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A NATUREZA JURÍDICA DO ATO QUE JULGA PROCEDENTE A PRIMEIRA PARTE DA AÇÃO DE EXIGIR CONTAS E O RECURSO CABÍVEL

A NATUREZA JURÍDICA DO ATO QUE JULGA PROCEDENTE A PRIMEIRA PARTE DA AÇÃO DE EXIGIR CONTAS E O RECURSO CABÍVEL

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O ARTIGO DISCUTE DIANTE DE DECISÕES DO STJ E DA DOUTRINA A NATUREZA JURÍDICA DO ATO QUE JULGA PROCEDENTE A PRIMEIRA PARTE DA AÇÃO DE EXIGIR CONTAS E O RECURSO CABÍVEL

A NATUREZA JURÍDICA DO ATO QUE JULGA PROCEDENTE A PRIMEIRA PARTE DA AÇÃO DE EXIGIR CONTAS E O RECURSO CABÍVEL

Rogério Tadeu Romano

Nos termos do CPC/2015, apresentada e deferida a petição inicial proceder-se-á a citação do réu para, no prazo de 15 (quinze) dias, prestar as contas ou apresentar contestação. Prestadas as contas, o rito será sintetizado, passando-se desde logo à segunda fase (análise das contas). Por outro lado, contestando o réu o pedido inicial, ou, ainda, se permanecer revel, o juiz irá apurar a existência ou não da obrigação de prestar contas.

Dali se tem:

Caso o Magistrado julgue procedente o pedido inicial, condenará o réu a prestar contas no prazo de 15 (quinze) dias, conforme dispõe o art. 550, § 5º, do CPC/2015, in verbis: Art. 550. Aquele que afirmar ser titular do direito de exigir contas requererá a citação do réu para que as preste ou ofereça contestação no prazo de 15 (quinze) dias. [...] § 5º A decisão que julgar procedente o pedido condenará o réu a prestar as contas no prazo de 15 (quinze) dias, sob pena de não lhe ser lícito impugnar as que o autor apresentar”.

Tem-se a lição de Humberto Theodoro Júnior(Curso de Direito Processual Civil, volume II, 54ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2020, p. 92-93):

“O sistema do Código de Processo Civil anterior previa, expressamente, a possibilidade de duas sentenças, uma na primeira fase (art. 915, § 2º) e outra afinal, depois de discutidas e resolvidas as questões suscitadas sobre as contas, na qual se fixaria o saldo (art. 918). O novo Código deu outra estrutura ao procedimento, de modo a prever uma única sentença, que de ordinário será aquela que tem como função apurar o saldo do acervo de contas produzido em juízo (art. 552). Na primeira fase, o acertamento pode ser de acolhida ou de rejeição do pedido formulado na inicial. Quando se acolhe o pedido de contas, o juiz não mais profere uma sentença, mas uma decisão interlocutória como se deduz do art. 550, § 5º, o qual textualmente dispõe: “A decisão que julgar procedente o pedido condenará o réu a prestar contas no prazo de 15 (quinze) dias, sob pena de não lhe ser lícito impugnar as que o autor apresentar”. A preocupação do legislador ao preferir, na espécie, falar em decisão em vez de sentença não se deveu a uma mera opção léxica, pois a diferença entre esses dois atos judiciais dentro do próprio Código produz efeitos relevantes, no tocante ao regime recursal. Se fosse mantida a sistemática de encerrar a primeira fase da ação por meio de sentença, como queria o Código velho, o recurso interponível seria a apelação, remédio que paralisaria a marcha do processo em primeiro grau, subindo necessariamente os autos ao Tribunal de Justiça. Somente depois de julgado definitivamente o apelo é que se retomaria a movimentação do feito, iniciando a segunda fase. Tendo, porém, a nova lei adotado o encerramento da primeira fase por meio de decisão, o recurso contra esta será o agravo de instrumento, já que embora não encerrando a atividade cognitiva do processo, teria sido julgado parte do mérito da causa, qual seja, a relativa ao direito de exigir contas (art. 1.015, II). O recurso manejável, porém, não acarretará paralisação do processo em primeiro grau, nem sequer será processado nos autos da causa, mas em autuação apartada, formada diretamente no tribunal ad quem”.

Tem-se ainda a lição de Cássio S. Bueno(Manual de direito processual civil: inteiramente estruturado à luz do novo CPC – Lei nº 13.105, de 16-3-2015. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 437 de no seguinte sentido:

“A decisão que acolher o pedido do autor determinará ao réu que preste as contas no prazo de quinze dias, sob pena de não ser lícito a ele impugnar as contas a serem aprestadas pelo autor (art. 550, §5º).(...)A decisão a que se refere o precitado §5º do art. 550 é recorrível? A melhor resposta é a positiva, entendendo-a como uma decisão interlocutória de mérito e, portanto, agravável de instrumento com fundamento no inciso II do art. 1.015.”

No mesmo sentido tem-se a lição de Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero(Novo código de processo civil comentado. 3ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. p. 702):

“Decisão da Primeira Fase. Tem natureza de decisão interlocutória, porque não põe fim ao processo ou a uma de suas fases(art. 203, §2º, CPC). Por isso, comporta recurso por meio de agravo de instrumento (art. 1.015, II, CPC). Tem por objeto declarar existente ou inexistente o dever de prestar contas.”

Acrescento, ainda o que disse Rita de Cássia Correia de Vasconcelos(CPC em foco temas essenciais e sua receptividade: dois anos de vigência do novo CPC (Coord.: Teresa Arruda Alvim). São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2018. p. 399):

“Na ação de prestação de contas, no regime do CPC de 1973, as duas fases do procedimento terminavam por sentença, ambas impugnáveis por apelação, e ambas as apelações dotadas de efeito suspensivo. Isso tornava o procedimento longo, como se houvesse dois processos se desenvolvendo sucessivamente, comprometendo-se, muitas vezes, a efetividade da prestação jurisdicional e ofendendo-se o princípio da razoável duração do processo.Com o CPC de 2015, solucionaram-se esses problemas. Agora, admitindo-se expressamente que pode haver decisões interlocutórias de mérito, se estabelece que que a primeira fase da ação de exigir contas, em que se reconhece haver obrigação de prestá-las, se resolve por decisão (art. 550, §5º). Essa decisão não põe fim ao processo, encerrando-se a cognição tão somente quanto à questão preliminar de se saber se há ou não a obrigação de prestar contas, seguindo-se, a partir daí, para a segunda fase do procedimento, em que a atividade cognitiva do juiz será exercida com vistas a julgarem-se as contas que serão apresentadas nesta fase. Tem-se, portanto, que a decisão que reconhece o dever de o réu prestar contas não se considera sentença, sendo impugnável por meio de agravo de instrumento (art. 1.015, II).Deve-se mencionar que, se a decisão proferida ao final da primeira fase for de improcedência do pedido ou mesmo de extinção sem resolução do mérito (por exemplo, reconhecendo-se a ausência do interesse de agir), terá natureza de sentença, pois porá fim ao processo, sendo impugnável por meio de apelação.”

Mas, no entanto, a doutrina diverge por respeitáveis opiniões de Teresa Arruda Alvim, Maria Lúcia Lins Conceição, Leonardo Ferres da Silva Ribeiro e Rogério Licastro Torres de Mello(Primeiros comentários ao novo Código de Processo Civil: artigo por artigo. 2ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 550/551):

“A ação de exigir contas caracteriza-se por ter duas fases bem demarcadas, ambas desembocando em sentença apelável no duplo efeito: na primeira fase, debate-se acerca do direito do autor de exigir contas em face do réu; na segunda fase, caso procedente a pretensão às contas, deverá o réu apresentá-las e, apresentando-as, serão debatidas as contas propriamente ditas (o chamado “julgamento das contas”).

Da sentença condenatória à prestação de contas caberá recurso de apelação a ser recebido no duplo efeito. Verificado o trânsito em julgado da sentença condenatória à prestação de contas, caberá a deflagração da fase de cumprimento de sentença, quando então o réu será intimado a prestar contas em 15 dias.”

No mesmo sentido a lição de Olavo de Oliveira Neto, Elias Marques de Medeiros Neto e Patrícia Elias Cozzolino de Oliveira(Curso de Direito processual civil: vol. 2, tutela de conhecimento. 1ª ed. São Paulo: Verbatim, 2016. p. 491/492):

“Quando o réu apresenta contestação negando o direito de prestar contas ou alegando já tê-las prestado, bem como no caso de revelia, não havendo necessidade de produção de provas, deverá o magistrado julgar de imediato a lide, sem se descuidar do fato de que o objeto da primeira fase da ação se limita à definição sobre a existência ou não do dever de prestar as contas. Por isso será proferida uma sentença de natureza mista, declarando o direito de exigir a prestação de contas e condenando o réu à obrigação de prestá-la (obrigação de fazer) no prazo de 15 (quinze) dias (art. 550, §5º, do CPC).(...)

A sentença proferida na primeira fase, que deve fixar condenação no pagamento de custas, despesas processuais e honorários advocatícios do patrono do vencedor, pode ser impugnada mediante recurso de apelação, sendo viável o prosseguimento do feito se ao recurso não for concedido efeito suspensivo.”

Observa-se que o CPC/15 modificou substancialmente os conceitos de sentença e de decisão interlocutória, caracterizando-se a sentença pela cumulação dos critérios finalístico (“põe fim à fase cognitiva do procedimento comum”) e substancial (“fundamento nos arts. 485 e 487”) e caracterizando-se a decisão interlocutória pelo critério residual (“todo pronunciamento judicial de natureza decisória que não seja sentença”).

A ação de exigir contas poderá se desenvolver em duas fases procedimentais distintas, condicionando-se o ingresso à segunda fase ao teor do ato judicial que encerra a primeira fase; e que o conceito de sentença previsto no art. 203, §1º, do CPC/15, aplica-se como regra ao procedimento comum e, aos procedimentos especiais, apenas na ausência de regra específica, o ato judicial que encerra a primeira fase da ação de exigir contas possuirá, a depender de seu conteúdo, diferentes naturezas jurídicas: se julgada procedente a primeira fase da ação de exigir contas, o ato judicial será decisão interlocutória com conteúdo de decisão parcial de mérito, impugnável por agravo de instrumento; se julgada improcedente a primeira fase da ação de exigir contas ou se extinto o processo sem a resolução de seu mérito, o ato judicial será sentença, impugnável por apelação.

Mas, no entanto, acrescento que havendo dúvida objetiva acerca do cabimento do agravo de instrumento ou da apelação, consubstanciada em sólida divergência doutrinária e em reiterado dissídio jurisprudencial no âmbito do 2º grau de jurisdição, deve ser afastada a existência de erro grosseiro, a fim de que se aplique o princípio da fungibilidade recursal.

Nesse caso cito a lição da ministra Nancy Andrighi, no julgamento do REsp 1.746.337/RS:

“Contudo, não se pode olvidar que a existência de sólida divergência doutrinária e de reiterado dissídio jurisprudencial no âmbito dos Tribunais Estaduais e dos Tribunais Regionais Federais acerca do recurso cabível em face da decisão que julga a primeira fase da ação de exigir contas é elemento que autoriza a aplicação do princípio da fungibilidade recursal.”

Observe-se ainda:

Nessa linha tem-se:

RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE EXIGIR CONTAS (CPC/2015, ART. 550, § 5º). DECISÃO QUE, NA PRIMEIRA FASE, JULGA PROCEDENTE A EXIGÊNCIA DE CONTAS. RECURSO CABÍVEL. MANEJO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO (CPC, ART. 1.015, II). DÚVIDA FUNDADA. FUNGIBILIDADE RECURSAL. APLICAÇÃO. RECURSO PROVIDO. 1. Havendo dúvida fundada e objetiva acerca do recurso cabível e inexistindo ainda pronunciamento judicial definitivo acerca do tema, deve ser aplicado o princípio da fungibilidade recursal. 2. Na hipótese, a matéria é ainda bastante controvertida tanto na doutrina como na jurisprudência, pois trata-se de definir, à luz do Código de Processo Civil de 2015, qual o recurso cabível contra a decisão que julga procedente, na primeira fase, a ação de exigir contas (arts. 550 e 551), condenando o réu a prestar as contas exigidas. 3. Não acarretando a decisão o encerramento do processo, o recurso cabível será o agravo de instrumento (CPC/2015, arts. 550, § 5º, e 1.015, II). No caso contrário, ou seja, se a decisão produz a extinção do processo, sem ou com resolução de mérito (arts. 485 e 487), aí sim haverá sentença e o recurso cabível será a apelação. 4. Recurso especial provido. (REsp n. 1.680.168/SP, Relator o Ministro Marco Buzzi, Rel. p/ Acórdão Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 9/4/2019, DJe 10/6/2019)

Ao analisar a questão, a  Terceira Turma, no julgamento do REsp 1.746.337/RS, decidiu que “o ato judicial que encerra a primeira fase da ação de exigir contas possuirá, a depender de seu conteúdo, diferentes naturezas jurídicas: se julgada procedente a primeira fase da ação de exigir contas, o ato judicial será decisão interlocutória com conteúdo de decisão parcial de mérito, impugnável por agravo de instrumento; se julgada improcedente a primeira fase da ação de exigir contas ou se extinto o processo sem a resolução de seu mérito, o ato judicial será sentença, impugnável por apelação” (REsp n. 1.746.337/RS, Relatora a Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 9/4/2019, DJe de 12/4/2019).

Consoante noticiado no site do STJ, em 14 de abril do corrente ano, o prazo de 15 dias para que o réu cumpra a condenação na primeira fase do procedimento de exigir contas – previsto no artigo 550, parágrafo 5º, do Código de Processo Civil de 2015 – começa a correr automaticamente quando a defesa é intimada da decisão condenatória. O prazo deve ser observado porque, em regra, o recurso cabível contra essa decisão não tem efeito suspensivo, nos termos do artigo 995 do CPC/2015.

Com base nesse entendimento, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve acórdão do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS) que considerou fora do prazo legal a apresentação de contas por uma financeira. A ação de exigir contas foi proposta por uma cliente com o objetivo de apurar eventual saldo resultante da venda de veículo dado como garantia em alienação fiduciária.

A matéria foi objeto de discussão no REsp 1847194.

O relator, ministro Marco Aurélio Bellizze, afirmou que, de acordo com o artigo 550, parágrafo 5º, do CPC/2015, a decisão que julgar procedente a primeira fase da ação condenará o réu a prestar contas no prazo de 15 dias, sob pena de não poder impugnar as contas que o autor apresentar.

Segundo ele, o ato que julga procedente a primeira parte da ação de exigir contas possui natureza de decisão interlocutória de mérito, uma vez que não encerra a fase cognitiva do processo. Por essa razão, apontou, o recurso cabível contra ela é o agravo de instrumento (artigo 1.015, inciso II, do CPC/2015) – o qual não possui, em regra, efeito suspensivo.

Por outro lado, se o ato judicial julgar improcedente a primeira fase da ação de exigir contas ou se julgar extinto o processo sem resolução de mérito, ele terá força de sentença e, portanto, será impugnável por meio de apelação.

Ainda conforme o noticiado, o ministro Bellizze lembrou que, em relação aos casos julgados na vigência do CPC/1973, a Terceira Turma firmou o entendimento de que a contagem do prazo de 48 horas previsto no artigo 915, parágrafo 2º, deveria se dar a partir do trânsito em julgado do ato judicial, que era interpretado como sentença.

Entretanto, em relação ao CPC/2015, o relator entendeu não ser possível aplicar a mesma interpretação, exatamente porque, sob a ótica do novo código, a decisão que condena o réu a prestar contas tem natureza jurídica de decisão interlocutória de mérito.

"Dessa forma, inexistindo efeito suspensivo a agravo de instrumento interposto pelo réu contra decisão proferida na primeira fase da ação de exigir contas, não há óbice para que o prazo de 15 dias do parágrafo 5º do artigo 550 do novo CPC comece a fluir automaticamente", afirmou.

Ao manter o acórdão do TJMS, o magistrado destacou que, segundo a jurisprudência do STJ, a intimação da decisão que julga procedente a primeira fase do procedimento de contas deve ser realizada por meio da defesa do réu, sendo desnecessária a intimação pessoal, pois não existe base legal para tanto.

 


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