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Streaming e os nossos dados

A LGPD protege nossas escolhas e o uso de algoritmos que definem nossas sugestões de filmes e séries?

Streaming e os nossos dados. A LGPD protege nossas escolhas e o uso de algoritmos que definem nossas sugestões de filmes e séries?

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Qual o limite legal no uso dos nossos dados, para que os canais de streaming possam nos ofertar novos conteúdos.

Se em dezembro passado pudemos ver como a Netflix dominou as indicações ao Globo de Ouro, agora, no Oscar, vimos que a empresa repetiu seu sucesso com 22 indicações, novamente acima de todos os outros estúdios. Produtora, distribuidora, exibidora de conteúdo ou tudo junto e misturado, afinal como melhor definir a onipresente Netflix?

Não é de hoje que o uso de dados serve de alicerce para o planejamento e ação da Netflix e o tempo provou como essa estratégia lhe deu uma clara vantagem sobre estudos tradicionais que tomaram decisões baseadas no “feeling” de um gerente. Agora, nas duas grandes citações comerciais da indústria cinematográfica, temos evidências tangíveis sobre o resultado dessa estratégia:

Alguns personagens da indústria cinematográfica tradicional certamente não ficarão muito felizes com o enorme sucesso da empresa, já se tornando um líder da indústria indubitável. Uma liderança baseada na implementação de uma estratégia completamente diferente da de outros concorrentes, que alguns já estão tentando imitar abertamente e que se baseia em duas questões fundamentais: a análise de dados já comentada, ou big data e apostas de longo prazo.

O uso dessa estratégia começou desde quando já enviava seus DVDs por correio, mas dos quais estava totalmente ciente quando começou a usar o streaming como meio de envio. Um canal que oferece não apenas uma capilaridade muito superior aos outros, mas um feedback quase que instantâneo, e acima de tudo, diferencialmente superior ao que um estudo tradicional é capaz de obter. Os dados de bilheteria podem ser interessantes, mas por mais que sejam esmiuçados, eles não são capazes de nos oferecer o nível de detalhe que temos na rede, com usuários que votam em tempo real com os cliques de seu mouse ou controle remoto. Tente imaginar que além de saber sobre as suas preferências, eles sabem também sobre seus hábitos, sua audiência instantânea, permite saber por exemplo em que momento você para a exibição e quanto tempo depois volta, qual a sua rotina? Quais são as séries mais exibidas e seus horários preferenciais, e dessa maneira organizar seu cardápio de forma distinta de acordo com a hora? Melhorando assim a sua experiência de consumidor”? A ideia da Netflix, por mais que Steven Spielberg pretendesse considerá-los parte de uma “liga menor” por essencialmente usar televisão em frente à tela grande, não é dominar o conteúdo televisivo, mas dominar o conteúdo, o que ganhou uma força extra em tempos de pandemia, que deve apenas consolidar o canal na liderança da nova forma distribuição.

É óbvio que big data, em qualquer caso, não tem poderes mágicos, pois segundo os próprios gestores da Netflix, os dados obtidos desempenham, na tomada de decisões sobre a produção, um papel sempre condicionado ao da direção artística e é quando as oportunidades de assinaturas, contratos ou desenvolvimento e ideias relacionadas à produção de um filme ou série foram decididas a partir desse ponto de vista com um peso de cerca de 70%, quando a análise de dados entra em jogo, 30% da decisão geralmente relacionada ao volume de recursos que serão colocados no topo da tabela.

É evidente que como muitos destacam, a escolha do conteúdo e o trabalho com a comunidade criativa é uma função muito humana, os dados não ajudam nesse processo, eles ajudam você a avaliar o seu investimento.

O avançar de recursos tecnológicos só deve reforçar a competitividade dos canais de streaming, sensores ligados aos aparelhos vão alimentar ainda mais esse big data, e é claro em um confronto direto com a proteção dos seus dados e da sua privacidade.

O que a LGPD, no enfrentamento dessa questão nos trouxe é até que ponto com o propósito de melhor orientar nossas escolhas nos próximos filmes os operadores de canais de streaming poderiam está violando a Lei?

De qualquer forma em que pese a neutralidade da rede, por nós sempre defendida, uma estrutura de distribuição imbatível, e acesso a conteúdo de todo mundo, dá a eles uma vantagem competitiva significativa diante das velhas mídias, que ficam com um indigesto dever de casa, como se reinventar diante desse mundo novo?


Autor

  • Charles M. Machado

    Charles M. Machado é advogado formado pela UFSC, Universidade Federal de Santa Catarina, consultor jurídico no Brasil e no Exterior, nas áreas de Direito Tributário e Mercado de Capitais. Foi professor nos Cursos de Pós Graduação e Extensão no IBET, nas disciplinas de Tributação Internacional e Imposto de Renda. Pós Graduado em Direito Tributário Internacional pela Universidade de Salamanca na Espanha. Membro da Academia Brasileira de Direito Tributário e Membro da Associação Paulista de Estudos Tributários, onde também é palestrante. Autor de Diversas Obras de Direito.

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