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Ausência de autorização ou licença ambiental x Dever de indenizar ou reparar

Se a única pendência para tornar a atividade regular é a obtenção de licença ou autorização, então não há que se falar em reparação civil, porque ausente prova de dano, uma vez que a atividade é passível de licenciamento ou autorização.

Ausência de autorização ou licença ambiental x Dever de indenizar ou reparar. Se a única pendência para tornar a atividade regular é a obtenção de licença ou autorização, então não há que se falar em reparação civil, porque ausente prova de dano, uma vez que a atividade é passível de licenciamento ou autorização.

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Quando a infração ambiental se caracterizar tão somente por ausência de licença ambiental ou autorização, não haverá dano ambiental passível de reparação na esfera civil.

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A Constituição Federal de 1988, no § 3º do art. 225, prevê a possibilidade de o mesmo agente poluidor se submeter, de forma independente, às sanções administrativas e penais e ao dever de reparação civil, conforme se verifica do seu teor:

Art. 225. […].
3º – As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.

É evidente que nem todas as condutas e atividades terão reflexo nas três esferas mencionadas nesse dispositivo. Mas, a caracterização de cada uma delas exige o atendimento de determinados requisitos, conforme disposição em lei.

1. Responsabilidade ambiental

Na esfera civil, o dano ambiental é regido pelo instituto da responsabilidade objetiva, onde não se exige para sua caracterização, a comprovação da culpa ou dolo.

Ainda, a responsabilidade por dano ambiental é solidária, sujeitando a todos os que, direta ou indiretamente, concorreram para a atividade degradadora do ambiente, à sua reparação.

Também é possível a cumulação da obrigação de fazer, consistente na recuperação do dano ambiental in natura, com a condenação ao pagamento de indenização, nos termos do art. 3º da Lei 7.347/85.

Assim, constatado o dano ambiental, a recuperação do bem é medida imperativa a ser suportada por todos os que contribuíram para sua ocorrência, nos termos do art. 14, §1º da Lei 6.938/81.

Por outro lado, a responsabilidade civil objetiva por dano ambiental não exclui a comprovação da efetiva ocorrência de dano e do nexo de causalidade com a conduta do agente, pois estes são elementos essenciais ao reconhecimento do direito de reparação.

Ou seja, é imprescindível a demonstração da existência de nexo de causalidade apto a vincular o resultado lesivo efetivamente verificado ao comportamento (comissivo ou omissivo) daquele a quem se repute a condição de agente causador.

3. Responsabilidade objetiva do causador do dano ao meio ambiente

O Direito Ambiental é regido por princípios autônomos, especialmente previstos na Constituição Federal (art. 225 e parágrafos) e legislação específica, entre os quais a responsabilidade objetiva do causador do dano ao meio ambiente (arts. 3º, IV, e 14, § 1º, da Lei 6.938/81).

Paulo Affonso Leme Machado [1], em sua obra Direito Ambiental Brasileiro, ressalta que:

A responsabilidade objetiva ambiental significa que quem danificar o ambiente tem o dever jurídico de repará-lo. Presente, pois, o binômio dano/reparação. Não se pergunta a razão da degradação para que haja o dever de indenizar e/ou reparar.
A responsabilidade sem culpa tem incidência na indenização ou na reparação dos “danos causados ao meio ambiente e aos terceiros afetados por sua atividade” (art. 14, § III, da Lei 6.938/81).
Não interessa que, tipo de obra ou atividade seja exercida pelo que degrada, pois não há necessidade de que ela apresente risco ou seja perigosa. Procura-se quem foi atingido e, se for o meio ambiente e o homem, inicia-se o processo lógico-jurídico da imputação civil objetiva ambiental.
Só depois é que se entrará na fase do estabelecimento do nexo de causalidade entre a ação ou omissão e o dano. É contra o Direito enriquecer-se ou ter lucro à custa da degradação do meio ambiente. O art. 927, parágrafo único, do CC de 2002, dispõe:
“Haverá obrigarão de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”.
Quanto à primeira parte, em matéria ambiental, já temos a Lei 6.938/81, que instituiu a responsabilidade sem culpa.
Quanto à segunda parte, quando nos defrontarmos com atividades de risco, cujo regime de responsabilidade não tenha sido especificado em lei, o juiz analisará, caso a caso, ou o Poder Público fará a classificação dessas atividades.
“É a responsabilidade pelo risco da atividade.” Na conceituação do risco aplicam-se os princípios da precaução, da prevenção e da reparação. Repara-se por força do Direito Positivo e, também, por um princípio de Direito Natural, pois não é justo prejudicar nem os outros e nem a si mesmo.
Facilita-se a obtenção da prova da responsabilidade, sem se exigir a intenção, a imprudência e a negligência para serem protegidos bens de alto interesse de todos e cuja lesão ou destruição terá consequências não só para a geração presente, como para a geração futura.
Nenhum dos poderes da República, ninguém, está autorizado, moral e constitucionalmente, a concordar ou a praticar uma transação que acarrete a perda de chance de vida e de saúde das gerações.

Entretanto, ainda que se esteja diante de responsabilidade civil objetiva, a configuração do dever de reparar demanda a prova do dano e a demonstração do nexo causal entre a conduta e o resultado, pois estes são elementos essenciais ao reconhecimento do direito de reparação.

É que apesar de a responsabilidade decorrente de danos ambientais não admitir as excludentes de responsabilidade (caso fortuito ou força maior, culpa exclusiva da vítima e fato de terceiro), nos termos do art. 14, § 1º da Lei 6.938/81, imprescindível a demonstração do nexo causal.

3. Conceito de nexo causal ou nexo de causalidade

O nexo causal ou de causalidade é um dos pressupostos da responsabilidade civil e o primeiro a ser analisado para que se conclua pela responsabilidade do agente, pois somente poder-se-á decidir se este agiu ou não com culpa, se através da sua conduta provém um resultado.

Logo, não basta a prática de um ato ilícito ou a ocorrência de um evento danoso, mas que o ato motivador da responsabilidade seja a causa do dano e que o prejuízo sofrido pela vítima seja decorrência desse ato.

Em outras palavras, o nexo causal consiste na relação de causa e efeito existente entre a conduta do agente e o dano causado.

Em relação ao conceito de nexo causal, Sergio Cavalieri Filho[2] leciona:

É a primeira questão a ser enfrentada na solução de qualquer caso envolvendo responsabilidade civil. […] o problema do nexo causal diz respeito às condições mediante as quais o dano deve ser imputado objetivamente à ação ou omissão de uma pessoa.
O conceito de nexo causal não é exclusivamente jurídico; decorre primeiramente das leis naturais. É o vínculo, a ligação ou relação de causa e efeito entre a conduta e o resultado.
A relação causal estabelece o vínculo entre um determinado comportamento e um evento, permitindo concluir, com base nas leis naturais, se a ação ou omissão do agente foi ou não causa do dano […].
Mas o nexo causal, além desse elemento naturalístico, exige também uma avaliação jurídica pelo juiz para verificar, com precisão, a relação entre certo fato e determinado resultado. […]
O juiz tem que eliminar os fatos que foram irrelevantes para a efetivação do dano. O caráter eliminatório consiste em estabelecer que, mesmo na ausência desses fatos, o dano ocorreria. […]
Pode-se ainda afirmar que o nexo de causalidade é elemento indispensável em qualquer espécie de responsabilidade civil. Pode haver responsabilidade sem culpa […], mas não pode haver responsabilidade sem nexo causal.

Com destaque também, o posicionamento de Silvio Venosa[3]:

O conceito de nexo causal, nexo etimológico ou relação de causalidade deriva das leis naturais. É o liame que une a conduta do agente ao dano.
É por meio do exame da relação causal que concluímos quem foi o causador do dano. Trata-se de elemento indispensável.
A responsabilidade objetiva dispensa a culpa, mas nunca dispensará o nexo causal. Se a vítima, que experimentou um dano, não identificar o nexo causal que leva o ato danoso ao responsável, não há como ser ressarcida.

Admitir a responsabilização por dano ambiental sem que reste configurado o nexo causal, seria sustentar uma responsabilidade por risco integral, a qual se faz presente tão só em face do dano.

Entretanto, o Direito brasileiro adotou responsabilidade por risco integral somente em casos excepcionais, como nos danos decorrentes das atividades de exploração nuclear.

No entanto, a presunção jamais poderá ser absoluta, devendo satisfazer o mínimo, de modo que, somente o fato idôneo ou adequado para produzir o dano é de ser levado em consideração para o estabelecimento de responsabilidade.

Por fim, não se deve confundir nexo de causalidade com a responsabilidade sem culpa, pois não existe responsabilização sem o nexo causal, até porque, este funciona como referencial entre a conduta e o resultado.

4. Desnecessidade de reparação civil

Como visto, a responsabilidade civil objetiva exige a comprovação da ocorrência de dano e do nexo de causalidade com a conduta do agente.

Isso leva à seguinte conclusão: se a única pendência para tornar a atividade regular é a obtenção de licença ou autorização, então não haverá dano ambiental, mas mera infração administrativa, porquanto assim que obtida, a atividade passa a ser regular.

Por exemplo, nos casos em que o agente está desprovido de autorização ou licença para explorar atividade potencialmente poluidora, ainda que seja passível de punição na esfera administrativa, não poderá ser responsabilizado à reparação civil, ante a ausência de nexo de causalidade entre a conduta e o dano.

Isso porque, não se pode admitir como razoável que uma determinada seja considerada como atividade degradadora, tão somente porque a conduta se caracteriza também como infração administrativa ambiental, quando o único motivo para a autuação é a ausência de autorização ou licença expedida por órgão ambiental competente.

Ao contrário, o raciocínio conduz à conclusão de que, se o infrator possuir a necessária autorização do órgão ambiental competente, estaria o meio ambiente a salvo de degradação, não obstante o desenvolvimento da mesma atividade.

Isto, em se considerando que nenhum dado fático, relativamente ao exercício da atividade, for levantado contra o infrator para fundamentar a sua incursão nas penas cominadas a quem ocasiona danos ambientais.

4.1. Ausência de dano a ensejar a reparação

O instituto da responsabilidade objetiva prescinde tão somente da prova do elemento subjetivo que integra a conduta do agente, sendo desnecessária, para tanto, a prova de culpa ou dolo.

Basta que se comprove o dano e o nexo causal com a conduta ilícita, sob pena de não haver o que ser ressarcido.

Assim, se o ato não é capaz de provocar qualquer degradação ambiental, não existirão provas de que o alegado transgressor tem o hábito de degradar o meio ambiente, não possuindo qualquer dimensão suficiente para valoração da norma ambiental, ainda mais, quando a conduta estiver mais voltada ao desleixo do que para o sentido destrutivo.

Entendimento diverso leva à conclusão que, se a simples ausência de autorização do órgão ambiental competente, já configura, por si só, dano ambiental passível de indenização, então, o descumprimento de norma administrativa configuraria dano ambiental presumido, o que é vedado pela sistemática normativa brasileira.

Portanto, nestes casos, o destaque se dá para a autorização administrativa, e não para o papel ecológico a que a atividade tida como degradadora provoca, até porque, se o agente estiver munido de autorização, a atividade passa a ser lícita e não haverá dano.

5. Conclusão

Como debatido, no caso da reparação civil é fundamental que se comprove a ocorrência de dano efetivo, além da demonstração do nexo de causalidade entre a conduta e o resultado.

É que não se pode admitir que a simples ausência de autorização administrativa configura o dano ambiental, pois seria o mesmo que dizer que concedida a licença ou autorização pelos órgãos ambientais competentes, estaria suprido, do ponto de vista ambiental, a ausência dos recursos naturais do planeta.

Assim, quando possível a concessão da autorização ou licença, mas a infração administrativa se caracterizar tão somente por sua ausência, não haverá dano ambiental passível de reparação na esfera civil.

É claro que não podemos desprezar às normas administrativas ambientais, que, em muitos casos, preveem multas e sanções, a fim de regulamentar as ações humanas em face do meio ambiente.

Mas, por outro lado, deve ser concedido prazo para a regularização, já que a atividade que pode ensejar a infração, na maioria das vezes, não é proibida, apenas carece de licença ou autorização, a exemplo da mineração, supressão de vegetação, etc.

Logo, na hipótese de descumprimento de norma administrativa (necessidade de licença ou autorização), a responsabilização civil, sem a devida comprovação de efetivo dano ambiental, não pode ser aplicada.

Conclui-se que, se a única pendência para tornar a atividade regular é a obtenção de licença ou autorização, então não há que se falar em reparação civil, porque ausente prova de dano, uma vez que a atividade é passível de licenciamento ou autorização.

[1] Direito Ambiental Brasileiro, Malheiros Editores, 12ª ed., 2004, p. 326-327.

[2] Programa de Responsabilidade Civil, São Paulo, Atlas, 2012, p. 49.

[3] Direito Civil: Responsabilidade Civil. Vol.4. 3ºed. São Paulo: Atlas S.A., 2003.


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