Resenha Crítica: Os Princípios do Direito do Trabalho diante da Flexibilidade Laboral.

23/07/2022 às 00:51
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FICHAMENTO CRÍTICO TEIXEIRA, Sérgio Torres; BARROSO, Fábio Túlio. Gabriela Neves; AMORIM, Helder Santos. Os Princípios do Direito do Trabalho diante da Flexibilidade Laboral. Rev. TST, Brasília, vol. 75, no 3, jul/set 2009

A principal razão que me levou a escolher esse texto foi a concepção que eu tinha, antes de ler, sobre a importância dos princípios, como verdadeiros norteadores da interpretação das normas e subsunção dos casos concretos, dentro do clássico modelo de normas e princípios desenvolvido por Alexy e Dworkin. A primeira impressão que tive, tanto da leitura do presente texto sob fichamento quanto das aulas expositivas sobreo tema, é que os princípios do Direito do Trabalho são bem intuitivos e de fácil compreensão pelo menos para mim. Diferentemente dos princípios específicos ou que se aplicam em maior grau a dos outros ramos do direito ou até mesmo de alguns (ou talvez a maioria?) princípios constitucionais, que geralmente são embasados em critérios quase que inteiramente ideológicos, os princípios trabalhistas parecem ter surgido de baixo para cima, da realidade empírica dos fatos, da observação dos casos concretos. Tudo isso os tornam mais inteligíveis e, aparentemente, de mais fácil aplicação.

Porém, tão observáveis a olho como são os princípios trabalhistas, são também a sua deterioração e sua perda de força ou mesmo validade. Mesmo antes de iniciar os estudos específicos do assunto e de entender quais seriam os princípios deste ramo do direito, já era possível observar os constantes ataques que têm sofrido os direitos trabalhistas pelas últimas reformas trabalhistas, que parecem ter precarizado totalmente as relações de emprego e de trabalho em geral, o que só tem sido permitido pela aniquilação de alguns princípios trabalhistas que poderiam servir de escudo para barrar os avanços da precarização. O que me pareceu ainda mais grave foi perceber, pela leitura do texto de Teixeira et al (2009), que parece ser possível a flexibilização de alguns princípios do direito do trabalho até mesmo diante de convenção das partes. Enquanto, pelas lições do modelo clássico de regras e princípios já mencionados, o que parecia prevalecer era que os princípios nunca são totalmente anulados, nem mesmo quando entram em choque um com os outros, no máximo há a prevalência de um deles diante do caso concreto apresentado. Por fim, é também um pouco assustador a constatação de que a publicação do texto de Teixeria et al é datada de 2009, e que de lá para cá já houve inúmeras outras reformas trabalhistas.

Talvez toda essa flexibilidade dos princípios do Direito do trabalho se explique pela observação dos comentários dos autores, logo no início, de que os princípios do Direito do trabalho ainda se encontram em fase de amadurecimento e que o conteúdo do Direito do Trabalho é composto em sua maior parte por normas oriundas da atividade legislativa do Estado ou mesmo da ratificação de tratados internacionais, e ainda que esses princípios foram pensados para um realidade produtiva específica, e muito provavelmente com foco mesmo na relação de emprego: os princípios do Direito do Trabalho foram penados para uma realidade produtiva que proporcionou uma certa uniformidade das relações de trabalho (Teixeria et al., p. 58).

Os princípios do Direito do Trabalho objetivam tutelar relações e direitos que se confundem com as próprias origens históricas do Direito do Trabalho e seu fundamentos de criação: que é o de assegurar maior proteção jurídica ao empregado economicamente hipossuficiente, para afinal alcançar uma igualdade proporcional entre os sujeitos da relação de emprego, ou seja, o objetivo principal é a proteção do trabalhador, que é presumidamente o lado mais fraco da relação jurídica. E disso já podemos destacar dois pontos: i) não há clássica autonomia das vontades aqui, nos moldes do Direito Civil, para dispor do contrato e assumirem obrigações na forma que julgarem mais conveniente; ii) Dizer que o Direito do Trabalho foi criado com a finalidade de proteção ao trabalhador não quer dizer que sempre haverá decisão favorável a este.

Os princípios clássicos apresentados pelo iluste Américo Plá Rodriguez: princípio de proteção, princípio da irrenunciabilidade dos direitos, princípio da primazia da realidade, princípio da razoabilidade, princípio da boa-fé e princípio da continuidade da relação de emprego. São esses os princípios que serão a seguir elaborados, sem prejuízo de outros apontados pela doutrina, mas não elencados na lista de Rodriguez.

O princípio da segurança é o que mais se confunde com a função primordial de proteção do trabalhador/empregado que foi uma das maiores motivadoras da criação do próprio Direito do Trabalho. Serve de apaziguador das relações é princípio norteador também e todos os demais, diz-se que devem então ser sempre evado em consideração, sopesado em conjunto com outros que forem pertinentes. Desse princípio decorrem três outros subprincípios ou regras básicas que visam a proteção do trabalhador: i) a regra in dubio pro operário, que orienta a interpretação de norma pouco clara; iii) a regra da norma mais favorável: se houver duas aplicáveis...; iii) a regra da condição mais benéfica: uma nova norma jamais deve prejudicar as condições mais favoráveis em que se encontra o empregado.

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princípio de proteção,

O princípio da irrenunciabilidade dos direitos talvez seja o único que visa proteger o empregado de si próprio, pois preceitua que os direitos que empregado possui são indisponíveis, ou seja, que ele não pode simplesmente recusá-los ou negociá-los, pois são assegurados em norma de ordem pública, imperativas e inderrogáveis. E em caso de tentativa de renúncia, esta deverá ser considerada nula de pleno direito.

O princípio da primazia da realidade determina que, pela lógica do direito do trabalho, deverá buscar-se a realidade fática da relação trabalhista sempre e, no conflito com documento ou outras provas, deve prevalecer a realidade dos fatos. Por exemplo, se houve uma carteira de trabalho assinada de modo a dizer que houve menos meses trabalhados do que o que de fato houve, ou de uma folha de ponto com as horas todas iguais etc., os fatos devem prevalecer sobre esses documentos. Interessante notar que esse princípio segue uma lógica que é inversa a de outros ramos do direito, como a do direito penal, por exemplo  que, no caso, diz que o que está nos autos, não é válido e deve ser ignorado.

O princípio da razoabilidade não é exclusivo do Direito do Trabalho, está presente em basicamente todos os ramos do direito   deveria ser um princípio observado até mesmo na vida íntima das pessoas  corresponde ao postulado que estabelece a prevalência da razão dentro do âmbito das relações trabalhistas, definindo a consagração da racionalidade dentro da esfera laboral.

O princípio da boa-fé, outro que não é exclusivo do ramo trabalhista, serve de pressuposto que nas relações de trabalhos ambos os polos irão cumprir suas obrigações com lealdade, representa a suposição segundo a qual os sujeitos da relação de emprego, o empregado e o empregador, atuam de forma leal dentro da seara das suas obrigações contratuais. Ambas as partes do contrato de trabalho, portanto, devem cumprir o respectivo pacto de boa-fé (Teiexeira et al, p. 61).

O princípio da continuidade da relação de emprego, esse sim um dos clássicos do direito do trabalho, talvez seja o mais programático e mais flexível de todos os princípios, embora seja um dos mais nucleares, ele visa proteger o empregado de demissões arbitrárias, devido a mudanças nas condições de saúde dele, ou por causa de uma mudança de dono do estabelecimento contratante, por exemplo. Muitos dos mecanismos de proteção à demissão sem justa causa do empregado, como o fundo de garantia por tempo de serviço (Fgts) por exemplo, tem como pressuposto dar eficácia a esse princípio. Deve ser observado na relação de trabalho que o contrato de trabalho um pacto de trato sucessivo e de caráter intuitu personae em relação à pessoa do empregado e priorizada a manutenção do vínculo empregatício.

O princípio da intangibilidade salarial é reconhecido por boa parte da doutrina, como Godinho, e deve ser entendido como elemento genérico que impede a subtração dos valores de natureza de subsistência do trabalhador , ou seja, o salário, sem que haja previsão legal para isso(Teixeira et al, 63) e se desdobra no princípio da irredutibilidade salarial  embora essa admita a possibilidade de redução salarial temporária e justificada, em decorrência de situações empresariais excepcionais, sempre respeitado o piso salarial legal ou convencional.

Mas em face das aceleradas mudanças das relações da própria sociedade, como o avanço da tecnologia e mudanças no próprio modo de interação entre as das pessoas, por meios virtuais e a grande distância, por exemplo, todas as relações humanas têm se tornado cada vez mais líquidas, efêmeras, temporárias. E as relações de trabalho ou emprego também não estão imunes a essas mudanças. Só que ainda mais grave no caso dos princípios do Direito do trabalho, são as ameaças constantes ocasionadas pelas introduções de novos modelos produtivos em nossa sociedade, das reformas políticas e trabalhistas, que prejudicam direitos trabalhistas e até mesmo da automação provocada pelo avanço da tecnologia da informação.

Portanto, sugerem Teixeira et al. como resposta a todas essas ameaças e a onda privatista e modificadora da essência tutelar conjuntural ao trabalhador no sistema produtivo, que todos os operadores do direito envidem esforços no sentido de ratificar um novo princípio que serviria como resistência à flexibilização dos demais princípios e suas consequências, o princípio do não retrocesso social, como corolário de um sociedade mais justa, da manutenção da ordem jurídica e reforço a um dos princípios mais fundamentais de todo o direito: o princípio da dignidade da pessoa humana.

Sobre o autor
Diego Lima do Nascimento

Bacharel em Ciência Política (UnB) e bacheralando em Direito (UnB), artigo apresentado submetido como forma de avaliação do curso de Direito Penal

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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