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Princípio da segurança jurídica

Princípio da segurança jurídica

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A segurança jurídica é um subprincípio do Estado de Direito e que possui papel diferenciado na concretização da justiça material (MENDES; COELHO; BRANCO, 2009, p.533).

O princípio da segurança jurídica, também conhecido como princípio da confiança legítima (proteção da confiança), é um dos subprincípios básicos do Estado de Direito, fazendo parte do sistema constitucional como um todo e, portanto, trata-se de um dos mais importantes princípios gerais do Direito.

Ele tem por objetivo assegurar a estabilidade das relações já consolidadas, frente à inevitável evolução do Direito, tanto em nível legislativo quanto jurisprudencial. Trata-se de um princípio com diversas aplicações, como a proteção ao direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. Além disso, é fundamento da prescrição e da decadência, evitando, por exemplo, a aplicação de sanções administrativas vários anos após a ocorrência da irregularidade. Ademais, o princípio é a base para a edição das súmulas vinculantes, buscando por fim a controvérsias entre os órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarretem grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica (art. 103-A, § 1º, CF).

A segurança jurídica é um subprincípio do Estado de Direito e que possui papel diferenciado na concretização da justiça material (MENDES; COELHO; BRANCO, 2009, p.533), sendo vista na doutrina não só como a garantia do cidadão contra o arbítrio estatal, mas também como a previsibilidade da atuação do Estado em face do particular, exigindo para si, portanto, regras fixas. (AMARAL, 2013).

O princípio, visto como estabilidade e continuidade da ordem jurídica e previsibilidade das consequências de determinada conduta, é indispensável para a conformação de um Estado que pretenda ser Estado de Direito. (MARINONI, 2013, p.119).

Isto porque, para que a segurança jurídica possa ser efetivamente alcançada, faz-se necessária a implementação de institutos que sejam aptos a ensejar uma maior uniformização de jurisprudência, garantindo previsibilidade àqueles que ingressam em juízo quanto às sentenças. Tanto porque, é válido mencionar que a discrepância em excesso dos julgamentos gera intranquilidade social e faz com que os jurisdicionados não tenham confiança na solução ofertada pelo Poder Judiciário, além de ocasionar um aumento do número de recursos.

Para atender a este fim, o incidente de resolução de demandas repetitivas se mostra como um instituto capaz de conferir a segurança jurídica, mediante clareza da lei e a previsibilidade do direito, à estabilidade das relações jurídicas e maior confiança dos cidadãos no Estado quando buscar pelo judiciário para resolver seus conflitos.

Em termos conceituais, José Afonso da Silva (2008, p. 433) define a segurança jurídica como um conjunto de condições que tornam possível às pessoas o conhecimento antecipado e reflexivo das consequências diretas de seus atos e de seus fatos à luz da liberdade reconhecida.

O ordenamento jurídico brasileiro, conforme anteriormente mencionado, abarca a segurança jurídica como um princípio constitucional implícito, o que significa dizer que sua base normativa é inferida mediante a interpretação de aplicações práticas trazidas pelo texto da Constituição Federal. Como exemplo, podemos citar o disposto em seu artigo 5º, inciso XXXVI, in verbis: a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.

Para melhor compreensão do disposto no artigo supracitado, pode-se buscar respaldo no artigo 6º do Decreto-Lei nº. 4.657, de 04 de setembro de 1942, mais conhecido como Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, onde se encontra a definição jurídica de direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada, assim feita:

Art. 6º A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato

jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada.

§ 1º Reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou.

§ 2º Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém

por ele, possa exercer, como aqueles cujo começo do exercício tenha termo

pré-fixo, ou condição pré-estabelecida inalterável, a arbítrio de outrem.

§ 3º Chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não

caiba recurso. 

O que se quer dizer com tais colocações legais é que a legislação nova não poderá modificar situações que foram consumadas, perfectibilizadas ou julgadas mediante aplicação da legislação anterior, ou seja, o cidadão não pode ser prejudicado em seus direitos por edição de lei posterior, quando os seus atos estavam em plena conformidade com a legislação vigente ao tempo de sua ação.

Verifica-se assim, que a legislação pátria tomou o cuidado de proteger a estabilidade das relações jurídicas interpessoais, de modo que a atividade jurisdicional do Estado deve corresponder a esse objetivo de modo satisfatório, não podendo, para tanto, organizar-se em um sistema instável.

Por outro lado, haver, indefinidamente, posicionamentos diferentes e incompatíveis, nos Tribunais, a respeito da mesma norma jurídica, leva a que jurisdicionados que estejam em situações idênticas, tenham de submeter-se a regras de conduta diferentes, ditadas por decisões judiciais emanadas de tribunais diversos. Esse fenômeno fragmenta o sistema, gera intranquilidade e, por vezes, verdadeira perplexidade na sociedade. [...] Essa é a função e a razão de ser dos tribunais superiores: proferir decisões que moldem o ordenamento jurídico, objetivamente considerado. A função paradigmática que devem desempenhar é inerente ao sistema. [...] Evidentemente, porém, para que tenha eficácia a recomendação no sentido de que seja a jurisprudência do STF e dos Tribunais superiores, efetivamente, norte para os demais órgãos integrantes do Poder Judiciário, é necessário que aqueles Tribunais mantenham jurisprudência razoavelmente estável. A segurança jurídica fica comprometida com a brusca e integral alteração do entendimento dos tribunais sobre questões de direito.

O trecho supracitado encontra-se posicionado justamente no momento de explanação dos motivos justificadores para a criação do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, portanto, inquestionável a afirmação de que tal instituto processual foi criado com vistas à concretização da segurança jurídica processual. Desta forma, é necessário que exista univocidade nas situações jurídicas, de modo que o cidadão saiba, na medida do possível, as consequências de seus atos e as reações que terceiros poderão ter em face deles. (MARINONI, 2012, p. 565).

Portanto, a segurança jurídica aplicada ao processo constitui direito à certeza das situações jurídicas processuais e não deve se pautar só pela segurança no bojo dos processos, mas também na segurança através do processo. (SARLET; MARINONI; MITIDIERO, 2012, p. 671). Ou seja, o cidadão deve enxergar o Poder Judiciário como uma instituição de garantia de seus direitos e o processo como um instituto hábil a lhe auxiliar quando alguma esfera jurídica de sua vida for violada.

 

 


Referências:

 


OLIVEIRA, Vallisney de Souza. O Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas introduzido no Direito brasileiro pelo Novo Código de Processo Civil. RIL Brasília a. 53 n. 210 abr./jun. 2016 p. 63-80. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/ril/edicoes/53/210/ril_v53_n210_p63.pdf. Acesso em: 02 out. de 2017.

GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Direito processual civil esquematizado. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2016.

MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2017.

AMARAL, Guilherme Rizzo. Efetividade, Segurança, Massificação e a Proposta de um Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas. In: Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil nº 53 - Mar/Abr de 2016.

MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes Obrigatórios. 3ª ed. revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017,p. 119.


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