A organização dos poderes é pautada pelo equilíbrio e completude, o qual a independência e a harmonia constituem uma espécie de dialética materialista regida pelos preceitos fundamentais das suas leis, que contemplam: a ação recíproca (os quais os fenômeno e objetos estão organicamente ligados entre si), mudança dialética (ação mediante a negação, ao que se refere aos contrapesos), mudança quantitativa para qualitativa (quanto à expectativa eletiva para composição orgânica) e a interpenetração dos contrários em seu sentido estrito. Esta alusão sucinta acerca dos aspectos filosóficos dos poderes implica sobre a essência do sistema de freios e contrapesos desenvolvido por Montesquieu, em sua obra O Espírito das Leis, que infere diretamente na estrutura organizacional moderna dos Estados. Decerto que cada poder é dotado de funções típicas e atípicas, dentre as quais, compete ao legislativo fiscalizar as contas do executivo com o auxílio do seu órgão responsável, que é o tribunal de contas. É sobre a consequência de inelegibilidade por desaprovação das contas públicas devido às irregularidades encontradas pelo órgão fiscalizador que iremos discorrer nossa análise.
A rejeição das contas públicas constitui um dos pressupostos para inelegibilidade, o qual seus requisitos abordaremos logo adiante, porém, se faz oportuno, a priori, elucidar quais as espécies de contas públicas em seus respectivos regimes jurídicos.
As contas públicas se dividem em duas: conta de governo, destinada para a gestão política do chefe do poder executivo, a qual será submetida a julgamento pelo poder legislativo com o auxílio do tribunal de contas, que emitirá um parecer prévio. Esta conta tem por finalidade custear a atuação anual do governo em relação à saúde, educação (função alocativa) e gastos com a manutenção do funcionalismo público através despesas com o pessoal (fixadas como despesas correntes e previstas na lei de responsabilidade fiscal, LC nº 101/2000), sendo assim, o exercício financeiro deverá prevê os limites mínimos e máximos que serão empregados em cada setor, de acordo com a constituição e a lei complementar nº 4.320/64, que rege o ciclo orçamentário. O planejamento da execução orçamentária relativo às despesas e investimentos tem como base a receita prevista e a fixação de despesas que serão analisadas pelo tribunal de contas em sua conformidade, assim como a movimentação de créditos adicionais, resultados financeiros e situação patrimonial, (Furtado, 2014). Sobretudo, com exceção das despesas com o pessoal, serviço da dívida e transferências tributárias, o julgamento das contas públicas pelo legislativo ocorre por um critério subjetivo de conveniência e oportunidade, podendo algumas despesas ser anuladas. A conta de gestão é empregada para o gerenciamento da administração pública (órgãos e entidades) na prática dos seus atos de gestão e provimento de recursos, tais como admissões, aposentadorias, licitações, pagamentos, liquidação de débito e restos a pagar, dentre outros. Segundo Caldas Furtado (p. 12, 2014), o julgamento das suas contas é essencialmente técnico, obedecendo aos parâmetros da ordem técnico-jurídico, consonante com a subsunção de fatos à objetividade das normas constitucionais. De acordo com artigo 71, $ 3º CF, as decisões do tribunal de que resulte a imputação de débito ou multa (ao responsável por prejuízo ao erário) terão eficácia de título executivo. Nessa apreciação de contas é que será analisado o desvio de finalidade dos recursos públicos quanto aos seus interesses, sendo julgado cada ato separadamente.
O fato é que, segundo o TSE, nem toda desaprovação de contas enseja a causa de inelegibilidade, pois em interpretação a Lei complementar nº 64/1990, introduzida pela LC 135/2010, o tribunal compreende que os requisitos são cumulativos e devem dispor da seguinte forma em consonância com o artigo 1º e inciso I da alínea G:. I) decisão de órgão competente; II) decisão irrecorrível no âmbito administrativo; III) desaprovação devido à irregularidade insanável; IV) irregularidade que configure ato doloso de improbidade administrativa; V) prazo de oito anos contados da decisão não exaurida; VI) decisão não suspensa ou anulada pelo poder judiciário. A lei 9504, que versa sobre as eleições, ainda prevê que em casos em que as questões estiverem sob apreciação do poder judiciário, a candidatura será válida. A inclusão de nomes na lista para avaliação das contas remetidas pelo tribunal à justiça eleitoral não obsta a candidatura ou impugna a eleição, salvo se consideradas improcedentes nos cinco últimos anos anteriores à realização da eleição.
A previsão de fiscalizar os bens e valores públicos, pelo legislativo, como forma de controle externo se encontra amparada no artigo 71, inciso II da constituição, que também prevê o julgamento, pelo tribunal de contas, das despesas que envolvem todos os entes da administração direta e indireta, assim como sociedades instituídas e mantidas pelo poder público e as contas daqueles que deram causa a perda, extravio ou outra irregularidade que resulte prejuízo ao erário.
Existem sobre a matéria em análise, diversas demandas interpostas por recursos especiais remetidos à justiça eleitoral. O REspe nº 28944 trata sobre a competência do tribunal de conta para apreciação das contas do chefe do executivo relativas à convênio, quanto a natureza do seu julgamento, o qual o TSE julgou improcedente a alegação da defesa de que tal análise não se vincula como função típica do órgão em seu âmbito fiscal, mas sim de natureza meramente opinativa. O argumento central deste recurso fora de fato desconstruir as atribuições do TCE contestando a sua competência quanto à matéria. Já no recurso eleitoral 7481 TRE-RN, as contas do chefe do executivo foram julgadas pelo presidente da câmara municipal e foram declaradas desaprovadas por decreto legislativo. Incorrendo sobre vício de competência, pois tal ato se vincula a apreciação técnica do TCE, o TRE-RN declarou o recurso especial procedente, anulando assim o decreto legislativo que desaprovou as contas do prefeito e o tornava inelegível para reeleição. Visto que já havia uma jurisprudência da corte superior quanto a caso análogo: AgR-REspe nº 3908: descabe a inelegibilidade quando a rejeição de contas ignora parecer prévio da Corte de Contas pela aprovação do ajuste contábil. Entretanto, no recurso extraordinário, RE nº 848.826, apreciado pelo STF, pondera que a apreciação das contas dos prefeitos será realizada pelas câmaras municipais com o auxílio dos tribunais de contas competentes, cujo parecer prévio somente deixará de prevalecer por decisão de dois terços dos vereadores.
Vale ressaltar que o termo inicial para contagem do prazo de inelegibilidade de oito anos começa a ser contado a partir da data da publicação da decisão que rejeitou as contas. Esta apreciação teve como definição o alcance de terceiros beneficiados de alguma forma com pretensão eletiva, tornando-os inelegíveis e resguardando os interesses públicos.
Referências Bibliográficas
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