Auto de infração de ICMS é anulado após empresa da agroindústria comprovar tese de boa-fé

26/12/2022 às 17:11
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O juiz José Daniel Dinis Gonçalves, da Vara da Fazenda Pública de Araçatuba (SP), confirmou liminar e julgou procedente o pedido de empresa da agroindústria para anular Auto de Infração e Imposição de Multa (AIIM), de cifra milionária, lavrado pelo Fisco Paulista, em razão de remessa de mercadorias à empresa destinatária declarada como inidônea. Em defesa da empresa autuada, o advogado Diêgo Vilela, demonstrou que a empresa agiu de boa-fé e, por isso, a infração deveria ser anulada.

Diante da decisão proferida em junho, a Fazenda Pública Paulista apresentou resposta alegando, em síntese, que o “Auto de Infração e Imposição de Multa (AIIM) foi lavrado com a escorreita análise dos documentos pertinentes, ausente qualquer vício apto a ensejar nulidade. O erro do relatório foi corrigido e oportunizada defesa”.

Na ação, Diêgo Vilela demonstrou que as operações questionadas pelo Fisco ocorreram no período de setembro de 2016 a março de 2017. Enquanto a declaração de inidoneidade, apesar do efeito retroativo, só ocorreu em julho de 2018. “Ou seja, a empresa destinatária passou a ser considerada inidônea em data posterior à transação. Quando as mercadorias foram encaminhadas, tudo ainda estava regularizado”, destacou o advogado.

Segundo ele, isso se deve porque o Fisco entende que os efeitos da inidoneidade retroagem à data da criação da empresa declarada inidônea. Assim, todas as operações depois disso passam a ser consideradas “fraudulentas”. Por conta disso, depois de tentar pela instância administrativa sem sucesso, a empresa autuada recorreu à Justiça com uma ação anulatória, visando suspender em sede liminar o protesto do crédito constituído pelo auto de infração.

O advogado conseguiu a liminar com base nos argumentos que demonstraram que a empresa tinha razão. “Geralmente, a suspensão da exigibilidade acontece quando é depositada a quantia cobrada no processo. Neste caso, não foi necessário, porque o magistrado reconheceu que não havia motivo para tal”, afirma.

“Assim, levando-se em conta o fato de que a declaração de inidoneidade foi tornada pública em data posterior as operações questionadas e, considerando-se que houve efetivo pagamento, resta concluir-se pela veracidade da transação e pela existência da boa-fé”, sentenciou o juiz José Daniel Dinis Gonçalves.


SENTENÇA

Processo Digital nº: 1009802-40.2022.8.26.0032

Vistos.

A. AGROINDUSTRIA EIRELI ingressou com a presente ação em face de FAZENDA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO alegando, em síntese, que foi lavrado Auto de Imposição e Imposição de Multa n° 4.137.789-8, em decorrência de operações mercantis realizadas com empresa declarada inidônea pelo Fisco, declaração esta que somente ocorreu após as operações. Aduz que a declaração de inidoneidade não poderia retroagir e prejudicar a contribuinte de boa-fé, pois na época das operações comerciais de compra e venda a empresa emitiu notas fiscais que se encontravam regulares. Por outro lado, as transações foram efetivadas por meio de terceira empresa contratada, não mantendo a parte autora relação direta com a empresa declarada inidônea, sequer realizada diligência pelo fisco onde estabelecida a empresa. O AIIM é nulo, porque ausente a capitulação da infração, divergência entre a capitulação e os fatos apurados e relatório contendo relato estranho à parte. Pede a anulação do Auto de Infração com a consequente anulação das imposições lançadas. Juntou documentos.

Tutela concedida.

Citada, a Fazenda apresentou resposta alegando, em síntese,

que o AIIM foi lavrado com a escorreita análise dos documentos pertinentes, ausente qualquer vício apto a ensejar nulidade. O erro do relatório foi corrigido e oportunizada defesa. O conjunto probatório constante do procedimento administrativo não deixa margem à dúvida quanto ao cometimento das infrações, desclassificadas as notas fiscais cujo destinatário foi declarado inidôneo. Ainda que reais as transações, tais não se deram como descritas nas notas fiscais. O fato de uma empresa possuir registro no Cadastro da Secretaria da Fazenda não a torna apta, posto que o registro não tem caráter constitutivo mas declaratório, não convalidando atos declarados falsamente. Ainda que as mercadorias tenham sido entregues e os pagamentos efetuados, é inequívoco que a transação não aconteceu na forma descrita nas notas fiscais objeto de autuação. A responsabilidade pela infração independe da boa-fé do agente, não se aplicando no caso a súmula 509 do STJ. A multa não apresenta caráter confiscatório. Pede a improcedência.

Sobreveio réplica.

Decido.

Julgo antecipadamente o feito, embora não trate de questão

unicamente de direito, mas também de fato, porque desnecessária maior dilação probatória.

Procede o pedido.

Pretende a empresa-autora a anulação do Auto de Infração e Imposição de Multa AIIM n° 4.137.789-8, lavrado pelo Fisco, pela aquisição de mercadoria adquiridas com documentação fiscal emitida por empresa considerada inidônea.

Quanto as alegadas nulidades do Auto, tenho que não procedem.

De fato, como se extrai dos documentos acostados, houve irregularidade quanto ao relatório circunstanciado da infração, contendo o Auto fato estranho à parte. Mas tal irregularidade foi sanada na fase administrativa, sendo substituído e reaberto prazo para apresentação de defesa, logo, ausente qualquer prejuízo.

No que se refere as alegados erros de capitulação, deve ser observado que a parte se defende dos fatos imputados e não de artigo de lei.

E quanto a alegada ausência de diligência no local pelo fisco, o fato de constar nome de empresa estranha aos fatos (NS), não prova a o alegado, pois se observa que o endereço é o mesmo da TLT, aliás, constando existência de duas inscrições estaduais ativas no mesmo local.

Consta do referido AIIM as infrações apuradas (fls.152/154):

I - INFRAÇÕES RELATIVAS A DOCUMENTAÇÃO FISCAL NA ENTREGA, REMESSA, TRANSPORTE, RECEBIMENTO, ESTOCAGEM OU DEPÓSITO DE MERCADORIA OU, AINDA, QUANDO COUBER, NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO:

1. Remeteu no período de SETEMBRO/2016 a MARÇO/2017 mercadorias (Ácido graxo bruto de soja) no valor de R$ 1.126.436,50 (um milhão, cento e vinte e seis mil, quatrocentos e trinta e seis reais e cinquenta centavos) a destinatário diverso do indicado no documento fiscal, situado neste Estado, conforme se comprova pelas notas fiscais relacionadas no anexo B. As notas fiscais foram desclassificadas pelo fisco em razão do destinatário das mercadorias ter sido declarado inidôneo de acordo com o procedimento de constatação de nulidade de inscrição PCN (GDOC97884-890341/2017).

INFRINGÊNCIA: Art. 125, do RICMS (Dec. 45.490/00).

CAPITULAÇÃO DA MULTA: Art. 85, inc. III, alínea "b" c/c §§ 1°, 9° e 10°, da Lei 6.374/89.

Documentos apresentados com a inicial indicam que as operações questionadas pelo Fisco ocorreram no período de setembro/2016 a março/2017 (fls. 152).

A declaração de inidoneidade pelo Fisco, apesar do efeito retroativo a 01/06/2016, só ocorreu em julho/2018 (fl. 310/316), mediante procedimento administrativo iniciado em 17/10/2017 (Protocolo 97884-890341 fls. 212. / DOE de 27/10/2017 - fls.214 Processo GDOC 97884-890341/2017 - fls. 218/221), ou seja, em data posterior à transação.

Quanto a este aspecto, a jurisprudência do C. STJ se firmou no sentido de nos casos de fraude fiscal, como no presente caso, onde se alega simulação quanto a existência de estabelecimento, o empresário de boafé que entabula negócios com empresa considerada inidônea, não pode ser responsabilizado uma vez comprovado a veracidade das operações mercantis, decidindo-se em tal hipótese que o ato declaratório da inidoneidade da empresa somente produz efeitos a partir de sua publicação, conforme julgado no RE 1.148.444/MG em recurso repetitivo:

Processo Civil. Recurso Especial Representativo de Controvérsia. Artigo 543-C, do CPC. Tributário. Créditos de ICMS. Aproveitamento (Princípio da Não-cumulatividade). Notas fiscais posteriormente declaradas inidôneas. Adquirente de boa-fé. “1. O comerciante de boa-fé que adquire mercadoria, cuja nota fiscal (emitida pela empresa vendedora) posteriormente seja declarada inidônea, pode engendrar o aproveitamento do crédito do ICMS pelo princípio da nãocumulatividade, uma vez demonstrada a veracidade da compra e venda efetuada, porquanto o ato declaratório da inidoneidade somente produz efeitos a partir de sua publicação (Precedentes das Turmas de Direito Público: Edcl. nos EDcl no REsp 623.335/PR, Rel. Ministra Denise Arruda, Primeira Turma, julgado em TRIBUNAL DE JUSTIÇA PODER JUDICIÁRIO São Paulo Apelação nº 1003570-44.2016.8.26.0445 -Voto nº 12805 11 11.03.2008, DJe 10.04.2008; REsp 737.135/MG, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 14.08.2007, DJ 23.08.2007; REsp 623.335/PR, Rel. Ministra Denise Arruda, Primeira Turma, julgado em 07.08.2007, DJ 10.09.2007; REsp 246.134/MG, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Segunda Turma, julgado em 06.12.2005, DJ 13.03.2006; REsp 556.850/MG, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 19.04.2005, DJ 23.05.2005; REsp 176.270/MG, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 27.03.2001, DJ 04.06.2001; REsp 112.313/SP, Rel. Ministro Francisco Peçanha Martins, Segunda Turma, julgado em 16.11.1999, DJ 17.12.1999; REsp 196.581/MG, Rel. Ministro Garcia Vieira, Primeira Turma, julgado em 04.03.1999, DJ 03.05.1999; e REsp 89.706/SP, Rel. Ministro Ari Pargendler, Segunda Turma, julgado em 24.03.1998, DJ 06.04.1998). 2. A responsabilidade do adquirente de boa-fé reside na exigência, no momento da celebração do negócio jurídico, da documentação pertinente à assunção da regularidade do alienante, cuja verificação de idoneidade incumbe ao Fisco, razão pela qual não incide, à espécie, o artigo 136, do CTN, segundo o qual “salvo disposição de lei em contrário, a responsabilidade por infrações da legislação tributária independe da intenção do agente ou do responsável e da efetividade, natureza e extensão dos efeitos do ato” (norma aplicável, in casu, ao alienante). 3. In casu, o Tribunal de origem consignou que: “(...) os demais atos de declaração de inidoneidade foram publicados após a realização das operações (f. 272/282), sendo que as notas fiscais declaradas inidôneas têm aparência de regularidade, havendo o destaque do ICMS devido, tendo sido escrituradas no livro de registro de entradas (f. 35/162). No que toca à prova do pagamento, há, nos autos, comprovantes de pagamento às empresas cujas notas fiscais foram declaradas inidôneas (f. 163, 182, 183, 191, 204), sendo a matéria incontroversa, como admite o fisco e entende o Conselho de Contribuintes.” 4. A boa-fé do adquirente em relação às notas fiscais declaradas inidôneas após a celebração do negócio jurídico (o qual fora efetivamente realizado), uma vez caracterizada, legitima o aproveitamento dos créditos de ICMS. 5. O óbice da Súmula 7/STJ não incide à espécie, uma vez que a insurgência especial fazendária reside na tese de que o reconhecimento, na seara administrativa, da inidoneidade das notas fiscais opera efeitos ex tunc, o que afastaria a boa-fé do terceiro adquirente, máxime tendo em vista o teor do artigo 136, do CTN. 6. Recurso especial desprovido. Acórdão submetido ao regime do artigo 543-C, do CPC, e da Resolução STJ 08/2008

(STJ 1ª S REsp 1148444/MG Rel. Luiz Fux j. 14.04.2010).

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E dos documentos constantes dos autos infere-se com razoável certeza a veracidade da transação comercial, aliás não impugnadas.

Sustenta a requerida que não foram apresentados documentos suficientes a comprovar a existência de tratativas comerciais e operações financeiras entre a parte autora e a empresa TLT LTDA à época das operações. Mas, tais não existem mesmo, pois conforme se extrai dos autos, a parte autora contratou terceira empresa Logline Soluções Logísticas Integradas para realizar a logística das operações, não mantendo a parte autora contato direto com a empresa declarada inidônea (fls.760/772).

Nota-se da defesa apresentada, que não há divergência quanto a existência das transações, pois consta que a parte autora apresentou e-mails, notas fiscais de exportação, CT-e e comprovantes de pagamento dos fretes, entretanto não se esclareceu com a documentação apresentada o real destinatário das notas fiscais emitidas, tendo em vista que a empresa TLT LTDA. não se encontrava em atividade no endereço informado nas notas fiscais emitidas (fls.1006), ou ainda que as mercadorias tenham sido entregues e os pagamentos efetuados, é inequívoco que a transação não aconteceu na forma descrita nas notas fiscais objeto de autuação (fls.1010). Logo, a infração é de natureza objetiva, em razão da não localização da empresa.

Assim, levando-se em conta o fato de que a declaração de inidoneidade foi tornada pública em data posterior as operações questionadas e, considerando-se que houve efetivo pagamento, resta concluir-se pela veracidade da transação e pela existência da boa-fé.

E ao contrário do que sustentado, a jurisprudência do STJ prestigia o contribuinte de boa-fé, reconhecendo o direito ao crédito fiscal uma vez comprovada a realização do ato mercantil, cujo entendimento está sintetizado na súmula 509, assim redigida:

É lícito ao comerciante de boa-fé aproveitar os créditos de ICMS decorrentes de nota fiscal posteriormente declarada inidônea, quando demonstrada a veracidade da compra e venda.

Veja-se julgados do E. TJSP em casos análogos:

APELAÇÃO Ação anulatória de débito fiscal - ICMS Autuação fiscal decorrente de creditamento de ICMS gerado em operação realizada com empresa que teve cancelada inscrição por simulação de existência de estabelecimento Sentença de improcedência Pretensão de reforma Possibilidade Declaração de inidoneidade que não tem efeito retroativo Prova suficiente da real ocorrência da operação comercial Comprovante de pagamento das mercadorias adquiridas da empresa declarada inidônea Boafé evidenciada Validade do creditamento Pedido procedente Inversão das disposições sucumbenciais Precedentes Provimento do recurso

(TJSP - Apelação nº 1029802-42.2015.8.26.0053).

Apelação cível - Direito Tributário - Alegação de inidoneidade da empresa que realizou transações comerciais com a Autora - Declaração posterior ao negócio que deu origem ao creditamento que não pode atingir o adquirente de boa-fé - Precedentes e súmula 509 do STJ Sentença mantida Recurso voluntário do Estado de São Paulo e reexame necessário desprovidos

(TJSP - Apelação Cível nº: 0005555-05.2010.8.26.0533).

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ANULATÓRIA DE DÉBITO FISCAL. AUTO DE INFRAÇÃO E IMPOSIÇÃO DE MULTA. Utilização de documentos fiscais tidos como inidôneos pelo Fisco. Regularidade das operações efetivadas. Declaração de inidoneidade e bloqueio do cadastro solicitado pela autoridade em momento posterior às transações. Demonstrada a veracidade da compra e venda, mediante juntada das notas fiscais com os respectivos comprovantes de pagamentos. Boa-fé da autora evidenciada. Precedentes. Incidência da Súmula nº 509 do STJ. Sentença de procedência do pedido mantida. Em razão da sucumbência recursal, majoração da verba honorária, nos termos do disposto no art. 85, § 11, do CPC/15. Recurso não provido

(TJSP - Apelação nº 1003570-44.2016.8.26.0445).

Assim, havendo comprovação dos pagamentos, ainda que não aceitos pela administração, deve-se privilegiar, ante as circunstâncias fáticas analisadas, a boa-fé do empresário, nos termos da súmula 509 do STJ.

Do exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido formulado por A. AGROINDUSTRIA EIRELI em face de FAZENDA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO e o faço para declarar nulo o AIIM n° 4.137.789-8, confirmada a liminar. Sucumbente, arcará a parte requerida com pagamento das custas e honorários de advogado, fixados em 10% sobre o valor da causa atualizado. P.I.C.

Araçatuba, 09 de setembro de 2022.

Sobre o autor
João Camargo Neto

Sou jornalista. Atuo no relacionamento com a imprensa exclusivamente para advogados, entidades, escritórios e eventos jurídicos.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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