Aposentado incapaz reverte decisão e suspende descontos de empréstimos em aposentadoria

17/03/2020 às 17:25
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A 6ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO) acolheu recurso de um aposentado para que fossem suspensos os descontos relativos aos empréstimos consignados dos bancos PAN e BRB efetuados em sua aposentadoria. Em defesa do aposentado, o advogado Rogério Rodrigues ressaltou que ele não tem capacidade civil (sua esposa responde pelos seus atos) e os descontos “passaram a dificultar a sua vida financeira, impedindo o cumprimento total de suas obrigações”. O relator do caso, desembargador Jeová Sardinha de Moraes, reconheceu tais argumentos e reformou a decisão de 1º grau, determinando a suspensão dos descontos.

O recurso foi interposto contra decisão da 18ª Vara Cível e Ambiental da Comarca de Goiânia (GO), que havia indeferido o pleito. Inconformado, o aposentado recorreu, alegando que a decisão causa-lhe prejuízo, vez que foram demonstrados todos os requisitos para tal.

Rodrigues explica que seu cliente aceitou a proposta de empréstimo feita pelos bancos sem saber ao certo do que se tratava. A partir daí, os descontos passaram a ser feitos em sua aposentadoria. Na ação, o advogado expôs que isso tem prejudicado o sustento dele e o de sua família. Além disso, demonstrou elementos que evidenciem esse comprometimento de renda e o risco que isso causa ao aposentado e aos seus familiares.

Diante disso, o relator destacou em sua decisão: “Resta evidenciado o dano irreparável ou de difícil reparação, diante do fato de que a verba que está sofrendo descontos possivelmente indevidos é manifestamente necessária à subsistência própria, tratando-se de verba de natureza alimentar”. Assim, determinou a suspensão dos descontos dos empréstimos consignados realizados na aposentadoria.


AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 5670892.07.2019.8.09.0000

COMARCA DE GOIÂNIA

AGRAVANTE: J.F.C.

AGRAVADOS: B.P. S/A E B.B. DE BRASÍLIA

RELATOR: DESEMBARGADOR JEOVÁ SARDINHA DE MORAES


VOTO

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

Trata-se de agravo de instrumento, com pedido de efeito suspensivo, interposto por J.F.C., neste ato representado por sua curadora Valderes Sosnoski Ferreira, contra decisão proferida pelo MM. Juiz de Direito da 18ª Vara Cível e Ambiental da Comarca de Goiânia-GO, Dr. Danilo Luiz Meireles dos Santos, nos autos da Ação Declaratória de Nulidade de Negócio Jurídico c/c Restituição de Quantias Pagas c/c Indenização ajuizada por ele em desfavor do B.P.S/A e B.B. S/A.

Conforme relatado, infere-se dos autos que embora interditado judicialmente, o agravante realizou vários empréstimos consignados, os quais resultaram em descontos de grande monta em sua aposentadoria, fato que passou a dificultar sua vida financeira, impedindo o cumprimento total de suas obrigações.

Em face disso, via sua curadora judicial, foi proposta a presente ação, buscando, em sede de tutela antecipada, que lhe fossem suspensos os descontos relativos aos empréstimos consignados efetuados em sua aposentadoria, pleito este indeferido pelo magistrado a quo.

Cinge-se a pretensão recursal na reforma da decisão, ao fundamento de que restaram comprovados os requisitos para a concessão da tutela antecipada requerida.

De início, é importante ressaltar que, sendo o agravo de instrumento recurso secundum eventus litis, deve permanecer adstrito à pertinência da decisão atacada, posto que o mérito da lide deve ser apreciado no juízo de origem, sob pena de supressão de instância.

Com efeito, impende destacar que o atual Código de Processo Civil, em seu artigo 294 e seguintes, trata da tutela provisória de urgência e evidência. Nesta senda, especificamente em relação à primeira espécie, o deferimento da tutela fica condicionado ao preenchimento dos requisitos arrolados no artigo 300 do novo Estatuto Processual Civil, que assim dispõe:

“Art. 300. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.

§ 1º Para a concessão da tutela de urgência, o juiz pode, conforme o caso, exigir caução real ou fidejussória idônea para ressarcir os danos que a outra parte possa vir a sofrer, podendo a caução ser dispensada se a parte economicamente hipossuficiente não puder oferecê-la.

§ 2º A tutela de urgência pode ser concedida liminarmente ou após justificação prévia.

§ 3º A tutela de urgência de natureza antecipada não será concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão.”

Acerca da matéria, preciosa a lição de Fredie Didier Jr., Paula Sarno Braga e Rafael Alexandria de Oliveira, verbis:

“A tutela provisória de urgência pode ser cautelar ou satisfativa (antecipada).Em ambos os casos, a sua concessão pressupõe, genericamente, a demonstração da probabilidade do direito (tradicionalmente conhecida como “fumus boni iuris”) e, junto a isso, a demonstração do perigo de dano ou de ilícito, ou ainda do comprometimento da utilidade do resultado final que a demora no processo representa (tradicionalmente conhecido como “periculum in mora”) (art. 300, CPC).

(…)

A probabilidade do direito a ser provisoriamente satisfeito/realizado ou acautelado é a plausibilidade de existência desse mesmo direito. O bem conhecido fumus boni iuris (ou fumaça do bom direito).

O magistrado precisa avaliar se há “elementos que evidenciem” a probabilidade de ter acontecido o que foi narrado e quais as chances de êxito do demandante (art. 300, CPC).

Inicialmente é necessária a verossimilhança fática, com a constatação de que há um considerável grau de plausibilidade em torno da narrativa dos fatos trazida pelo autor. É preciso que se visualize, nesta narrativa, uma verdade provável sobre os fatos, independentemente da prova.

Junto a isso, deve haver a plausibilidade jurídica, com a verificação de que é provável a subsunção dos fatos à norma invocada, conduzindo aos efeitos pretendidos.

(…).

O perigo da demora é definido pelo legislador como o perigo que a demora processual representa de “dano ou risco ao resultado útil do processo” (art. 300, CPC).

Importante é registrar que o que justifica a tutela provisória de urgência é aquele perigo de dano: I) concreto (certo), e não, hipotético ou eventual, decorrente de mero temor subjetivo da parte; II) atual, que está na iminência de ocorrer, ou esteja acontecendo; e, enfim, III)grave, que seja de grande ou média intensidade e tenha aptidão para prejudicar ou impedir a fruição do direito.

Além de tudo, o dano deve ser irreparável ou de difícil reparação. Dano irreparável é aquele cujas consequências são irreversíveis. Dano de difícil reparação é aquele que provavelmente não será ressarcido, seja porque as condições financeiras do réu autorizam supor que não será compensado ou restabelecido, seja porque, por sua própria natureza, é complexa sua individualização ou quantificação precisa – ex: dano decorrente de desvio de clientela.” (In Curso de Direito Processual Civil: Teoria da Prova, Direito Probatório, Decisão, Precedente, Coisa Julgada e Tutela Provisória, v. 2, Salvador: Juspodivm,2016, p. 594/598).

Feita esta breve consideração, ressalto ter procedência o pleito do agravante, porquanto é subsistente o fundamento da demanda relativamente a impropriedade dos descontos feitos na aposentadoria do agravante, que tem caráter eminentemente alimentar e por isso, possui proteção constitucional, insculpida no art. 7º, X, da CF.

Além do mais, há de ser levado em conta que os contratos foram realizados após a interdição do recorrente, que não possuía no mínimo, capacidade, seja ela relativa ou absoluta para a prática dos atos da vida civil.

A questão restou bem apreciada pelo ilustre representante ministerial que assim dispôs:

In casu, percebe-se que o agravante teve a interdição declarada por sentença proferida pelo juízo da 3ª Vara de Família e Sucessões desta Capital, em 16/03/2001 (Evento 11, Arquivo 7- autos originários), sendo, pois, sua interdição e curatela averbadas junto à Certidão de Casamento em 05/03/2013 (Evento 11, Arquivo 6- autos originários).

Vê-se, ademais, que, após tal período, contraíra empréstimos consignados os quais têm gerado descontos em sua remuneração e prejudicado seu sustento e de sua família, razão pela qual a ação originária fora proposta.

Nesse contexto, infere-se que o material probatório anexado aos autos da ação originária mostra-se suficiente e adequado a, no mínimo, indiciar a existência da plausibilidade do direito, necessária à medida antecipatória. Efetivamente, dos documentos acostados no Evento 11 dos autos originários é possível concluir, ao menos em juízo perfunctório, que o autor contratara os empréstimos com os Bancos agravados já na condição de interdito.

Isso porque, em fevereiro de 2019, quando já averbada a interdição no registro civil do recorrente verifica-se em seu contracheque descontos provenientes das instituições financeiras demandadas, descontos esses iniciados há cerca de três anos.

Nesse panorama, a alegação do agravante de que celebrara os contratos com os Bancos quando desprovido de capacidade civil apresenta-se verossímil.”

Por outro lado, resta evidenciado o dano irreparável ou de difícil reparação, diante do fato de que a verba que está sofrendo descontos possivelmente indevidos é manifestamente necessária à subsistência própria, tratando-se de verba de natureza alimentar.

Some-se a isso o caráter reversível da medida, pois a qualquer momento a situação anterior poderá ser restabelecida, além do fato de que resta assegurada ao agravante a cobrança do débito que lhe assistir pela via judicial cabível.

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Desta forma, enquanto a legalidade da dívida estiver sob discussão judicial, afigura-se perfeitamente plausível a suspensão dos descontos relativos ao empréstimo na conta-corrente do agravante.

Em casos semelhante, este Tribunal assim já decidiu:

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE NEGÓCIO JURÍDICO C/C INDENIZAÇÃO. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. SUSPENSÃO DOS DESCONTOS NOS PROVENTOS DE APOSENTADORIA DO CONTRATANTE (INCAPAZ/INTERDITADO) MANUTENÇÃO DA DECISÃO. Tal como disposto pela decisão recorrida, devem ser suspensos, enquanto perdurar a discussão judicial, os descontos efetuados nos proventos de aposentadoria, decorrentes de empréstimos consignados contratados após a interdição do recorrido para atos de natureza patrimonial. Agravo de instrumento conhecido e desprovido.”

(TJGO, Agravo de Instrumento 553944442.2018.8.09.0000, Rel. DORACI LAMAR ROSA DA SILVA ANDRADE,2ª Câmara Cível, julgado em 25/02/2019, DJe de 25/02/2019).

AGRAVO DE INSTRUMENTO. (...). AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO (...). PESSOA INTERDITADA. (...). PARALISAÇÃO DOS DESCONTOS EM CONTACORRENTE. ADMISSIBILIDADE. I - (...). IV – Assim, por presentes os requisitos que ensejam a verossimilhança da ilegalidade da retenção da aposentadoria do agravante, cujos descontos foram feitos após a interdição do devedor, ressaindo-se a possibilidade de existência de nulidade de contrato de empréstimo bancário, porquanto firmado por pessoa incapaz para a vida civil e sem a devida representação, impõe-se o deferimento da tutela antecipada para suspender os descontos relativos ao empréstimo existente junto a requerida na folha de pagamento do agravante, enquanto perdurar a discussão judicial."

(TJGO, 1ª Câmara Cível, AI n. 52931-3/180, Rel. DES. LUIZ EDUARDO DE SOUSA, DJe 15019 de 13/06/2007).

Ante o exposto, conheço do recurso e dou-lhe provimento para, em reforma a decisão recorrida, deferir a antecipação de tutela requerida, para suspender os descontos dos empréstimos consignados da aposentadoria do agravante até solução final da lide.

É como voto.

Goiânia, 10 de fevereiro de 2020.

Desembargador JEOVÁ SARDINHA DE MORAES

Relator

(347/LRF)


AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 5670892.07.2019.8.09.0000

COMARCA DE GOIÂNIA

AGRAVANTE: J.F.C.

AGRAVADOS: B. P. S/A E B. B. DE BRASÍLIA

RELATOR: DESEMBARGADOR JEOVÁ SARDINHA DE MORAES

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE NEGÓCIO JURÍDICO C/C RESTITUIÇÃO DE QUANTIAS PAGAS C/C INDENIZAÇÃO. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. INTERDITANDO. SUSPENSÃO DOS DESCONTOS. 1. Por força do disposto no artigo 300, caput do Código de Processo Civil, o deferimento da antecipação dos efeitos da tutela está condicionada a demonstração, cumulada, da probabilidade do direito e do perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo e da reversibilidade do provimento (artigo 300, § 3º, da Lei Processual Civil de 2015). 2. Deve ser concedida a tutela antecipada para suspender os descontos relativos ao empréstimo consignado realizados na aposentadoria do autor, enquanto perdurar a discussão judicial, tendo em vista demonstrada que a contratação se deu após interdição da parte para atos de natureza patrimonial. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.


ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 5670892.07.2019.8.09.0000, acordam os componentes da Primeira Turma Julgadora da Sexta Câmara Cível do egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, por unanimidade de votos, em conhecer do agravo de instrumento e dar-lhe provimento nos termos do voto do relator.

Votaram com o relator o Desembargador Fausto Moreira Diniz e o Desembargador Norival de Castro Santomé.

Presidiu a sessão o Desembargador Jeová Sardinha de Moraes.

Fez-se presente como representante da Procuradoria Geral de Justiça o Dr. Eliseu José Taveira Vieira.

O Desembargador Jeová Sardinha de Moraes adotou o relatório do Dr. Aureliano Albuquerque Amorim.

Goiânia, 10 de fevereiro de 2020.

Desembargador JEOVÁ SARDINHA DE MORAES, Relator

Sobre o autor
João Camargo Neto

Sou jornalista. Atuo no relacionamento com a imprensa exclusivamente para advogados, entidades, escritórios e eventos jurídicos.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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