Prestação dos serviços notariais e de registro: caráter personalíssimo e natureza não empresarial.

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A primeira Turma do STJ, apesar de reconhecer a prevalência do entendimento contrário da Primeira Seção, manifestou-se no sentido de que os serviços notariais e de registro são prestados em caráter personalíssimo e não tem natureza empresarial.

A primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, apesar de reconhecer a prevalência do entendimento contrário da Primeira Seção, manifestou-se no sentido de que os serviços notariais e de registro são prestados em caráter personalíssimo, sob a supervisão do Poder Judiciário.

Reafirmou-se que os agentes que desempenham essas atividades (notário e registrador) são profissionais do direito, dotados de fé pública, conforme indicado no art. 3º da Lei 8.935/1994, e investidos por meio de concurso público, de acordo com o art. 236 da Constituição Federal.[1]

Por essas particularidades, observou-se que, mesmo sendo prestados com propósitos lucrativos e com a colaboração de empregados contratados, os aludidos serviços não estariam compreendidos no conceito de atividade empresarial.

Logo, nem o titular poderia ser considerado empresário, nem a delegação dos serviços (notariais e de registro) daria ensejo à constituição de sociedade empresária (ou Eireli) com personalidade jurídica autônoma e patrimônio próprio.

O entendimento foi aplicado no seguinte acórdão: AgInt no REsp 1435055/PE, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 17/02/2020, DJe 03/03/2020.

Como dito, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça já havia se posicionado noutro sentido ao assinalar que “[...] na prestação de serviços de registros públicos (cartorário e notarial), além de manifesta a finalidade lucrativa, não há a prestação de serviço sob a forma de trabalho pessoal do próprio contribuinte, especialmente porque o art. 236 da CF/88 e a legislação que o regulamenta permitem a formação de uma estrutura economicamente organizada para a prestação do serviço de registro público, assemelhando-se ao próprio conceito de empresa. [...].” REsp. 1.328.384/RS, Rel. p/ Acórdão Min. MAURO CAMPBELL MARQUES, DJe 29/5/2013.

Confira a ementa do referido julgamento da Primeira Turma do STJ:

TRIBUTÁRIO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC/1973 NÃO CONFIGURADA. A PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE REGISTROS PÚBLICOS (CARTORÁRIO E NOTARIAL) POSSUI FINALIDADE LUCRATIVA, NÃO HAVENDO A PRESTAÇÃO DE SERVIÇO SOB A FORMA DE TRABALHO PESSOAL DO PRÓPRIO CONTRIBUINTE, UMA VEZ PERMITIDA A FORMAÇÃO DE ESTRUTURA ECONOMICAMENTE ORGANIZADA PARA SEU FUNCIONAMENTO, APROXIMANDO-SE DO CONCEITO DE EMPRESA, À VISTA DO ART. 236 DA CF E DA LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL APLICÁVEL. PRECEDENTES DO STJ. RESSALVA DO PONTO DE VISTA DO RELATOR. AGRAVO INTERNO DO CONTRIBUINTE A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

1. A alegada violação do art. 535 do CPC/1973 não ocorreu, tendo em vista o fato de que a lide foi resolvida nos limites propostos e com a devida fundamentação. As questões postas a debate foram decididas com clareza, não tendo havido qualquer vício que justificasse o manejo dos Embargos de Declaração. Observe-se, ademais, que o julgamento diverso do pretendido, como na espécie, não implica ofensa à norma ora invocada.

2. A delegação de serviços notariais e de registro não enseja sociedade empresarial, com personalidade jurídica própria, capaz de constituir patrimônio distinto de seu titular, nem esse pode ser conceituado como empresário. Predomina, nessa atividade, a prestação de serviço público em caráter personalíssimo, tanto que o notário e o registrador são profissionais do direito, dotados de fé pública (art. 3º. da Lei 8.935/1994), investidos por meio de concurso público (art. 236, § 3º. da CF), estando, ademais, sob a supervisão do Poder Judiciário.

3. O fato de a atividade ser executada sob perspectiva lucrativa ou a possibilidade de serem contratados empregados e prepostos para o auxílio do Delegatário no desempenho de suas funções, como empregados celetistas, por si só não retira o seu traço distintivo essencial, qual seja, o de ser realizada sob a forma de trabalho personalíssimo. Esse é o aspecto essencial a ser enfatizado quando se trata de Serventia Extrajudicial, porquanto esse é o perfil da atividade, qualquer que seja a objeção histórica que se lhe faça.

4. Por tudo isso, não se justifica a definição da base de cálculo a partir da receita bruta auferida com a cobrança dos emolumentos, porque o serviço prestado pelo Titular do Cartório, dado o seu traço personalístico, muito mais se aproxima daqueles exercidos por profissionais liberais autônomos, do que daqueles exercidos pelos empresários privados.

5. Todavia, a compreensão acima deduzida não foi adotada pela maioria dos integrantes da Primeira Seção desta Corte, que concluiu por reafirmar o entendimento jurisprudencial, segundo o qual a prestação de serviços de registros públicos (cartorário e notarial), além de manifesta a finalidade lucrativa, não há a prestação de serviço sob a forma de trabalho pessoal do próprio contribuinte, especialmente porque o art. 236 da CF/88 e a legislação que o regulamenta permitem a formação de uma estrutura economicamente organizada para a prestação do serviço de registro público, assemelhando-se ao próprio conceito de empresa (REsp. 1.328.384/RS, Rel. p/ Acórdão Min. MAURO CAMPBELL MARQUES, DJe 29.5.2013).

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6. Logo, considerando a missão constitucional desta Corte de uniformização da jurisprudência pátria, ressalvo o meu ponto de vista para acompanhar o entendimento sufragado pela Seção em favor do reconhecimento de que a atividade notarial se enquadra no conceito de empresa, restando, portanto, sujeita ao recolhimento da Contribuição Previdenciária Patronal, na forma prevista no art. 22 da Lei 8.212/1991.

7. Agravo Interno do Contribuinte a que se nega provimento.

AgInt no REsp 1435055/PE, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 17/02/2020, DJe 03/03/2020.

 


[1] Art. 236. Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público. §1º Lei regulará as atividades, disciplinará a responsabilidade civil e criminal dos notários, dos oficiais de registro e de seus prepostos, e definirá a fiscalização de seus atos pelo Poder Judiciário. § 2º Lei federal estabelecerá normas gerais para fixação de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro. § 3º O ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público de provas e títulos, não se permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou de remoção, por mais de seis meses.

Sobre o autor
Antonio Evangelista de Souza Netto

Juiz de Direito de Entrância Final do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Pós-doutor em Direito pela Universidade de Salamanca - Espanha. Pós-doutor em Direito pela Universitá degli Studi di Messina - Itália. Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP (2014). Mestre em Direito Empresarial pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP (2008). Coordenador do Núcleo de EAD da Escola da Magistratura do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná - EMAP. Professor da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados - ENFAM. Professor da Escola da Magistratura do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo - EMES. Professor da Escola da Magistratura do TJ/PR - EMAP.

Informações sobre o texto

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