Natureza formal e desnecessidade de constituição definitiva do crédito tributário para a configuração do tipo penal indicado no art. 2º da Lei nº 8.137/1990.

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O crime previsto no art. 2º da Lei n. 8.137/1990 é de natureza formal. Logo, não se exige a constituição definitiva do crédito tributário.

Conforme decidido pela Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, o crime previsto no art. 2º da Lei n. 8.137/1990[1] é de natureza formal e, por isso, sua caracterização dispensa a constituição definitiva do crédito tributário.[2]

Confira a seguinte ementa:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EM HABEAS CORPUS. CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA EM CONCURSO FORMAL. ART. 2º, INCISOS II E IV, DA LEI N. 8.137/1990. CRIMES TRIBUTÁRIOS FORMAIS. INAPLICABILIDADE DA SÚMULA VINCULANTE N. 24/STF. PRECEDENTES. RESPONSABILIZAÇÃO SUBJETIVA NA CONDIÇÃO DE ADMINISTRADOR. POSSIBILIDADE. PESSOA QUE DETINHA ATOS DE ADMINISTRAÇÃO. PRECEDENTES. TRANCAMENTO DA PERSECUÇÃO PENAL. ALEGADA AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. INOCORRÊNCIA. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS PREVISTOS NO ART. 41 DO CPP. PROVA DOCUMENTAL ROBUSTA. EXISTÊNCIA DE LASTRO PROBATÓRIO MÍNIMO PARA A MANUTENÇÃO DA AÇÃO PENAL. PRECEDENTES. TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL EM HABEAS CORPUS É MEDIDA EXCEPCIONAL. NECESSIDADE DE ANÁLISE APROFUNDADA DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE NA VIA PROCESSUAL ELEITA. PRECEDENTES AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.

- Consolidou-se, nesta Superior Corte de Justiça, entendimento no sentido de que somente é cabível o trancamento da persecução penal por meio do habeas corpus quando houver comprovação, de plano, da ausência de justa causa, seja em razão da atipicidade da conduta praticada pelo acusado, seja pela ausência de indícios de autoria e materialidade delitiva, ou, ainda, pela incidência de causa de extinção da punibilidade. Precedentes.

- No caso concreto, a conduta do recorrente está suficientemente descrita na inicial acusatória. Na condição de administrador da empresa HRV Concentrados da Amazônia LTDA., no período de dezembro de 2015, janeiro a maio de 2016 e agosto de 2016, ele aplicou incentivos fiscais em desacordo com normas legais, bem como deixou de recolher, no prazo legal, os valores devidos a título de ICMS incidente em operações de venda de mercadorias, cujo ônus econômico foi transferido aos adquirentes dos produtos comercializados e destes foram recebidos (e-STJ, fls. 117/118).

- Os crimes em comento se configuraram quando o recorrente, na condição de responsável pelo contribuinte, para não pagar o tributo devido, praticou apropriação indébita. Não há que se falar em inépcia da denúncia se a condição de administrador do acusado ficou bem caracterizada e os seus atos de administração, que resultaram na sonegação fiscal, foram descritos de maneira suficiente a não prejudicar o trabalho da defesa. Destaque-se que foram anexadas cópias dos procedimentos administrativos tributários correspondentes aos tributos sonegados e da alteração contratual registrada na Junta Comercial do Estado do Amazonas, na qual o recorrente é nomeado administrador da sociedade empresária contribuinte. Precedentes.

- O fato de o recorrente não ser um dos sócios da empresa não impede a sua responsabilização subjetiva, na condição de administrador. A denúncia consigna que o denunciado era pessoa que detinha total conhecimento sobre a movimentação financeira e as operações tributáveis da empresa contribuinte, uma vez que possuía as rédeas das atividades empresariais, mantendo-as sob seu jugo e talante.

Precedentes.

- Inaplicabilidade da Súmula vinculante n. 24/STF, pois os delitos pelos quais o recorrente responde, previstos no art. 2º, II e IV, da Lei n. 8.137/1990, são crimes tributários formais; Assim, a despeito de o lançamento definitivo do crédito tributário e o trânsito do processo administrativo tributário serem dispensáveis para a persecução penal do delito tributário formal (Súmula 436/STJ), quando eles tiverem efetivamente ocorrido, não há qualquer impedimento à configuração dos crimes. Precedentes. - Agravo regimental não provido.

(AgRg no RHC 148.940/AM, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 03/08/2021, DJe 09/08/2021)              

 


[1] Art. 2° Constitui crime da mesma natureza:  I - fazer declaração falsa ou omitir declaração sobre rendas, bens ou fatos, ou empregar outra fraude, para eximir-se, total ou parcialmente, de pagamento de tributo; II - deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos; III - exigir, pagar ou receber, para si ou para o contribuinte beneficiário, qualquer percentagem sobre a parcela dedutível ou deduzida de imposto ou de contribuição como incentivo fiscal; IV - deixar de aplicar, ou aplicar em desacordo com o estatuído, incentivo fiscal ou parcelas de imposto liberadas por órgão ou entidade de desenvolvimento; V - utilizar ou divulgar programa de processamento de dados que permita ao sujeito passivo da obrigação tributária possuir informação contábil diversa daquela que é, por lei, fornecida à Fazenda Pública. Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

[2] Aprofunde a pesquisa em: MARCHET, Débora Vicente. Súmula Vinculante 24: Análise jurídica da tipificação dos crimes contra a ordem tributária antes da constituição definitiva do crédito tributário. Direito-Tubarão, 2020.

Sobre o autor
Antonio Evangelista de Souza Netto

Juiz de Direito de Entrância Final do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Pós-doutor em Direito pela Universidade de Salamanca - Espanha. Pós-doutor em Direito pela Universitá degli Studi di Messina - Itália. Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP (2014). Mestre em Direito Empresarial pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP (2008). Coordenador do Núcleo de EAD da Escola da Magistratura do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná - EMAP. Professor da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados - ENFAM. Professor da Escola da Magistratura do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo - EMES. Professor da Escola da Magistratura do TJ/PR - EMAP.

Informações sobre o texto

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