Irrelevância do registro, apuração ou declaração do imposto devido para a configuração do delito de apropriação indébita tributária.

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A ausência de clandestinidade é irrelevante para a configuração do delito de apropriação indébita tributária.

O Superior Tribunal de Justiça decidiu que a ausência de clandestinidade é irrelevante para a configuração do delito de apropriação indébita tributária, previsto no art.  2º, inciso II, da Lei nº 8.137/1990[1]. Nesse sentido, destacou-se que a clandestinidade não é elementar do referido tipo. Assim, a configuração do crime de apropriação indébita tributária não fica prejudicada se o agente eventualmente registrar, apurar ou declarar, em guia própria ou em livros fiscais, o tributo devido.[2]

Confira a seguinte ementa:

HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. CRIME TRIBUTÁRIO. ART. 2º, INCISO II, DA LEI 8.137/90. AUSÊNCIA DE RECOLHIMENTO AOS COFRES PÚBLICOS DE VALORES RELATIVOS AO IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS - ICMS. ALEGAÇÃO DE ATIPICIDADE POR AUSÊNCIA DE DOLO ESPECÍFICO E DE CONTUMÁCIA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. IRRELEVÂNCIA DA EXISTÊNCIA DE DECLARAÇÃO DO TRIBUTO PARA A DEMONSTRAÇÃO DO DOLO DE APROPRIAÇÃO. INVIABILIDADE DE VERIFICAÇÃO DO NEXO DE CAUSALIDADE ENTRE EVENTUAL CRISE ECONÔMICA VIVENCIADA NO PAÍS E O NÃO RECOLHIMENTO DO TRIBUTO PELO CONTRIBUINTE. NECESSIDADE DE REVOLVIMENTO FÁTICO PROBATÓRIO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.

1. O Superior Tribunal de Justiça, alinhando-se à nova jurisprudência da Corte Suprema, também passou a restringir as hipóteses de cabimento do habeas corpus, não admitindo que o remédio constitucional seja utilizado em substituição ao recurso ou ação cabível, ressalvadas as situações em que, à vista da flagrante ilegalidade do ato apontado como coator, em prejuízo da liberdade do paciente, seja cogente a concessão, de ofício, da ordem de habeas corpus (AgRg no HC 437.522/PR, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 07/06/2018, DJe 15/06/2018).

2. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, em sessão realizada em 18/12/2019, julgou o RHC n. 163.334/SC fixando a tese de que "o contribuinte que, de forma contumaz e com dolo de apropriação, deixa de recolher o ICMS cobrado do adquirente da mercadoria ou serviço incide no tipo penal do art. 2º, II, da Lei nº 8.137/1990" - Informativo n. 964 do STF, divulgado em 5 de fevereiro de 2020. Prevaleceu a compreensão de que o valor do ICMS cobrado em cada operação comercial não integra o patrimônio do comerciante; ele é apenas o depositário desse ingresso de caixa, que, depois de devidamente compensado, deve ser recolhido aos cofres públicos (HC 556.551/SC, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 05/05/2020, DJe 05/08/2020)

3. No caso concreto, o Tribunal de origem registrou que, a despeito de suas alegações de dificuldades financeiras que não lhe teriam permitido o adimplemento do tributo (no valor total de R$ 231.874, 23), a paciente não comprovou a existência de real obstáculo ao adimplemento, não arrolou testemunhas e não apresentou evidências de falta de recursos à época para quitar suas obrigações perante os cofres públicos, o que reforça a presunção do dolo de sonegar o imposto. Modificar tais conclusões demandaria, necessariamente, o revolvimento de material fático-probatório, inadmissível na via estreita do habeas corpus.

4. Não tendo as instâncias ordinárias deliberado sobre a tese da atipicidade da conduta por ausência de contumácia, é inviável seu exame por esta Corte, sob pena de indevida supressão de instância. Mas, ainda que assim não fosse, a reiteração da conduta por 12 (doze) meses consecutivos, como ocorreu na hipótese em exame, transmite a inequívoca compreensão da utilização do dinheiro devido ao ente estatal para manutenção das atividades empresariais, revelando, portanto, a figura do devedor contumaz.

5. "A Terceira Seção, após debater o tema, pacificou o entendimento de que, para a configuração da apropriação indébita tributária, o fato de o agente registrar, apurar e declarar em guia própria ou em livros fiscais o imposto devido não tem o condão de elidir ou exercer nenhuma influência na prática do delito, visto que este não pressupõe a clandestinidade" (HC 556.551/SC, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 05/05/2020, DJe 05/08/2020). Na mesma linha: AgRg no AREsp 1.702.519/SC, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 22/09/2020, DJe 30/09/2020; AgRg no RHC 109.119/GO, Rel. Ministra LAURITA VAZ, SEXTA TURMA, julgado em 09/06/2020, DJe 23/06/2020; AgRg no HC 476.704/SC, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 06/06/2019, DJe 13/06/2019.

6. A verificação do nexo de causalidade entre eventual crise econômica vivenciada no país e a conduta do réu acusado de não recolhimento de tributo demandaria o revolvimento de material fático probatório, inadmissível nesta instância. Precedente: AgRg no REsp 1.861.531/SC, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 09/06/2020, DJe 17/06/2020.

7. Agravo regimental desprovido.

(AgRg no HC 609.039/SC, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 17/11/2020, DJe 23/11/2020)

 


[1] Art. 2° Constitui crime da mesma natureza:  I - fazer declaração falsa ou omitir declaração sobre rendas, bens ou fatos, ou empregar outra fraude, para eximir-se, total ou parcialmente, de pagamento de tributo; II - deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos; III - exigir, pagar ou receber, para si ou para o contribuinte beneficiário, qualquer percentagem sobre a parcela dedutível ou deduzida de imposto ou de contribuição como incentivo fiscal; IV - deixar de aplicar, ou aplicar em desacordo com o estatuído, incentivo fiscal ou parcelas de imposto liberadas por órgão ou entidade de desenvolvimento; V - utilizar ou divulgar programa de processamento de dados que permita ao sujeito passivo da obrigação tributária possuir informação contábil diversa daquela que é, por lei, fornecida à Fazenda Pública. Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

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[2] PINHEIRO, Johnattan Martins; DE AGUIAR, Denison Melo. Inadimplência fiscal e a apropriação indébita tributária no RHC 163.334/SC. Revista de Direito da Faculdade Guanambi, v. 7, n. 01, p. e287-e287, 2020. BITENCOURT, Cezar Roberto. Crimes Contra a Ordem Tributária. Saraiva Educação SA, 2017.

Sobre o autor
Antonio Evangelista de Souza Netto

Juiz de Direito de Entrância Final do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Pós-doutor em Direito pela Universidade de Salamanca - Espanha. Pós-doutor em Direito pela Universitá degli Studi di Messina - Itália. Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP (2014). Mestre em Direito Empresarial pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP (2008). Coordenador do Núcleo de EAD da Escola da Magistratura do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná - EMAP. Professor da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados - ENFAM. Professor da Escola da Magistratura do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo - EMES. Professor da Escola da Magistratura do TJ/PR - EMAP.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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