Estado de Goiás não pode impedir que empresa emita nota fiscal eletrônica como forma de sanção política

22/02/2022 às 18:00
Leia nesta página:

Uma empresa agropecuarista que sofreu o bloqueio do seu cadastro de contribuinte estadual para emissão de nota fiscal eletrônica garantiu na Justiça o direito de restabelecer a sua habilitação no sistema. Em sua defesa, destacou que não havia motivos para o bloqueio, já que, no mesmo documento, constava a certidão negativa de débitos estaduais. A juíza em substituição Raquel Rocha Lemos, da 1ª Vara da Fazenda Pública Estadual de Goiânia (GO), deferiu a liminar, determinando ao Fisco Estadual o desbloqueio do cadastro.

O advogado Diêgo Vilela explica que, em junho de 2021, a empresa foi surpreendida com o bloqueio, suspendendo assim qualquer venda e compra, sob o argumento de que estaria supostamente realizando a circulação de mercadorias sem o pagamento antecipado de ICMS. Porém, ao consultar o sistema para contribuintes da Secretaria de Estado da Fazenda Pública do Estado de Goiás, foi constatado que não havia nada que impedisse a sua atuação. Diante disso, a empresa recorreu à Justiça para o restabelecimento do cadastro.

Vilela reforçou que a ação causou à autora a interdição das suas atividades empresariais/comerciais. Segundo ele, o bloqueio esbarra na vedação prevista no artigo 30, I, da Lei Complementar Estadual nº 104/2013 (Código de Direitos, Garantias e Obrigações do Contribuinte do Estado de Goiás), “por importar em impedimento de utilização de documento fiscal, caracterizando-se em intolerável mecanismo de coerção (sanção política)”.

Os argumentos foram reconhecidos pela magistrada, que pontuou em sua decisão:

“Deve o Poder Público utilizar-se dos mecanismos legais colocados à sua disposição para a cobrança dos seus créditos tributários, sempre observando o devido processo substancial (razoabilidade), não podendo, contudo, fazer uso de instrumentos de coerção, como meio de forçar o contribuinte a adimplir seus débitos, sobretudo aqueles meios que, como costuma ocorrer no caso, inviabilizam por completo a atividade empresarial do contribuinte”.

Raquel Rocha Lemos complementou que o direito buscado pela empresa apresenta razoabilidade/probabilidade e que “a não concessão da liminar poderá trazer consequências econômicas/financeiras, pois o bloqueio efetuado vem praticamente impedindo o exercício das suas atividades comerciais”.

Assim, determinou que o Superintendente Executivo da Receita Estadual de Goiás restabeleça, de imediato, a sua habilitação no Cadastro de Contribuintes do Estado para a emissão de notas fiscais eletrônicas (venda e compra), tornando sem efeito o bloqueio realizado.


Processo: 5671396-83.2021.8.09.0051

DECISÃO

Trata-se de mandado de segurança impetrado por PC EIRELI, pessoa jurídica qualificada no seio dos autos digitais em epígrafe, em face do SUPERINTENDENTE EXECUTIVO DA RECEITA ESTADUAL DE GOIÁS, no qual persegue a obtenção, em sede de liminar, de tutela provisória que determine ao Impetrado o imediato desbloqueio no cadastro de contribuintes estaduais da impetrante, inscrita no CNPJ sob o nº 02.716.431/0001-84, possibilitando-lhe, por conseguinte, a realização de compras e vendas, bem como a emissão das respectivas notas fiscais eletrônicas.

Narra a Impetrante, como ressai da inicial, que no dia 24 de junho de 2021, foi surpreendida com o bloqueio de seu cadastro de contribuinte estadual para emissão de nota fiscal eletrônica, suspendendo por consequência qualquer venda e compra pela empresa, sob o argumento de que estaria supostamente realizando a circulação de mercadorias elencadas na IN 587/01GSF sem o pagamento antecipado de ICMS.

Afirma que ao consultar o sítio eletrônico para contribuintes pessoas jurídicas da Secretaria de Estado da Fazenda Pública do Estado de Goiás, constatou que não há nada que impeça sua atuação, isto porque, no mesmo documento observa-se sua certidão negativa de débitos estaduais.

Ao final, requer, sob a alegação de estarem presentes na espécie o fumus boni juris e o periculum in mora, a concessão da liminar acima mencionada.

A inicial encontra-se amparada pelos documentos constantes do evento 1.

É o breve relatório.

Passo a decidir:

Para que ocorra o adiantamento no tempo do processo dos efeitos materiais da tutela, como sabido, é necessária a demonstração, ainda que em decorrência de uma cognição apenas sumária, da razoabilidade do direito e o perigo de dano, como se extrai da redação do caput do artigo 300 do Código de Processo Civil.

No caso vertente, o fisco estadual desabilitou a Impetrante, impedindo-a de emitir notas fiscais, situação que, bem analisada, importa em verdadeira interdição das suas atividades empresariais/comerciais.

Com efeito, se não bastasse, o bloqueio de emissão de notas fiscais esbarra na vedação prevista no artigo 30, I, da Lei Complementar Estadual nº 104/2013 (Código de Direitos, Garantias e Obrigações do Contribuinte do Estado de Goiás), por importar em impedimento de utilização de documento fiscal, caracterizando-se em intolerável mecanismo de coerção (sanção política).

Deve o Poder Público utilizar-se dos mecanismos legais colocados à sua disposição para a cobrança dos seus créditos tributários, sempre observando o devido processo substancial (razoabilidade), não podendo, contudo, fazer uso de instrumentos de coerção, como meio de forçar o contribuinte a adimplir seus débitos, mormente aqueles meios que, como sói ocorrer no caso em testilha, inviabilizam por completo a atividade empresarial do contribuinte.

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Sobre o tema, aliás, vem entendendo o Egrégio Tribunal de Justiça, com total acerto, ser ilegal o bloqueio de emissão de notas fiscais como instrumento de coerção , como se infere das ementas abaixo transcritas, ad litteram:

MANDADO DE SEGURANÇA. BLOQUEIO DE EMISSÃO DE NOTAS FISCAIS ELETRÔNICAS. ILEGITIMIDADE PASSIVA DA SECRETÁRIA DA FAZENDA AFASTADA. DIREITO LÍQUIDO E CERTO DEMONSTRADO. 1. A Secretária de Estado da Fazenda é parte legítima para figurar no polo passivo do mandado de segurança que discute o bloqueio de notas fiscais eletrônicas, pois, nos termos do art. 7º da Lei Estadual nº 17.257/2011, detém competência para corrigir a ilegalidade dos atos praticados pelos subsecretários ou superintendentes que lhe são subordinados, bem como para executar o mandamento porventura ordenado pelo Poder Judiciário. 2. O Fisco Estadual possui meios legais para cobrança dos débitos tributários (Lei nº 6.830/80), não podendo valer-se de meios coercitivos que obstem ou impeçam o livre exercício da atividade comercial, sob pena de violação aos direitos e garantias fundamentais do contribuinte. Segurança concedida.

(TJGO, Mandado de Segurança nº 5150055-85.2019.8.09.0000, Rel. GILBERTO MARQUES FILHO, 3ª Câmara Cível, julgado em 23/08/2019, DJe de 23/08/2019).

DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO. MANDADO DE SEGURANÇA. BLOQUEIO DE EMISSÃO DE NOTA FISCAL. PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO. OFENSA AO DIREITO LÍQUIDO E CERTO DA IMPETRANTE. SENTENÇA MANTIDA. 1. Embora a autoridade coatora, a fim de promover o bloqueio da emissão de nota fiscal, tenha fundamentado seu ato no art. 153-A, VI, c, do Código Tributário do Estado de Goiás, observa-se que tal dispositivo reveste-se de inconstitucionalidade, o que já foi reconhecido por este Egrégio Tribunal de Justiça em casos análogos, pois que viola o princípio constitucional estabelecido no art. 170, parágrafo único da Carta Magna, qual seja, o livre exercício da atividade econômica, revestindo-se de cerceamento indevido à atividade empresarial. 2. É inadmissível o bloqueio da expedição de notas fiscais eletrônicas pelo Estado, como meio de exigir o pagamento de débitos tributários pelo contribuinte, pois a administração pública deve lançar mão de instrumentos próprios, administrativos ou judiciais, para a defesa de seus interesses, visando o recebimento deste crédito. 3. Não foi possível constatar no feito a irregularidade fiscal mencionada de forma genérica pelo Estado (apresentando apenas indício de sua ocorrência), ou mesmo procedimento administrativo que tenha tramitado em observância às garantias constitucionais, requisito do próprio dispositivo legal em que se apoiou a Impetrante (art. 153-A, da Lei 11.651/91), que legitime a sanção aplicada. REMESSA NECESSÁRIA CONHECIDA E DESPROVIDA.

(TJGO, PROCESSO CÍVEL E DO TRABALHO -> Recursos -> Remessa Necessária Cível 5565371-51.2018.8.09.0051, Rel. Des(a). MAURICIO PORFIRIO ROSA, 5ª Câmara Cível, julgado em 22/03/2021, DJe de 22/03/2021)

Portanto, o direito suscitado pela Impetrante apresenta-se dotado de razoabilidade/probabilidade, assim como a não concessão da liminar poderá trazer consequências econômicas/financeiras deletérias à Impetrante, porquanto o bloqueio efetuado vem praticamente impedindo o exercício das suas atividades comerciais.

Diante do exposto, defiro, inaudita altera parte, a liminar requestada na inicial, determinando à autoridade averbada de coatora que restabeleça, de imediato, a sua habilitação no Cadastro de Contribuintes do Estado para a emissão de notas fiscais eletrônicas (venda e compra), tornando sem efeito o bloqueio realizado.

Notifique-se a autoridade coatora para prestar informações em 10 dias.

Cientifique-se o Estado, via PGE, para tomar conhecimento da presente ação com prazo de 10 dias.

Prestadas as informações, vista ao Ministério Público, prazo de 10 dias.

Intime-se.

Datado e assinado digitalmente.

Raquel Rocha Lemos, Juíza de Direito em substituição

Sobre o autor
João Camargo Neto

Sou jornalista. Atuo no relacionamento com a imprensa exclusivamente para advogados, entidades, escritórios e eventos jurídicos.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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