PRINCIPIO DA VERDADE REAL APELAÇÃO. Descumprimento de medida protetiva. Recurso defensivo. Absolvição que se impõe. Recurso provido.

21/06/2022 às 15:54
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Este documento é cópia do original, assinado digitalmente por GILBERTO LEME MARCOS GARCIA, liberado nos autos em 24/05/2022 às 11:29 .

Para conferir o original, acesse o site https://esaj.tjsp.jus.br/pastadigital/sg/abrirConferenciaDocumento.do, informe o processo 1502360-56.2020.8.26.0542 e código 1A268F1D.

Registro: 2022.0000388505

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal nº 1502360-56.2020.8.26.0542, da Comarca de Santana de Parnaíba, em que é apelante EDUARDO MARQUES DA SILVA, é apelado MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO.

ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 16ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Deram provimento ao recurso. V. U., de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores CAMARGO ARANHA FILHO (Presidente sem voto), NEWTON NEVES E OTÁVIO DE ALMEIDA TOLEDO.

São Paulo, 24 de maio de 2022.

LEME GARCIA

Relator(a)

Assinatura Eletrônica

Este documento é cópia do original, assinado digitalmente por GILBERTO LEME MARCOS GARCIA, liberado nos autos em 24/05/2022 às 11:29 .

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16ª Câmara de Direito Criminal

APELAÇÃO n. 1502360-56.2020.8.26.0542 Comarca: SANTANA DO PARNAÍBA Apelante: EDUARDO MARQUES DA SILVA Apelado: MINISTÉRIO PÚBLICO

Voto: 23572

APELAÇÃO. Descumprimento de medida protetiva. Violência doméstica contra mulher. Recurso defensivo. Crime não restou suficientemente comprovado. Prova produzida em juízo, sob o crivo do contraditório, insuficiente para sustentar o édito condenatório. Dúvida se o réu foi convidado pelas ofendidas para retornar ao lar. Insuficiência probatória caracterizada. Absolvição que se impõe. Recurso provido.

Trata-se de recurso de apelação interposto por EDUARDO MARQUES DA SILVA contra a r. sentença prolatada pelo MM. Juiz de Direito Dr. Fabio Martins Marsiglio, da Vara do Anexo de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher do Foro de Santana do Parnaíba, que o condenou à pena de 03 meses de detenção, em regime inicial aberto, substituída a sanção privativa de liberdade por uma restritiva de direitos, em razão da prática do crime previsto no artigo 24-A, da Lei n. 11.340/06 (fls. 138/145).

Em razões de recurso, em apertada síntese, pretende a Defesa a absolvição do apelante, sob a alegação de ausência de dolo (fls. 156/167).

Apelação Criminal nº 1502360-56.2020.8.26.0542 -Voto nº 23572 2

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Em contrarrazões, manifesta-se a Promotoria de Justiça pelo não provimento do recurso (fls. 170/172).

A douta Procuradoria de Justiça, em parecer da lavra da Dra. Paula Castanheira Lamenza, opina pelo não provimento do apelo defensivo (fls. 186/191).

É o relatório.

O recurso comporta provimento.

O apelante foi condenado porque, em 22 de outubro de 2020, à noite, na Avenida Ouro Branco, n. 30, na cidade de Santana de Parnaíba, descumpriu medida protetiva de urgência ao se aproximar e ter contato com as vítimas Jacileide Marques da Silva, sua genitora, e Rozineide de Lima Marques Lino, sua tia.

Segundo consta da denúncia, a ofendida Jacileide é mãe do acusado e reside no local dos fatos na companhia de sua irmã, a vítima Rozineide. Em razão do comportamento agressivo do réu, as ofendidas solicitaram medidas protetivas de afastamento do agressor do lar e proibição de aproximação e contato com ambas, o que foi deferido (fls. 34/37 - autos n. 1500722-27.2020.8.26.0529). O apelante cientificado das medidas protetivas, contudo, na data dos fatos, ele foi à residência das ofendidas e pediu dinheiro para Jacileide, a ameaçando de fazer-lhe algum mal. Rozineide acionou a Polícia Militar e o acusado foi preso em flagrante delito.

Apelação Criminal nº 1502360-56.2020.8.26.0542 -Voto nº 23572 3

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As provas colhidas em Juízo, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, não se mostram aptas a embasar a condenação do acusado.

Em solo policial, o apelante permaneceu silente (fls. 08). Interrogado sob o crivo do contraditório, ele negou o cometimento do crime. Afirmou que havia voltado a morar com as ofendidas por convite delas. Esclareceu que, na data dos fatos, foi cobrado por uma dívida de mercado e pediu dinheiro às vítimas, que recusaram o pedido. Relatou que, cerca de 30 minutos depois, os policiais foram à sua casa e o prenderam (mídia digital).

Jacileide Marques da Silva afirmou que as medidas protetivas não foram pedidas por ela, mas pela ofendida Rozineide. Aduziu que, quando o apelante usava drogas, ele pedia dinheiro, mas não ficava agressivo (mídia digital).

Rozineide de Lima Marques Lino narrou que foi a autora do pedido de medidas protetivas. Aduziu que, quando usava drogas, o apelante as perturbava. Afirmou que a vítima Jacileide havia liberado para conversar com o acusado. Relatou que o réu havia passado um mês morando na rua (mídia digital).

Higor Andrade Macedo e Danilo Ferreira dos Anjos, policiais militares, relataram que, na data dos fatos, foram acionados para atender uma ocorrência de descumprimento de medida protetiva. Chegando ao local, foram informados pelas ofendidas que o acusado estava agressivo e havia pedido dinheiro para comprar drogas. Frisaram que o réu estava lúcido e tinha conhecimento da medida protetiva (mídia digital)

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A despeito da credibilidade que deve ser conferida às palavras das vítimas, em especial em delitos de violência doméstica, no presente caso, não restou devidamente comprovado, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, a deliberada intenção do apelante em descumprir as medidas protetivas anteriormente impostas, de tal modo que a sua absolvição por insuficiência probatória é medida de rigor.

Malgrado seja incontroverso que o apelante esteve na residência das ofendidas no dia dos fatos, se aproximando delas na vigência de medida protetiva de afastamento, o que, em tese, incidiria na conduta prevista no artigo 24-A, da Lei n. 11.340/06, já que ele havia sido cientificado da restrição, a dinâmica dos fatos não restou bem esclarecida sob o crivo do contraditório.

Com efeito, em audiência virtual de instrução e julgamento, quando a ofendida Rozineide foi questionada se o acusado havia sido por elas convidado a retornar ao convívio doméstico, a conexão foi interrompida e, tanto o Ministério Público, quanto a Defesa, desistiram de sua oitiva.

Assim, restam dúvidas se o réu agiu deliberadamente com o fim de violar a medida protetiva, ou se foi, de fato, convidado pelas vítimas para voltar ao lar.

Diante desse cenário, deve ser reconhecida a ausência de evidências seguras nos autos sobre a violação da medida protetiva, de modo que não pode ser afastada a hipótese de que o acusado esteve no local com o consentimento das ofendidas.

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Apelação Criminal nº 1502360-56.2020.8.26.0542 -Voto nº 23572 5

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Nos termos do que dispõe o artigo 155, do Código de Processo Penal, a condenação não pode ser lastreada apenas nos elementos colhidos na fase policial.

Não se nega a validade das declarações das vítimas prestadas perante a autoridade policial. Contudo, sua valoração apenas poderá ser levada a efeito se estiver em consonância com as provas produzidas sob o crivo do contraditório, conforme destacado por Gustavo Badaró:

(...) para que sejam valorados, os elementos de informação do inquérito deverão estar em concordância com a prova produzida em contraditório. O advérbio exclusivamente do art. 155 do CPP deve ser entendido em seu sentido substancial, e não formal. Tanto os elementos de informação do inquérito quanto as provas em contraditório devem ser convergentes, apontando para o convencimento judicial no mesmo sentido.1

Forçoso reconhecer que, no presente caso, nenhuma prova inequívoca foi produzida sob o crivo do contraditório no sentido de incriminar o apelante quanto à violação da medida protetiva narrada na inicial acusatória, restando duvidosa a existência material do delito.

Inviável, diante de tal quadro probatório, a manutenção do édito condenatório em desfavor do réu, impondo- se, em homenagem ao princípio do in dubio pro reo, sua absolvição por insuficiência probatória.

Posto isso, pelo meu voto, dou provimento ao recurso defensivo a fim de absolver EDUARDO MARQUES DA

1 BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Processo Penal. Rio de Janeiro: Campus: Elsevier, 2012, p. 91.

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fls. 199

SILVA da prática o crime previsto no artigo 24-A

11.343/06, com

Processo Penal.

fundamento

no

artigo 386, VII,

do

LEME GARCIA

Relator

Apelação Criminal nº 1502360-56.2020.8.26.0542 -Voto nº 23572

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n.

de

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Sobre o autor
Elcio Carlos Almeida Ferreira

Advogado atuante na área penal e litígios civis. Pós graduado em civil, processo civil , penal e processo penal.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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