A Justiça do Trabalho confirmou a dispensa por justa causa de uma professora que publicou conteúdo ofensivo e discriminatório em grupo do WhatsApp, em reação a comentário de cunho político feito por colega de trabalho. A sentença é do juiz Alexandre Pimenta Batista Pereira, no período em que atuou na 3ª Vara do Trabalho de Governador Valadares. Ele negou o pedido de reversão da justa causa feito pela professora, afastando o direito ao recebimento das verbas devidas no caso de rescisão imotivada do contrato. Na avaliação do magistrado, a conduta praticada pela profissional, devidamente provada no processo, foi grave o suficiente para abalar a confiança necessária à continuidade do vínculo de emprego.
O fato ocorreu em um grupo de WhatsApp de alunos e professores da 1ª série do ensino médio. Após comentário de cunho político proferido por outro professor do colégio, a autora se manifestou dizendo que “não acreditava que o professor fizesse tal comentário, principalmente por ser pobre, negro e gay”. A publicação da professora foi considerada ofensiva, discriminatória e teve grande repercussão, inclusive entre alunos, pais de alunos e demais professores da instituição de ensino.
Justa causa
Na sentença, o juiz ressaltou que a justa causa é a sanção mais grave que pode ser aplicada ao empregado. “Além da ausência na liberação das guias rescisórias, existe, nesta modalidade do término do contrato de emprego, um reduzido número de verbas contratuais rescisórias”, ressaltou. Completou que, nesse quadro, a prova do término da relação de emprego cabe ao empregador e, na falta desta, presume-se a dispensa injusta, considerando-se o princípio da continuidade da relação de emprego, de acordo com a Súmula 212 do TST.
Repercussão
A instituição de ensino relatou que, após o ocorrido, recebeu inúmeras reclamações, tanto do professor envolvido como de alunos e pais de alunos, que, inconformados com a forma pejorativa e ofensiva com que a professora se referiu ao colega no grupo, exigiram um posicionamento da instituição. Afirmou ainda que apurou o ocorrido, ouvindo as partes envolvidas, tanto a autora como o professor ofendido, além dos alunos, concluindo que a melhor saída seria a dispensa por justa causa da profissional, já que sua permanência no colégio se tornou inviável após a grave repercussão do caso.
Mensagens apagadas
A autora, por sua vez, negou ter publicado qualquer mensagem ofensiva e afirmou que suas publicações sequer eram destinadas ao colega professor. Alegou que as mensagens de sua autoria foram publicadas no grupo de forma equivocada e que seriam destinadas a um terceiro, razão pela qual foram apagadas por ela, assim que verificou o equívoco.
Falta grave provada
Mas, na análise do magistrado, as provas produzidas no processo confirmaram as alegações da ex-empregadora e evidenciaram a falta grave praticada pela ex-empregada.
A autora chegou a firmar declaração que foi produzida em reunião realizada entre ela e o corpo diretivo da instituição, na época do ocorrido. De acordo com o juiz, o documento evidenciou que, de fato, a professora publicou a mensagem no grupo de WhatsApp, com os dizeres e expressões indicados pela empresa, referindo-se ao colega como alguém que não acreditava ter feito determinado comentário, pelo fato de ser pobre, negro e homossexual. A prova testemunhal foi no mesmo sentido.
A coordenadora pedagógica da escola à época, ouvida como testemunha, confirmou que a reclamante produziu comentários de conteúdo ofensivo e discriminatório no grupo de aplicativo de mensagens, o qual, embora não fosse gerenciado pela instituição, tinha cunho informativo das atividades escolares, com participação dos demais professores, alunos e pais de alunos, tratando-se de um ambiente extensivo à comunidade acadêmica. Apesar de a coordenadora nunca ter participado do grupo, relatou que foi procurada por alguns alunos, que lhe informaram sobre a mensagem da autora e se mostraram indignados com o conteúdo discriminatório e ofensivo direcionado ao professor, dizendo ainda que a publicação havia sido apagada pela professora. Contou que, depois disso, a própria coordenadora e as diretoras da instituição se reuniram com a autora, quando esta reconheceu o que significa o teor da publicação e, nas palavras da testemunha, “passou a frase completa”.
“Comentário preconceituoso”
Ainda de acordo com a testemunha, a professora alegou arrependimento na reunião, mas sabia da repercussão e da proporção que o fato havia tomado e estava ciente do peso e comprometimento dessa repercussão perante a comunidade escolar. Segundo relatou a coordenadora pedagógica, o comentário foi tido como preconceituoso e houve muita indignação e revolta de alunos, das famílias, inclusive de professores, e pais entraram em contato com a direção, tendo havido uma “semana muito difícil para ser controlada para não expor a professora”. Confirmou que, na reunião, a professora assinou um termo de declaração sobre o ocorrido.
Na ação que ajuizou contra a ex-empregadora, além de discordar do conteúdo da declaração, a professora alegou ter sido coagida a assiná-la. Em depoimento pessoal, declarou que não se recordava do que havia escrito na mensagem objeto de discussão. Entretanto, na petição inicial, alegou ter procurado o professor para se desculpar e que, inclusive, colocou-se à disposição do colégio para formalizar um pedido de desculpas públicas pelo incidente. Na avaliação do juiz, as alegações da professora se mostraram contraditórias e não se sustentaram: “Não haveria qualquer razão para a reclamante pedir desculpas a alguém que jamais ofendera, tampouco de se colocar à disposição para apresentar um pedido de desculpas públicas por uma ofensa que não cometeu”, destacou na sentença.
Coação não provada
Para o magistrado, cabia à professora provar que a declaração firmada por ela em reunião não foi válida, ou mesmo, que tenha sofrido qualquer tipo de coação para assinar documento que lhe era desfavorável. No entanto, nenhuma prova fora produzida neste sentido.
“Frisa-se que a autora é professora, alfabetizada, capaz, sendo de se concluir que a mesma possuía prévia ciência acerca do documento que estava assinando e que não sofreu nenhum constrangimento ou coação para assiná-lo, podendo se recusar a fazê-lo”, observou o julgador.
Condenação por danos morais no juízo cível
Contribuiu para a confirmação da justa causa a prova de condenação da autora, em processo movido no juízo cível, ao pagamento de indenização por danos morais em benefício do professor, alvo de seus comentários ofensivos.
“Notório propósito de ofender, constranger, humilhar e ridicularizar”
Na visão do juiz, ficou suficientemente demonstrado que a autora, de fato, proferiu comentário ofensivo contra professor integrante do quadro docente da ré, a quem se referiu como alguém que não deveria expressar opiniões políticas favoráveis a um determinado espectro político, “por ser uma pessoa pobre, negra e homossexual”.
“Em que pese os termos isoladamente considerados não se tratarem de ofensa moral, o contexto em que foram proferidos indica o intuito ofensivo com que foram utilizados pela reclamante, com claro e notório propósito de ofender, constranger, humilhar e ridicularizar o seu destinatário”, destacou o julgador na decisão.
Justa causa – Requisitos
Ainda segundo o pontuado na sentença, estiveram presentes os demais requisitos para a configuração da justa causa, quais sejam: imediatidade na aplicação da penalidade e proporcionalidade ou adequação entre a falta e a pena aplicada. A imediatidade foi comprovada, já que, após serem proferidas as ofensas à instituição de ensino, procedeu à apuração dos fatos e, logo em seguida, aplicou a justa causa para a dispensa.
Sobre a proporcionalidade entre a falta cometida e a pena aplicada, para o juiz, não houve dúvidas de que o fato ocorrido tornou insustentável a permanência da autora no corpo docente da ré, sobretudo em razão da repercussão negativa que causou no ambiente acadêmico, tendo mobilizado alunos, pais de alunos e demais professores, exigindo do estabelecimento de ensino a adoção de medida compatível com a gravidade da situação.
“A situação narrada ganha ainda contornos de maior gravidade, em razão do ambiente de ensino em que foram proferidas as ofensas, com gravíssima repercussão na comunidade acadêmica, sobretudo por se tratar de uma instituição de ensino com inspiração em valores religiosos ”, destacou o julgador.
Na análise do magistrado, a conduta da autora é grave, porque quebra o primado da confiança e urbanidade que se espera no ambiente escolar, comportamento básico nas relações sociais e que mais ainda se exige numa instituição de ensino calcada em preceitos religiosos. “Não se tolera, nesta situação, a incidência de gradação na penalidade, levando-se em conta a gravidade da falta em apreço e da repercussão gerada no ambiente acadêmico. É inconteste o descumprimento das normas lícitas e legítimas pactuadas, à vista de ato de mau procedimento e lesivo à honra proferido no ambiente de trabalho”, completou.
Conforme constou da sentença, ao utilizar expressões com intuito pejorativo, a autora descumpriu o dever de urbanidade esperado de todo empregado, caracterizando ato de mau procedimento e ato lesivo da honra ou da boa fama praticado no ambiente de trabalho, na forma prevista no artigo 482, alíneas b e k, da CLT.
“Dessa forma, a reclamada agiu de forma incensurável com a reclamante. Aplicou, de forma imediata a sanção cabível, adequada à elevada gravidade do ato praticado, que enseja a imediata aplicação da pena capital”, concluiu o juiz, confirmando a dispensa por justa causa da professora.
Recurso
A professora interpôs recurso, mas a sentença foi mantida pela Quarta Turma do TRT-MG.
Constou do acórdão, de relatoria do desembargador Paulo Chaves Corrêa Filho: “Não se trata aqui, de livre expressão do pensamento, mas sim de ofensa grave cometida em face de colega de trabalho, em meio público. Registre-se, ainda, que a reclamante foi condenada pela Justiça Cível ao pagamento de indenização por danos morais em prol do professor ofendido (...), o que também reafirma a gravidade da conduta autoral”. O processo foi arquivado definitivamente.
Coleta de provas digitais
Este caso ressalta a importância de coletar provas digitais de forma confiável, uma vez que simples prints de conversas podem não ser suficientes para sustentar uma alegação. É crucial utilizar meios de coleta de provas com validade jurídica, como a plataforma da Verifact, que oferece uma solução segura e tecnológica para a obtenção e preservação adequada de evidências digitais.