A interposição fraudulenta de terceiros nas operações de comércio exterior é um dos maiores – senão o maior temor dos importadores. Trata-se de uma infração que ocorre quando o verdadeiro importador (´real interveniente´) se oculta atrás de uma empresa de fachada (´empresa laranja´) para evitar ser alcançado pela fiscalização aduaneira.
A legislação prevê duas modalidades de interposição fraudulenta: presumida e comprovada. Na presumida, o fisco, apesar de não conseguir identificar o real interveniente, demonstra que a empresa laranja não possuía capacidade financeira para realizar as operações. Na comprovada, o fisco identifica e comprova quem é (ou quem são) o(s) real(is) interveniente(s).
Em ambas as modalidades de interposição fraudulenta é aplicado ao importador (e/ou adquirente e/ou encomendante, nos casos de operações realizadas por conta e ordem de terceiros ou por encomenda), pelo menos, a pena de perdimento de toda a carga objeto da operação alegadamente fraudulenta. E se tal carga não puder ser apreendida por ter sido consumida, revendida ou não localizada, a penalidade é revertida em multa de valor equivalente – o que gera autuações milionárias.
Nos casos tratados nos acórdãos 103-014.465 e 103-014.466, ambos da 2ª turma/DRJ03 ocorreu exatamente isso. Segundo afirmou a fiscalização, nas operações indicadas nos autos de infração combatidos – que juntas superam a marca de 21 milhões de reais, tanto a adquirente da carga quanto a importadora (na operação do tipo conta e ordem) agiram conjuntamente para ocultar várias empresas que, segundo foi alegado, seriam as reais intervenientes das operações.
Ao se defender a adquirente alegou, dentre outras coisas, que a fiscalização aduaneira não comprovou qualquer conduta ilícita – o que era seu dever. Acrescentou, ainda, que o fisco também não reuniu provas que demonstrassem o dolo necessário para que a interposição restasse caracterizada.
Por fim, argumentou que o fato de as mercadorias terem sido revendidas pouco depois do desembaraço aduaneiro e de alguns dos clientes estarem em situação irregular não comprovam, por si só, a ocorrência de interposição fraudulenta.
A DRJ, ao acolher a tese defensiva, o relator do caso afirmou:
“Em relação ao repasse imediato da mercadoria para terceiros, entendo que, via de regra, o restrito lapso temporal entre o desembaraço e a transferência da mercadoria para terceiros, embora, a meu ver, seja capaz de justificar o início do procedimento de fiscalização, não é suficiente para sustentar a acusação feita pela Autoridade Aduaneira, dado que a venda da mercadoria pode ter ocorrido no decorrer do transporte ou, ainda, durante a estocagem da mercadoria, sem que tal vende tenha sido a motivadora da operação comercial, cabendo a Autoridade Aduaneira o ônus da prova. Da mesma forma, a venda da mercadoria para uma empresa em situação irregular, ainda que tal fato possa parecer controverso e apontar uma conduta potencialmente suspeita, não implica dizer, necessariamente, que a referida mercadoria importada tenha sido, de forma oculta, solicitada antecipadamente pela empresa dita irregular, caracterizando, assim, a interposição fraudulenta, como relatado nos autos. (...) Justamente por isso, no caso em tela, entendo que a autuação carece de substrato, pois os motivos e os elementos de prova trazidos pela fiscalização, acima citados, são incapazes de sustentar a acusação de que a empresa xxxxxxxxx teria ocultado um terceiro nas importações consideradas no lançamento, ou seja, o que foi apresentado pela acusação não foi o suficiente para o convencimento do julgador.”
Ao comentar a decisão, o advogado João Luiz Fregonazzi, que atuou na defesa da empresa autuada disse: “O processo administrativo deve respeitar regras e princípios previstos na legislação como legalidade, presunção da inocência, ônus da prova e verdade substancial. Nesses casos específicos, esses e outros princípios foram inobservados pelo fisco que, ao invés de se apegar as provas e aos fatos que elas demonstravam, selecionou determinados elementos que posteriormente foram utilizados de forma isolada e fora de contexto para tentar justificar a acusação de interposição fraudulenta”.
Para o Fregonazzi, esta decisão é um marco para as importadoras, pois, em razão da falta de especialistas em direito aduaneiro, muitas vezes autos de infração inconsistentes acabam sendo mantidos em razão da ausência de uma defesa técnica consistente, o que muitas vezes pode acarretar no fim da empresa: “Seria impossível para a empresa autuada continuar no mercado com um débito de mais de 21 milhões de reais junto à Receita Federal. Assim, o acolhimento da defesa efetivamente evitou o encerramento das suas atividades. Em outras palavras, casos como este mostram que uma boa assessoria em direito aduaneiro pode significar a vida da empresa – e sua ausência, a morte dela”.