Decisão judicial do Superior Tribunal de Justiça pode descriminalizar o crime de desacato

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O Superior Tribunal de Justiça no segundo semestre de 2016 decidiu que desacatar um servidor público em serviço da sociedade é garantir a “proteção da liberdade de expressão”. Impondo uma reflexão sobre o tema, a qual passar-se-á a abordar.

Por unanimidade, ou seja, a maioria da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, recentemente, que o delito de desacato, tipificado no artigo 331 do Código Penal, não seria mais crime.

Desacatar é humilhar, espezinhar, ofender funcionário público quando este estiver exercendo a função ou agindo em razão dela, em outras palavras, a decisão traduz que se um Policial Militar estiver trabalhando a fim de assegurar a segurança da sociedade e, em abordagem de rotina, sofrer ofensas em decorrência da sua profissão, não haverá crime de desacato.

            Entre os argumentos do STJ, o Ministro relator do Recurso Especial, Ribeiro Dantas, mencionou que “a Comissão Interamericana de Direito Humanos – CIDH já se manifestou no sentido de que as leis de desacato se prestam ao abuso como meio para silenciar ideias e opiniões consideradas incômodas pelo establishment³, bem assim proporcionam maior nível de proteção aos agentes do Estado do que aos particulares, em contravenção aos princípios democráticos e igualitários”.

            Deste modo, o posicionamento do Ministro nos remete à reflexão de que desacatar um Policial em serviço da sociedade é garantir a “proteção da liberdade de expressão”.

            Na mesma esteira argumentativa, Ribeiro Dantas disse que tal crime traria uma “desigualdade entre funcionários e particulares, o que é inaceitável no Estado Democrático de Direito preconizado pela CF/88 e pela Convenção Americana de Direitos Humanos”.

            Remete-nos a pensar que proporcionar ao cidadão ofender e proferir palavras degradantes ao agente público que trabalha pela segurança da sociedade é dar a ele – cidadão – a liberdade de expressão, esquecendo-se da honra e a dignidade da pessoa que dedica sua vida a serviço do Estado e dos cidadãos de bem.

            Outro argumento apresentado para que o desacato não seja mais crime é que o afastamento do tipo penal do ordenamento jurídica não impede a responsabilidade ulterior, civil ou até mesmo de outra figura penal (calúnia, injúria, difamação, etc.) pela ocorrência de abuso de expressão verbal ou gestual utilizante perante o funcionário público.

            Em outras palavras, o Estado não é mais responsável pela honra de seus funcionários em serviço, basta ao ofendido em serviço buscar os serviços de um advogado para defendê-lo, implicando em gastos com defensor por exercer uma profissão pública em prol do coletivo.

            No decorrer da sua explanação, o Ministro Dantas citou caso ocorrido em 2011, quando uma servidora do Detran-RJ abordou um juiz que dirigia um veículo sem carteira de habilitação; ademais, o veículo não tinha placa. Ao resistir à abordagem, a servidora alegou que ele “não era Deus”. O juiz, sentindo-se desacato, deu voz de prisão à servidora. Ao ser processado por prisão ilegal, o TJ-RJ entendeu que foi a servidora que praticou ilegalidade e abuso ao proferir tal ofensa ao juiz.

            Nota-se que o problema quanto ao crime de desacato não está na lei; mas sim na consciência social de que o cidadão que atua como servidor público, em especial como Policial, é um agente a serviço do Estado e da sociedade.

            O Código Penal, ao prever o crime de desacato, não tem intenção de cercear o direito de liberdade de expressão do cidadão e dar “superpoderes” aos seus servidores, como no caso do juiz, ocorrido no Rio de Janeiro. O diploma penal visa, sim, proteger o agente que atua na defesa dos interesses sociais de ofensas quando estiver prestando serviço à sociedade.

            Não parece razoável sopesar de um lado o direito individual do cidadão proferir ofensas aos agentes públicos em serviço e de outro a liberdade de expressão. Parece, sim, oferecer ao ofensor um escudo.

             Só quem é Policial sabe como é difícil vivenciar situações de risco. Nessas horas, toda proteção ao agente que visa assegurar a paz social é bem-vinda.

            A questão que precisa ser pensada não é se desacato é crime, mas se numa sociedade onde a criminalidade se expande pelo sentimento de impunidade, há consciência social para entender que o servidor público presta assistência a população em geral visando o bem comum, ele somente está naquele lugar porque alguém o chamou ou pelo simples fato da função lhe exigir. Portanto, permitir “a liberdade de expressão individual” de desacatar servidores em exercício não é um direito do cidadão e sim uma ofensa aos princípios fundamentais da cidadania e da dignidade da pessoa humana.

Sobre as autoras
Michele da Silva Vargas

Bacharel em Direito na UNISC. Bacharel em Ciências Militares pela Academia de Polícia Militar do Rio Grande do Sul.

Laura Kipper Doebber

Aluna Soldado do Curso Básico de Formação Policial Militar da Escola de Formação e Especialização da Brigada Militar de Montenegro RS – ESFES, 2016-2017.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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