Por unanimidade, ou seja, a maioria da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, recentemente, que o delito de desacato, tipificado no artigo 331 do Código Penal, não seria mais crime.
Desacatar é humilhar, espezinhar, ofender funcionário público quando este estiver exercendo a função ou agindo em razão dela, em outras palavras, a decisão traduz que se um Policial Militar estiver trabalhando a fim de assegurar a segurança da sociedade e, em abordagem de rotina, sofrer ofensas em decorrência da sua profissão, não haverá crime de desacato.
Entre os argumentos do STJ, o Ministro relator do Recurso Especial, Ribeiro Dantas, mencionou que “a Comissão Interamericana de Direito Humanos – CIDH já se manifestou no sentido de que as leis de desacato se prestam ao abuso como meio para silenciar ideias e opiniões consideradas incômodas pelo establishment³, bem assim proporcionam maior nível de proteção aos agentes do Estado do que aos particulares, em contravenção aos princípios democráticos e igualitários”.
Deste modo, o posicionamento do Ministro nos remete à reflexão de que desacatar um Policial em serviço da sociedade é garantir a “proteção da liberdade de expressão”.
Na mesma esteira argumentativa, Ribeiro Dantas disse que tal crime traria uma “desigualdade entre funcionários e particulares, o que é inaceitável no Estado Democrático de Direito preconizado pela CF/88 e pela Convenção Americana de Direitos Humanos”.
Remete-nos a pensar que proporcionar ao cidadão ofender e proferir palavras degradantes ao agente público que trabalha pela segurança da sociedade é dar a ele – cidadão – a liberdade de expressão, esquecendo-se da honra e a dignidade da pessoa que dedica sua vida a serviço do Estado e dos cidadãos de bem.
Outro argumento apresentado para que o desacato não seja mais crime é que o afastamento do tipo penal do ordenamento jurídica não impede a responsabilidade ulterior, civil ou até mesmo de outra figura penal (calúnia, injúria, difamação, etc.) pela ocorrência de abuso de expressão verbal ou gestual utilizante perante o funcionário público.
Em outras palavras, o Estado não é mais responsável pela honra de seus funcionários em serviço, basta ao ofendido em serviço buscar os serviços de um advogado para defendê-lo, implicando em gastos com defensor por exercer uma profissão pública em prol do coletivo.
No decorrer da sua explanação, o Ministro Dantas citou caso ocorrido em 2011, quando uma servidora do Detran-RJ abordou um juiz que dirigia um veículo sem carteira de habilitação; ademais, o veículo não tinha placa. Ao resistir à abordagem, a servidora alegou que ele “não era Deus”. O juiz, sentindo-se desacato, deu voz de prisão à servidora. Ao ser processado por prisão ilegal, o TJ-RJ entendeu que foi a servidora que praticou ilegalidade e abuso ao proferir tal ofensa ao juiz.
Nota-se que o problema quanto ao crime de desacato não está na lei; mas sim na consciência social de que o cidadão que atua como servidor público, em especial como Policial, é um agente a serviço do Estado e da sociedade.
O Código Penal, ao prever o crime de desacato, não tem intenção de cercear o direito de liberdade de expressão do cidadão e dar “superpoderes” aos seus servidores, como no caso do juiz, ocorrido no Rio de Janeiro. O diploma penal visa, sim, proteger o agente que atua na defesa dos interesses sociais de ofensas quando estiver prestando serviço à sociedade.
Não parece razoável sopesar de um lado o direito individual do cidadão proferir ofensas aos agentes públicos em serviço e de outro a liberdade de expressão. Parece, sim, oferecer ao ofensor um escudo.
Só quem é Policial sabe como é difícil vivenciar situações de risco. Nessas horas, toda proteção ao agente que visa assegurar a paz social é bem-vinda.
A questão que precisa ser pensada não é se desacato é crime, mas se numa sociedade onde a criminalidade se expande pelo sentimento de impunidade, há consciência social para entender que o servidor público presta assistência a população em geral visando o bem comum, ele somente está naquele lugar porque alguém o chamou ou pelo simples fato da função lhe exigir. Portanto, permitir “a liberdade de expressão individual” de desacatar servidores em exercício não é um direito do cidadão e sim uma ofensa aos princípios fundamentais da cidadania e da dignidade da pessoa humana.