DIREITO AO ESQUECIMENTO E À INTIMIDADE X LIBERDADE DE EXPRESSÃO

Leia nesta página:

Que direito se deve privilegiar em caso de confronto entre o “direito ao esquecimento”, direitos da personalidade, direito à imagem, à honra, à intimidade, à vida privada (Dignidade da Pessoa Humana) e o direito à informação e à liberdade de expressão?

Trata-se o presente de uma análise acerca de que direito se deve privilegiar, de acordo com jurisprudência recente, em caso de confronto entre o “direito ao esquecimento”, direitos da personalidade, direito à imagem, à honra, à intimidade, à vida privada (Dignidade da Pessoa Humana) e  o direito à informação e à liberdade de expressão.

Fato é que, em março de 2013, editou-se o Enunciado nº 531, do Conselho da Justiça Federal/STJ (VI Jornada de Direito Civil), tratando do direito ao esquecimento como essencial à tutela de dignidade da pessoa humana, in verbis: “A tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento”.

O enunciado transcrito reflete, pois, diretamente, na interpretação do art. 11 do Código Civil, que trata dos direitos de personalidade, verbum ad verbum: “Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária.”. Está também de acordo com os Tratados Internacionais sobre Direitos Humanos de que o Brasil é signatário, que entraram no sistema jurídico com força de emenda constitucional.

E o E. - Superior Tribunal de Justiça-STJ, menos de três meses depois da aprovação do Enunciado 351, antes referido, decidiu, em dois casos, julgados no mesmo dia, em 28 de maio de 2013, ambos pela 4ª Turma, em um, privilegiando o “direito ao esquecimento”, e, no outro, privilegiando a liberdade de expressão.
Assim é que, no caso do que ficou conhecido como “Chacina da Candelária”, o E. Superior Tribunal de Justiça-STJ decidiu:
RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL-CONSTITUCIONAL. LIBERDADE DE IMPRENSA VS. DIREITOS DA PERSONALIDADE. LITÍGIO DE SOLUÇÃO TRANSVERSAL. COMPETÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. DOCUMENTÁRIO EXIBIDO EM REDE NACIONAL. LINHA DIRETA-JUSTIÇA. SEQUÊNCIA DE HOMICÍDIOS CONHECIDA COMO CHACINA DA CANDELÁRIA. REPORTAGEM QUE REACENDE O TEMA TREZE ANOS DEPOIS DO FATO. VEICULAÇÃO INCONSENTIDA DE NOME E IMAGEM DE INDICIADO NOS CRIMES. ABSOLVIÇÃO POSTERIOR POR NEGATIVA DE AUTORIA. DIREITO AO ESQUECIMENTO DOS CONDENADOS QUE CUMPRIRAM PENA E DOS ABSOLVIDOS. ACOLHIMENTO. DECORRÊNCIA DA PROTEÇÃO LEGAL E CONSTITUCIONAL DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DAS LIMITAÇÕES POSITIVADAS À ATIVIDADE INFORMATIVA. PRESUNÇÃO LEGAL E CONSTITUCIONAL DE RESSOCIALIZAÇÃO DA PESSOA. PONDERAÇÃO DE VALORES. PRECEDENTES DE DIREITO COMPARADO. [...] 2 Nos presentes autos, o cerne da controvérsia passa pela ausência de contemporaneidade da notícia de fatos passados, que reabriu antigas feridas já superadas pelo autor e reacendeu a desconfiança da sociedade quanto à sua índole. O autor busca a proclamação do seu direito ao esquecimento, um direito de não ser lembrado contra sua vontade, especificamente no tocante a fatos desabonadores, de natureza criminal, nos quais se envolveu, mas que, posteriormente, fora inocentado. [...][...] 7. Assim, a liberdade de imprensa há de ser analisada a partir de dois paradigmas jurídicos bem distantes um do outro. O primeiro, de completo menosprezo tanto da dignidade da pessoa humana quanto da liberdade de imprensa; e o segundo, o atual, de dupla tutela constitucional de ambos os valores. [...]. 11. É evidente o legítimo interesse público em que seja dada publicidade da resposta estatal ao fenômeno criminal. Não obstante é imperioso também ressaltar que o interesse público - além de ser conceito de significação fluida - não coincide com o interesse do público, que é guiado, no mais das vezes, por sentimento de execração pública, praceamento da pessoa humana, condenação sumária e vingança continuada. [...]. 17.  Ressalvam-se do direito ao esquecimento os fatos genuinamente históricos -historicidade essa que deve ser analisada em concreto -, cujo interesse público e social deve sobreviver à passagem do tempo, desde que a narrativa desvinculada dos envolvidos se fizer impraticável. 18. No caso concreto, a despeito de a Chacina da Candelária ter se tornado -com muita razão - um fato histórico, que expôs as chagas do País ao mundo, tornando-se símbolo da precária proteção estatal conferida aos direitos humanos da criança e do adolescente em situação de risco, o certo é que a fatídica história seria bem contada e de forma fidedigna sem que para isso a imagem e o nome do autor precisassem ser expostos em rede nacional. Nem a liberdade de imprensa seria tolhida, nem a honra do autor seria maculada, caso se ocultassem o nome e a fisionomia do recorrido, ponderação de valores que, no caso, seria a melhor solução ao conflito. [...] 19. Muito embora tenham as instâncias ordinárias reconhecido que a reportagem se mostrou fidedigna com a realidade, a receptividade do homem médio brasileiro a noticiários desse jaez é apta a reacender a desconfiança geral acerca da índole do autor, o qual, certamente, não teve reforçada sua imagem de inocentado, mas sim a de indiciado. No caso, permitir nova veiculação do fato, com a indicação precisa do nome e imagem do autor, significaria a permissão de uma segunda ofensa à sua dignidade, só porque a primeira já ocorrera no passado, uma vez que, como bem reconheceu o acórdão recorrido, além do crime em si, o inquérito policial consubstanciou uma reconhecida "vergonha" nacional à parte. [...]21. Recurso especial não provido. (STJ, 4ª Turma. REsp. 1.334.097-RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. em 28.05.2013). (Sublinhou-se).

No caso conhecido como “Aida Curi”, julgado também em 28 de maio de 2013, pela 4ª Turma, o E. Superior Tribunal de Justiça-STJ decidiu:

RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL-CONSTITUCIONAL. LIBERDADE DE IMPRENSA VS. DIREITOS DA PERSONALIDADE. LITÍGIO DE SOLUÇÃO TRANSVERSAL. COMPETÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA.DOCUMENTÁRIO EXIBIDO EM REDE NACIONAL. LINHA DIRETA-JUSTIÇA. HOMICÍDIO DE REPERCUSSÃO NACIONAL OCORRIDO NO ANO DE 1958. CASO "AIDA CURI". VEICULAÇÃO, MEIO SÉCULO DEPOIS DO FATO, DO NOME E IMAGEM DA VÍTIMA. NÃO CONSENTIMENTO DOS FAMILIARES. DIREITO AO ESQUECIMENTO. ACOLHIMENTO. NÃO APLICAÇÃO NO CASO CONCRETO. RECONHECIMENTO DA HISTORICIDADE DO FATO PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. IMPOSSIBILIDADE DE DESVINCULAÇÃO DO NOME DA VÍTIMA. ADEMAIS, INEXISTÊNCIA, NO CASO CONCRETO, DE DANO MORAL INDENIZÁVEL. VIOLAÇÃO AO DIREITO DE IMAGEM. SÚMULA N. 403/STJ. NÃO INCIDÊNCIA. [...]. 2. Nos presentes autos, o cerne da controvérsia passa pela ausência de contemporaneidade da notícia de fatos passados, a qual, segundo o entendimento dos autores, reabriu antigas feridas já superadas quanto à morte de sua irmã, Aida Curi, no distante ano de 1958. Buscam a proclamação do seu direito ao esquecimento, de não ter revivida, contra a vontade deles, a dor antes experimentada por ocasião da morte de Aida Curi, assim também pela publicidade conferida ao caso décadas passadas. [...]. 4. Não obstante isso, assim como o direito ao esquecimento do ofensor - condenado e já penalizado - deve ser ponderado pela questão da historicidade do fato narrado, assim também o direito dos ofendidos deve observar esse mesmo parâmetro. Em um crime de repercussão nacional, a vítima - por torpeza do destino - frequentemente se torna elemento indissociável do delito, circunstância que, na generalidade das vezes, inviabiliza a narrativa do crime caso se pretenda omitir a figura do ofendido. 5. Com efeito, o direito ao esquecimento que ora se reconhece para todos, ofensor e ofendidos, não alcança o caso dos autos, em que se reviveu, décadas depois do crime, acontecimento que entrou para o domínio público, de modo que se tornaria impraticável a atividade da imprensa para o desiderato de retratar o caso Aida Curi, sem Aida Curi.6. É evidente ser possível, caso a caso, a ponderação acerca de como o crime tornou-se histórico, podendo o julgador reconhecer que, desde sempre, o que houve foi uma exacerbada exploração midiática, e permitir novamente essa exploração significaria conformar-se com um segundo abuso só porque o primeiro já ocorrera. Porém, no caso em exame, não ficou reconhecida essa artificiosidade ou o abuso antecedente na cobertura do crime, inserindo-se, portanto, nas exceções decorrentes da ampla publicidade a que podem se sujeitar alguns delitos. [...]. 8. A reportagem contra a qual se insurgiram os autores foi ao ar 50 (cinquenta) anos depois da morte de Aida Curi, circunstância da qual se conclui não ter havido abalo moral apto a gerar responsabilidade civil. Nesse particular, fazendo-se a indispensável ponderação de valores, o acolhimento do direito ao esquecimento, no caso, com a consequente indenização, consubstancia desproporcional corte à liberdade de imprensa, se comparado ao desconforto gerado pela lembrança. [...]. 10. Recurso especial não provido. (REsp 1335153/RJ, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 28/05/2013, DJe 10/09/2013). (Destacou-se)

Vale a pena ressaltar, ainda, que o caso “Aída Curi” foi objeto de Recurso Extraordinário com Agravo 1.010.606/RJ, com repercussão geral cujo objeto é a existência de um direito ao esquecimento na esfera cível, passível de ser invocado por vítimas de crimes ou por seus familiares, sendo que, no E. Superior Tribunal Federal-STF, o Ministro Dias Toffoli, Relator do processo em referência, no dia 12 de junho de 2017, convocou expertos, autoridades e especialistas para uma audiência pública para debate deste tema de modo a subsidiar a Corte com o conhecimento especializado necessário para o deslinde da causa em juízo, segundo informações obtidas em seu site.

E também informações acerca do andamento processual do Recurso Extraordinário com Agravo 1.010.606/RJ, no site do Supremo Tribunal Federal-STF, na data de redação do presente, em 05 de outubro de 2018, davam conta de que já houve determinação no sentido de que seja incluído em pauta para julgamento.

Sobre os autores
Rodrigo Chavari De Arruda

Advogado junto ao Escritório Colenci Advogados Associados– Botucatu/SP, Pós-graduando em Direito Civil e Processual Civil junto ao Centro de Pós-graduação da Instituição Toledo de Ensino – Bauru/SP

Antonieta Lima Brauer

Advogada militante em Botucatu/SP; Pós-Graduada em Direito Ambiental, Direito Agrário e em Didática do Ensino Superior; Professora do Centro Universitário Sudoeste Paulista-UniFSP, em Avaré/SP.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos