TRF 4 reforça: autorização verbal não configura licença ambiental

22/10/2018 às 11:30
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Autorização verbal não configura Licença Ambiental para fins de imputação do crime do artigo 67 da Lei 9.605/98. A tese foi reforçada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região na Apelação Criminal nº 5019501-09.2015.404.7200.

Conforme se verifica dos autos do processo (APELAÇÃO CRIMINAL 5019501-09.2015.404.7200), discorre a denúncia que em abril de 2012 o então vereador Deglaber teria dado uma autorização verbal para que se promovesse a limpeza de um terreno no Bairro Estreito em Florianópolis/SC. Assim agindo, segundo o Ministério Público Federal, estaria incurso nos artigos 67 da Lei 9.605/98 e 321 do Código Penal. Alega o MPF que o réu Deglaber teria através dessa autorização verbal, destruído um sítio arqueológico bem como teria praticado interesse privado perante a Administração Pública.

Assim, por concederem autorização verbal para a execução de obras em terreno do Município de Florianópolis que abrigaria sambaqui, bem público federal, sem disporem dos documentos legalmente exigidos (licenças ou autorizações municipais e federais), DEGLABER e MUNICÍPIO DE FLORIANÓPOLIS cometeram o crime preceituado no art. 67, caput, c.c. artigos 2º e 3º, todos da Lei n.º 9.605/98, com a seguinte disposição:

Art. 67. Conceder o funcionário público licença, autorização ou permissão em desacordo com as normas ambientais, para as atividades, obras ou serviços cuja realização depende de ato autorizativo do Poder Público:

Pena - detenção, de um a três anos, e multa.

Parágrafo único. Se o crime é culposo, a pena é de três meses a um ano de detenção, sem prejuízo da multa.

Ao réu DEGLABER foi também imputada a conduta descrita no art. 321, caput e parágrafo único, do CP, por conceder autorização verbal para a execução das obras:

Art. 321. - Patrocinar, direta ou indiretamente, interesse privado perante a administração pública, valendo-se da qualidade de funcionário:

Pena - detenção, de um a três meses, ou multa.

Não obstante, ao acatar a tese da defesa, o Tribunal concluiu que a “mera autorização verbal não se enquadra nos elementos do tipo do art. 67. da Lei 9.605/98. Isso porque a “norma em questão concretiza o art. 10. da Lei 6.938/81, cujo objeto material é o ato administrativo que se ache exarado no procedimento administrativo do órgão ambiental.”

Dessa forma, conceitualmente, o elemento subjetivo é a vontade livre e consciente do funcionário de órgão ambiental de possibilitar, através de ato administrativo próprio, a realização de atividades, obras e serviços. O ato administrativo apresenta assim dois elementos: conteúdo e a forma. Quanto à forma dos atos administrativos, assevera José dos Santos Carvalho Filho (in Manual de direito administrativo, 31. ed. revista, atualizada e ampliada, São Paulo: Atlas, 2017, pp. 116/117):

Diversamente do que se passa no direito privado, onde vigora o princípio da liberdade das formas, no direito público a regra é a solenidade das formas. E não é difícil identificar a razão da diversidade de postulados. No direito privado prevalece o interesse privado, a vontade dos interessados, ao passo que no direito público toda atividade deve estar voltada para o interesse público.

Dois são os aspectos que merecem análise no que diz respeito ao princípio da solenidade no direto público.

O primeiro descansa na regra geral que deve nortear a exteriorização dos atos. Deve o ato ser escrito, registrado (ou arquivado) e publicado . Não obstante, admite-se que em situações singulares possa a vontade administrativa manifestar-se através de outros meios, como é o caso de gestos (guardas de trânsito, v.g.), palavras (atos de polícia de segurança pública) ou sinais (semáforos ou placas de trânsito). Esses meios, porém, é importante que se frise, são excepcionais e atendem a situações especiais . (grifei)

Em complementação, Bandeira de Mello (p. 424) afirma que a formalização, evidentemente, deve obedecer às exigências legais, de maneira a que o ato seja expresso tal como a lei impunha que o fosse. Assim, como já se deixou dito, a motivação do ato é importante requisito de sua formalização. Vê-se, assim, que a formalização do ato administrativo pelo meio verbal deve ser medida excepcional, sendo a regra o ato registrado por escrito, exarado em processo administrativo.

Assim, ainda que se admita, excepcionalmente, a forma verbal para a prática do ato administrativo que autorizou a limpeza, deve ser reconhecida a atipicidade da conduta do réu DEGLABER em relação aos fatos descritos na denúncia, uma vez que esse réu, já não ocupava cargo vinculado ao poder executivo municipal, e a mesma carece da formalização do ato administrativo, pelo meio verbal deve ser medida excepcional, sendo a regra o ato registrado por escrito, exarado em processo administrativo.

Acerca do tipo objetivo do art. 321, CP, José Paulo Baltazar Junior (in Crimes Federais, 11ª ed. - São Paulo: Saraiva, 2017, p. 312), em comentário ao artigo referido, leciona que:

Patrocinar significa advogar, facilitar, proteger, favorecer, defender, intermediar, interceder, pedir em favor de alguém. Conforme o caso, poderá restar configurado o crime com a ação de indagar sobre o andamento de determinado expediente

(TRF 3, AC 19996102015038-3, Therezinha Carzeta, 1ª T., u., 20.05.03)

O patrocínio não se confunde com a execução do ato favorável ao particular, sendo nota marcante desse crime a intermediação de um funcionário no sentido de que o ato seja praticado por outro. O verbo nuclear da ação imputada ao acusado, como visto, diz com patrocinar interesse privado perante a administração pública.

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Ocorre que a acusação não logrou demonstrar que o réu DEGLABER, ao conceder autorização verbal para limpeza do terreno, tenha efetivamente advogado, facilitado, protegido, favorecido, defendido, intermediado, intercedido para que outro funcionário público praticasse ato em benefício de interesse de quem quer que seja. Nesse sentido, com efeito, quanto ao delito que lhe foi imputado descrito no art. 321. do CP, qual seja, o de patrocinar interesse privado perante a Administração Pública, não restou comprovada que o réu DEGLABER, ao conceder autorização verbal para limpeza do terreno, tenha efetivamente advogado, facilitado, protegido, favorecido, defendido, intermediado, intercedido para que outro funcionário público praticasse ato em benefício de interesse de outrem.

Dessa forma, por unanimidade, foi dado provimento à Apelação de DEGLABER GOULART para absolvê-lo das imputações dos delitos do art. 67. da Lei n.º 9.605/98 e art. 321, caput e parágrafo único, do CP, forte no art. 386, III, do CPP.

Sobre o autor
Rafael Ramos Rodolfo

Advogado em Florianópolis/SC, OAB/SC 15.001. Pós Graduado em Direito da Empresa pela FGV e Direito Ambiental pela UNISUL. Advogado especialista na Área Ambiental Experiência de mais de 15 anos no mercado. OAB/SC 15.001

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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