Prevalência da realidade frente à legislação

25/08/2020 às 10:20
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Direito a contagem do tempo do trabalho realizado antes dos 12 anos, para fins de aposentadoria.

Para cruzar a realidade com o dia a dia da justiça é preciso entender o contexto no qual a matéria que chega para apreciação do judiciário está inserida. O presente artigo tratará da ligação de um problema social, o Trabalho Infantil, com uma decisão no ramo de Direto Previdenciário. De forma breve, coesa e simples, pra que todos possam compreender, segue minha singela contribuição.

O trabalho infantil é um dos maiores problemas nacionais. A PNAD, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, de 2015, regida pelo IBGE (Instituto de Geografia e Estatística) apontou que 2,7milhões de crianças e adolescentes, entre 5 e 17 anos, estão submetidas ao trabalho em todo território nacional.

O IBGE apurou esses dados e concluiu que 1,8 milhões desses trabalhos são ilegais, não se encaixando aos labores permitidos pela legislação aos menores de 18 anos, que a seguir serão explicitados.   Ou seja, essas crianças estão sendo exploradas sem a proteção da Constituição Federal, do Estatuto da Criança e do Adolescente e da Lei do Aprendiz, que regulamentam, de forma conjunta, os trabalhos aos maiores de 14 anos. É o que chamamos de “trabalho infantil”.

Outro fator alarmante é que a pesquisa não contabiliza crianças e adolescentes que trabalham para o próprio consumo, elevando a realidade a um patamar mais assustador ainda.

Num contexto político não há nada a exaltar, o corte de gastos com programas sociais, que obviamente ajudam no combate ao trabalho infantil, contribui para a injustiça que recai sobre o futuro do país.

No meio desse cenário surge uma importante decisão do STJ:

O Informativo 674 do  STJ relativiza a letra da lei ao entender que o trabalho exercido antes dos doze anos de idade deve ser contabilizado para fins de aposentadoria.

A relativização provém do fato da legislação trazer em seu teor a proibição de qualquer trabalho aos menores de 14 anos, permitindo aos maiores o trabalho na condição de aprendiz. Aos maiores de 16 resta a proibição dos trabalhos insalubres, sendo qualquer trabalho permitido apenas aos maiores de 18 anos de idade. 

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

XXXIII - proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos;

Por essa razão resta óbvio que o trabalho exercido pelos menores de 12 anos além de ilegal é ofensa ao bem estar e à saúde física e psicológica das crianças e adolescentes, restringindo à elas direitos plenos à educação e lazer, entre outros.  A constituição prevê que esses direitos não podem ser renegados ou diminuídos de nenhuma forma, inclusive pelo Estado. 

Art. 227 É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

A matéria fática tratava não somente do labor infantil e de sua proibição mas também do pedido e computamento desse tempo para fins previdenciários.

O RGPS estabeleceu, com a finalidade de inibir o trabalho infantil, que a inscrição no regime se daria apenas aos maiores de 16 anos. A intenção desse regramento por obveidade é protetiva. Não faria, portanto, sentido sobrepor a verdade dos fatos à uma lei que teve como fator de insurgência a própria proteção ao menor. 

No caso em tela, a criança tinha o histórico do labor rural aos 12 anos, isso, por si só, já representa uma punição moral que deixa inadmissível que este tempo não contasse, ao menos, para obtenção da justiça previdenciária.

Dessa forma, em matéria de direito previdenciário, o STJ reconheceu a possibilidade de contagmr aos menores de 12 anos, respeitando os propósitos da legislação protetiva quando da sua criação e também a construção de uma sociedade mais justa e igualitária. 

A consideração do tempo de trabalho inferior ao previsto pela lei f0oi adotada pelo tribunal para fins previdenciários, sobretudo porque a situação por si já era de abandono á proteção haveria dupla injustiça sua não concessão. 

Entende-se, portanto, ser possível o reconhecimento do lavor para que a criança ou adolescente não sejam prejudicados, não havendo idade mínima que sobreponha a verdade cruel que submete milhares delas ao labor prematuro. 

Frente à situação espera-se ue qualquer juiz que tenha a frente tamanha responsabilidade não interprete a lei em desfavor do menor, quando houverem elementos substanciais que provam uma situação, o que torna a decisão de reconhecimento do tempo laborado justa e compatível com os objetivos e fundamentos da Carta Maior. 

Fontes de pesquisa:

]https://www.chegadetrabalhoinfantil.org.br/mapa-do-trabalho-infantil/

https://scon.stj.jus.br/SCON/SearchBRS?b=INFJ&tipo=informativo&livre=@COD=%270674%27

Sobre a autora
Renata Hugo

Advogada. Pós-graduada em Direito Constitucional, Direito Eletrônico e Direito e Processo do Trabalho.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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