A CPI da Covid e os crimes virtuais no Brasil

a CPI da Covid expõe um sério problema de segurança pública

Leia nesta página:

Foi veiculado hoje por toda a imprensa, alguns atos de supostas irregularidades com cadastro de empresas que surpreendem e nos chama muito a atenção. Mas não deveriam nos surpreender, pois infelizmente faz parte de uma realidade cotidiana no Brasil.

Hoje, dia 25/08, de todos esses dias turbulentos nesse mar de angústias que é a CPI da Covid-19, pessoalmente, foi o mais angustiante para mim. Ela trouxe a tona uma questão que pouco se discute, pouco se combate e pouco tem espaço no debate de segurança pública no país.

 

Um vendedor externo de frios, o Sr. Geraldo Rodrigues Machado, que havia solicitado auxílio emergencial por sua baixa renda, é apresentado em registro na Receita Federal como sócio da FIB Bank, uma empresa com capital avaliado em R$ 7.5 bilhões de reais. Em sua fala, ele nega veementemente isso em um vídeo exibido na Comissão Parlamentar de Inquérito:

 

“Aqui é Geraldo Rodrigues Machado, natural de Alagoas. Em 2015, ao tentar financiar uma moto, não consegui, porque descobri que tinha restrição de crédito por participar do quadro societário de algumas empresas no estado de São Paulo. Dias depois, fui demitido do emprego que eu tinha e não consegui receber meu seguro desemprego por participar do quadro societário dessas empresas, sendo uma delas a FIB Bank. Eu trabalho como vendedor externo de uma empresa de frios. Nunca estive no estado de São Paulo, nunca assinei nenhuma ata, nunca participei de nenhuma reunião, nenhuma assembleia. Falsificaram minhas assinaturas.”

 

Essa situação já seria grave se fosse um caso isolado, mas não o é. Segundo pesquisa feita pela empresa de segurança digital Kaspersky, o Brasil se consolidou como o "epicentro" do mundo em tentativas de roubo de dados pessoais ou financeiros pela internet. Temos uma verdadeira indústria de crimes virtuais usando dados alheios sem qualquer consentimento e estamos muito longe de sequer indicar qualquer solução para isso.

 

Quando tratamos da criação de empresas falsas, numa analogia futebolística, às vezes até parece que a nossa burocracia estatal joga a favor dessas irregularidades, porque ela permite com uma imensa facilidade que o malfeitor pratique o crime, se utilizando de dados alheios sem consentimento da vítima, mas não permite que a vítima faça o mínimo para se resguardar das ações criminosas. Como por exemplo, suspender imediatamente a empresa e posteriormente após devida comprovação de fraude, anular o ato de sua constituição, que é o que me soa minimamente razoável. Não existe um único mecanismo na Receita Federal para anular a criação de empresas fraudulentas, mesmo que um dos supostos "sócios" assim o queira. E como eu tenho tanta convicção disso?

 

Eu passei exatamente por essa mesma situação, com um adendo que não se limitaram a usar meus dados para criação de uma empresa falsa, mas também para tentar adquirir créditos e financiamentos em vários Estados. Em algumas ocasiões, em mais de um Estado no mesmo dia.

 

Mesmo informando e protocolando denúncias na polícia, Ministério Público, Ministério da Fazenda, e na própria ouvidoria da Receita Federal, não existe nenhum mecanismo administrativo interno na Receita Federal para anular essas empresas falsas, então hoje, processar a Receita Federal é a única maneira de lidar com isso.

 

São coisas simples que poderiam ser feitas para limitar essas ações criminosas, que por mais que não sejam infalíveis, formam algumas camadas de proteção que se não inviabilizam, com certeza tornam a prática desses crimes muito mais difícil. Não é necessário um esforço legislativo (embora seja muito bem vindo), essas fraudes já são consideradas atos criminosos, precisamos sim de esforços e medidas administrativas da burocracia estatal.

 

Por exemplo, em Portugal, para você requisitar um Número de Identificação Fiscal, você até pode fazer pela internet o requerimento, mas para confirmar o cadastro você vai ter de receber uma carta no seu endereço cadastrado, com um código para você confirmar o agendamento num polo presencial. Ao comparecer nesse polo presencial, você vai assinar um documento, cadastrar sua digital, e tirar uma foto. Todo esse procedimento dura poucos minutos.

 

Não parece, mas com essas poucas etapas, você elimina a possibilidade de uma pessoa utilizar um endereço falso, você registrou inequivocadamente fotos, digitais e assinaturas para uma possível futura acareação em caso de utilização indevida de dados também, resguardando as vítimas de possíveis ações criminosas e garantindo a lisura e segurança jurídica dos atos administrativos provenientes do cadastro desse documento. São 4 barreiras de segurança, todas simples, críveis, e muito efetivas. E que já praticamos no Brasil para o cadastro de outros documentos, mas não para a abertura de alguns tipos de empresas no Brasil.

 

Eu fico imaginando o estrago que essas práticas supostamente ilícitas devem fazer na vida de pessoas como o Sr. Geraldo, que supostamente está tendo de arcar com um processo em outro Estado, no qual ele afirma nunca ter pisado. Ou quando isso acontece com pessoas idosas, pessoas simples, que jamais vão imaginar ou cogitar ter que processar a própria Receita Federal, por não existir um único mecanismo administrativo que seja capaz de simplesmente suspender essa atividade criminosa contínua, que é o ato de manter uma empresa falsa juridicamente ativa, para minimamente dirimir os danos causados por isso, que não são poucos, e não se encerram com a anulação dessas empresas.

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Sobre o autor
Pedro Gonsalves de Alcântara Formiga

Advogado. Mestrando em Direito na USP. Bacharel em Direito e Especialista em Direito Público pela PUC Minas.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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