Empresa não pode servir como escudo para calote a credor

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A empresa, não pode servir de escudo para o empresário praticar ilícitos civis e gerar prejuízos aos credores. A conta não deve ser repassada ao credor, pois o risco do negócio cabe ao empresário.

Infelizmente, podemos dizer que os últimos dois anos não foram os melhores para os empresários brasileiros, principalmente para os pequenos e médios, que se viram em diversos momentos impedidos de exercer suas atividades principais, mas obrigados a honrar com as obrigações que todas as empresas têm (trabalhistas e fiscais, por exemplo). Nesse cenário, muitas vezes, a conta acaba chegado para o consumidor, que contrata, paga e não recebe o produto ou serviço.

A classificação e diferenciação jurídica das personalidades (física e jurídica) permite, a alguns empresários maliciosos, usar de artifícios para, em caso de falência da empresa, deixar de pagar os seus credores, blindando o patrimônio do sócio. Porém, é importante para o credor e, principalmente, para o consumidor, o elo mais fraco dessa situação, saber que existem algumas exceções à regra.

Regra geral, para se atingir o patrimônio do sócio de uma empresa, é necessário primeiro utilizar do instituto da desconsideração da personalidade jurídica. Pelo Código Civil, a desconsideração da personalidade jurídica se opera nos seguintes termos:

Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso. (Redação dada pela Lei nº 13.874, de 2019)

§ 1º Para os fins do disposto neste artigo, desvio de finalidade é a utilização da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)

§ 2º Entende-se por confusão patrimonial a ausência de separação de fato entre os patrimônios, caracterizada por: (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)

I cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do administrador ou vice-versa; (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)

II transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações, exceto os de valor proporcionalmente insignificante; e (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)

III outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)

§ 3º O disposto no caput e nos §§ 1º e 2º deste artigo também se aplica à extensão das obrigações de sócios ou de administradores à pessoa jurídica. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)

§ 4º A mera existência de grupo econômico sem a presença dos requisitos de que trata o caput deste artigo não autoriza a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)

§ 5º Não constitui desvio de finalidade a mera expansão ou a alteração da finalidade original da atividade econômica específica da pessoa jurídica. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)

Existem, contudo, duas exceções à regra de instauração do procedimento de desconsideração da personalidade jurídica que são de suma importância para os consumidores. Uma, relacionada às MEI, outra para as relações devidamente caracterizadas como relação de consumo.

Em recente julgado do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, a 13ª Câmara Cível¹, através do voto do Desembargador Relator José de Carvalho Barbosa , destacou que a instauração de procedimento de desconsideração de personalidade jurídica é dispensável para expropriação de bens do sócio da MEI:

É que firma individual é forma de atuação de determinado profissional no mercado e não possui personalidade distinta de seu titular (CC/02, art. 966 e 967).

Veja-se:

Art. 966 Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços.

Parágrafo único Não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa.

Art. 967 É obrigatória a inscrição do empresário no Registro Público de Empresas Mercantis da respectiva sede, antes do início de sua atividade.

()

Portanto, em se tratando de empresário individual, a figura da empresa se confunde com a da pessoa física do empresário e seu patrimônio, de forma que é possível a penhora de bens do empresário para a satisfação do crédito buscado pelo agravante, independente da instauração de incidente de desconsideração da personalidade jurídica.

O entendimento aplicado pelo TJMG deve ser interpretado de forma extensiva, ou seja, ele se aplica para todo e qualquer tipo de credor.

A outra exceção, e talvez a de mais importante aplicabilidade, destina-se à relação de consumo:

Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.

()

§ 5° Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.

Todos nós conhecemos pessoas que ganharam ações contra empresas, mas quando foram receber aquilo que a justiça determinou não conseguem encontrar dinheiro ou outros bens penhoráveis. Essa frustração do consumidor pode ser resolvida se ele buscar a desconsideração da personalidade jurídica com base no §5º do art. 28 do Código de Defesa do Consumidor.

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A empresa não pode servir de escudo para o empresário praticar ilícitos civis e gerar prejuízos aos credores. Obviamente que a grande maioria dos empresários quebra não porque quer, mas por inúmeros outros fatores que vão desde inexperiência administrativa até mesmo a situações como a da pandemia. Contudo, a conta não deve ser repassada ao credor, pois o risco do negócio cabe ao empresário, principalmente quando se fala em relação de consumo, na qual é inquestionável a situação de vulnerabilidade do consumidor.


¹ Agravo de instrumento nº 1.0000.21.198920-7/0001

Sobre o autor
Vinícius Henrique de Almeida Costa

Formado pela Universidade Fumec de Belo Horizonte/MG, Pós Graduado em Direito de Família e Sucessões, especialista em Direito Imobiliário. Advogado e Sócio do escritório Costa e Tavares Advogados Associados. Atuante nas áreas de Direito do Consumidor, Direito Imobiliário, Direito de Família e Sucessões, Direito Condominial, Direito Civil.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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