Parecer técnico - Chamamento público – Credenciamento de laboratórios de análises clínicas – Inexigibilidade de licitação - Cadastramento permanente de novos interessados

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PARECER TÉCNICO

PROCESSO ADMINISTRATIVO Nº ..../2023 – CHAMAMENTO PÚBLICO Nº ..../2023 – CREDENCIAMENTO DE LABORATÓRIOS DE ANÁLISES CLÍNICAS – INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO - CADASTRAMENTO PERMANENTE DE NOVOS INTERESSADOS

I - INTRODUÇÃO

Trata-se de análise dos atos praticados nos autos do presente processado, levando-se em consideração o Parecer Jurídico de nº .../2023, que opinou pelo cancelamento do Credenciamento sub examine, sob o argumento de que a mantença do chamamento público aberto até o final do ano em curso “não assegura o direito de igualdade entre os participantes”.

Registra-se aqui que o chamamento público em destaque objetiva o credenciamento de laboratórios de análises clínicas através do procedimento de inexigibilidade de licitação, conforme veremos adiante.

II – CREDENCIAMENTO - INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO

Antes de entrarmos no mérito da questão da contração direta pela Administração Pública, através da inexigibilidade do procedimento licitatório, cumpre-nos observar alguns conceitos imprescindíveis à nossa análise.

Ab initio, necessário esclarecer o significado do vocábulo “licitação”, originário do latim – licitatio –, que quer dizer venda por lances.

O instituto da licitação, que antes da Reforma Administrativa de 1967, era denominado de concorrência pública, veio sofrendo uma constante evolução no tempo, até adquirir o status de Estatuto, hoje representado pela Lei Federal n° 8.666, de 21 de junho de 1993 e posteriores modificações.

De acordo com o entendimento do saudoso Hely Lopes Meirelles, in Direito Administrativo Brasileiro, 29 ed., Malheiros, p.26, licitação “é o procedimento administrativo mediante o qual a Administração Pública seleciona a proposta mais vantajosa para o contrato de seu interesse”.

Na precisa definição do ilustre Celso Antônio Bandeira de Mello, in Curso de Direito Administrativo, 17 ed., Malheiros, p. 485:

... é o procedimento administrativo pelo qual uma pessoa governamental, pretendendo alienar, adquirir ou locar bens, realizar obras e serviços, outorgar concessões, permissões de obra, serviço ou de uso exclusivo de bem público, segundo condições por ela estipuladas previamente, convoca interessados na apresentação de propostas, a fim de selecionar a que se revele mais conveniente em função de parâmetros antecipadamente estabelecidos e divulgados.

Diante destas considerações, preferimos conceituar o instituto da licitação como o procedimento administrativo adotado pela Administração Pública, que se traduz em uma série de atos que obedecem a uma sequência determinada pela lei, com o objetivo de selecionar a proposta mais vantajosa para o contrato de seu interesse, de acordo com as condições preestabelecidas no instrumento convocatório e seguindo os princípios basilares do Direito Administrativo, encontrando-se disposto no inciso XXI, do art. 37 da Constituição da República Federativa do Brasil (CR/88), in verbis:

Art. 37. A Administração Pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

XXI – ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações. (grifamos).

Observe, entretanto, que o próprio constituinte, no início do dispositivo supracitado, deixou certa margem de liberalidade para que o legislador infraconstitucional estabelecesse os casos em que a Administração Pública pudesse contratar sem licitação.

Corroborando com a máxima de que “toda regra tem a sua exceção”, a Lei Federal n° 8.666/93, que veio regulamentar o art. 37, inciso XXI, da CR/88, instituindo normas de licitação e contratos administrativos, estabeleceu as hipóteses em que a licitação poderá ser dispensada ou inexigível, permitindo como ressalva ao dever geral de licitar, a contratação direta de bens e serviços por parte da Administração Pública, conforme disposições dos seus artigos 17, 24 e 25.

De acordo com o entendimento do ilustre Marçal Justem Filho, in Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 8ª ed. Dialética, p. 228.

A supremacia do interesse público fundamenta a exigência, como regra geral, de licitação prévia para contratações da Administração Pública. No entanto, existem hipóteses em que a licitação formal seria impossível ou frustraria a própria consecução dos interesses públicos. O procedimento licitatório normal conduziria ao sacrifício do interesse público e não asseguraria a contratação mais vantajosa. Por isso, autoriza-se a Administração a adotar um outro procedimento, em que formalidades são suprimidas ou substituídas por outras.

Assim, inobstante ao fato de o procedimento licitatório caracterizar-se por ser a regra, o Estatuto das Licitações indica as hipóteses, ora taxativas, ora exemplificativas, em que o Poder Público poderá contratar diretamente, através das previsões estabelecidas em seus artigos 17 (licitação dispensada), 24 (licitação dispensável) e 25 (licitação inexigível).

Outrossim, necessário se faz neste momento, seguindo os ensinamentos de Sérgio Ferraz e Lúcia Valle Figueiredo, in Dispensa e Inexigibilidade de Licitação. 3ª ed. Malheiros, p. 36-37, verificar a distinção existente entre dispensabilidade, inexigibilidade e dispensa de licitação, senão vejamos:

a) na dispensabilidade (licitação dispensável), a licitação é em princípio devida. Mas, o administrador, avaliando os princípios constitucionais vetoriais do instituto (moralidade e igualdade), em contraposição a certas circunstâncias em que a lei permite seu afastamento (por isso que entram em jogo outros princípios, conectados ao interesse público, a merecerem prioridade), pode decidir justificada e motivadamente (artigo 26) pela contratação direta;

b) na inexigibilidade, a licitação em princípio não pode ser realizada, eis que a própria lei elevou certas circunstâncias à categoria de presunções consistentes em hipóteses nas quais se considera a priori, que a contratação é a via mais adequada à realização do interesse público; mas circunstâncias ditadas pelo interesse público, suficientemente robustas para o afastamento da presunção relativa acima posta em realce, poderão vir a ensejar, ainda aqui, a licitação.

c) na dispensa em sentido estrito (licitação dispensada), a licitação foi afastada pelo próprio legislador, com identificação taxativa de seus pressupostos fáticos: assim, ocorrentes que sejam eles, como tais declarados pelo administrador, está dispensado o procedimento do art. 26; mas, se tal como se dá na hipótese de dispensabilidade (licitação dispensável), ainda aqui poderá, em caso concreto, o interesse público decretar a instauração da licitação.

No que diz respeito a inexigibilidade do procedimento licitatório, o Estatuto das Licitações estabelece em seu art. 25 um rol meramente exemplificativo de situações em que a Administração Pública poderá contratar diretamente, bastando, para que se configure tal mecanismo, que haja inviabilidade de competição, verificada no caso concreto, elemento fundamental do instituto em análise.

Vejamos o que estabelece o art. 25 da Lei Federal n° 8.666/93, in verbis:

Art. 25. É inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição, em especial:

I – para aquisição de materiais, equipamentos, ou gêneros que só possam ser fornecidos por produtor, empresa ou representante comercial exclusivo, vedada a preferência de marca, devendo a comprovação de exclusividade ser feita através de atestado fornecido pelo órgão de registro do comércio do local em que se realizaria a licitação ou a obra ou o serviço, pelo Sindicato, Federação ou Confederação Patronal, ou, ainda, pelas entidades equivalentes;

II – para a contratação de serviços técnicos enumerados no art. 13 desta Lei, de natureza singular, com profissionais ou empresas de notória especialização, vedada a inexigibilidade para serviços de publicidade e divulgação;

III – para contratação de profissional de qualquer setor artístico, diretamente ou através de empresário exclusivo, desde que consagrado pela crítica especializada ou pela opinião pública.

§ 1°. Considera-se de notória especialização o profissional ou empresa cujo conceito no campo de sua especialidade, decorrente de desempenho anterior, estudos, experiências, publicações, organização, aparelhamento, equipe técnica, ou de outros requisitos relacionados com suas atividades, permita inferir que o seu trabalho é essencial e indiscutivelmente o mais adequado à plena satisfação do objeto do contrato.

§ 2°. Na hipótese deste artigo e em qualquer dos casos de dispensa, se comprovado superfaturamento, respondem solidariamente pelo dano causado à Fazenda Pública o fornecedor ou o prestador de serviços e o agente público responsável, sem prejuízo de outras sanções legais cabíveis.

Assim, configura-se a inexigibilidade do procedimento licitatório todas as vezes que a competição for inviável ou exista apenas um fornecedor ou prestador de serviço capaz de satisfazer os anseios da Administração Pública.

Observe que o legislador infraconstitucional, utilizando-se da expressão “em especial”, no caput do art. 25, admitiu ser impossível definir todas as hipóteses em que a competição seria inviável, tornando-se necessário para a caracterização da inexigibilidade, apenas examinar se há inviabilidade de competição no caso concreto, não sendo preciso o enquadramento da situação em um dos incisos do artigo em comento.

Nesta linha de raciocínio, Marçal Justen Filho, através de sua obra Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, 2009. pg 367, após citar exemplos sobre as hipóteses de inexigibilidade trazidas pela Lei Federal nº 8666/93, nos ensina que:

...todas essas abordagens são meramente exemplificativas, eis que extraídas do exame das diversas hipóteses contidas nos incisos do art. 25, sendo imperioso reconhecer que nelas não se esgotam as possibilidades de configuração dos pressupostos da contratação direta por inexigibilidade.

Até pouco tempo tinha-se a ideia de que a “inviabilidade de competição” configurava-se apenas quando o objeto ou serviço pretendido só pudesse ser fornecido ou prestado por pessoa única, ou seja, quando apenas um determinado fornecedor, tido como exclusivo, pudesse satisfazer os interesses da Administração. Obviamente tal conclusão não é equivocada, pois é o que expressamente dispõe o inciso I do art. 25 da Lei Federal nº 8666/93. Entretanto, sugerir que essa é a única interpretação do dispositivo em análise é uma tese ultrapassada.

A interpretação da expressão “inviabilidade de competição”, conforme suscitado, deve ser mais ampla do que a mera ideia de fornecedor exclusivo. Neste contexto, pode-se dizer que a inviabilidade de competição, além da contratação de fornecedor único prevista no inciso I, e, obviamente, além dos casos inseridos nos incisos II e III, pode se dar por contratação de todos, ou seja, nesta hipótese, a inviabilidade de competição não está presente porque existe apenas um fornecedor, mas sim, porque existem vários prestadores do serviço e todos serão contratados.

Nesta esteira vejamos os ensinamentos de Jorge Ulisses Jacoby, in Coleção de Direito Público, 2008. Pg 538:

Se a Administração convoca todos os profissionais de determinado setor, dispondo-se a contratar os que tiverem interesse e que satisfaçam os requisitos estabelecidos, ela própria fixando o valor que se dispõe a pagar, os possíveis licitantes não competirão, no estrito sentido da palavra, inviabilizando a competição, uma vez que a todos foi assegurada à contratação.

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Parece claro que, se a Administração convoca profissionais ou empresas dispondo-se a contratar todos os interessados que preencham os requisitos por ela exigidos, e por um preço previamente definido no procedimento administrativo competente, também estamos diante de um caso de inexigibilidade, pois, de igual forma, não haverá competição entre os interessados.

Assim sendo, temos que a contratação almejada através do presente processado, qual seja, a prestação de serviços de análises clínicas, de acordo com a Tabela de Procedimentos do SUS, enquadra-se no próprio caput do art. 25 da Lei Federal nº 8.666/93 pela inviabilidade de competição.

E é por estas razões expostas acima que o credenciamento deverá manter-se aberto, permitindo que, a qualquer momento, novos interessados se habilitem (condicionado ao atendimento das exigências regulamentares), atendendo assim a razão autorizadora de sua instituição, qual seja, obter o maior número de prestadores, sem que um exclua a atuação do outro, de modo a satisfazer plenamente o interesse público envolvido.

Outro não é o entendimento do Tribunal de Contas da União – TCU, senão vejamos:

Decisão 656/1995 do TCU – sobre a legalidade do credenciamento, tendo-se posicionado positivamente, com fundamento no artigo 25 da Lei 8.666/93 e desde que respeitados os princípios da administração pública e os seguintes requisitos: 1- Ampla divulgação, inclusive por meio “de convites a interessados do ramo que gozem de boa reputação profissional; 2 - fixar os critérios e exigências mínimas para que os interessados possam credenciar-se, de modo que os profissionais, clínicas e laboratórios que vierem a ser credenciados tenham, de fato, condições de prestar um bom atendimento, sem que isso signifique restrição indevida ao credenciamento; 3 - fixar, de forma criteriosa, a tabela de preços que remunerará os diversos itens de serviços médicos e laboratoriais e os critérios de reajustamento, bem assim as condições e prazos para o pagamento dos serviços faturados; 4 - consignar vedação expressa do pagamento de qualquer sobretaxa em relação à tabela adotada, ou do cometimento a terceiros (associação de servidores, p. ex.) da atribuição de proceder ao credenciamento e/ou intermediação do pagamento dos serviços prestados; 5 - estabelecer as hipóteses de descredenciamento, de forma que os credenciados que não estejam cumprindo as regras e condições fixadas para o atendimento, sejam imediatamente excluídos do rol de credenciados; 6 - permitir o credenciamento, a qualquer tempo, de qualquer interessado, pessoa física ou jurídica, que preencha as condições mínimas exigidas; 7 - prever a possibilidade de denúncia do ajuste, a qualquer tempo, pelo credenciado, bastando notificar a Administração, com a antecedência fixada no termo; 8 - possibilitar que os usuários denunciem qualquer irregularidade verificada na prestação dos serviços e/ou no faturamento; e 9 - fixar as regras que devam ser observadas pelos credenciados no atendimento (como p. ex. proibição de que o credenciado exija que o usuário assine fatura ou guia de atendimento em branco).” (Grifamos)

Assim sendo, com todo o respeito e admiração pelo trabalho desenvolvido pela Procuradoria, não há que se falar em desrespeito ao “direito de igualdade entre os participantes”, uma vez que, como foi amplamente demonstrado acima, no credenciamento todos os interessados em contratar com a Administração Pública são efetivamente contratados, sem que haja relação de exclusão. Como todos os interessados são contratados, não há que se competir por nada, forçando-se reconhecer, por dedução, a inviabilidade de competição e a inexigibilidade de licitação pública.

III – DA CONCLUSÃO

Desta feita, diante de todo exposto e: Considerando que o edital de chamamento público em questão foi analisado pela Procuradoria Jurídica Municipal, nos moldes estabelecidos pelo parágrafo único do art. 38 da Lei Federal nº 8.666/93; Considerando que o aviso do chamamento público foi publicado no Diário Oficial competente; Considerando que foram fixados critérios e exigências mínimas para que os interessados possam se credenciar; Considerando que foi fixada a Tabela de Procedimentos do SUS para remuneração dos serviços laboratoriais; Considerando que todos os laboratórios em atividade neste Município se credenciaram para prestar os serviços almejados; Considerando que o chamamento público permanece aberto para credenciamento de novos interessados; Considerando a ausência de quaisquer cláusulas ou condições que possam tipificar direcionamento, preferência ou discriminação, esta Comissão de Licitação opina pelo prosseguimento do Chamamento Público ora analisado em respeito aos princípios básicos que regem a atuação da Administração Pública, mormente os princípios da razoabilidade, eficiência e economicidade.

S.M.J., é o Parecer.

........-UF, ... de ........ de 2023.

Sobre o autor
Guilherme Flaminio da Maia Targueta

Pós-graduado em Direito Público pela FDV, Pós-graduado em Licitações e Contratos sob o Viés da Lei 14.133/2021 pela Faculdade Pólis Civitas, Consultor Técnico e Jurídico na área de Licitações e Contratos tanto para órgãos públicos quanto para empresas privadas

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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