O consulente é representante de empresa concessionária de serviços públicos de fornecimento de energia elétrica e submete as seguintes questões, a saber: A empresa X. S.A. da Cidade Y. A empresa é atualmente conhecida LUXLUZ S.A. que é concessionária de prestação de serviços públicos, de distribuição de energia elétrica. A área de concessão abrange setenta e seis municípios da região brasileira.
A referida empresa concessionária, atualmente, encontra graves problemas de perdas de energia elétrica, entre os quais as perdas técnicas1 e comerciais que são resultantes de furtos e fraudes cometidas or alguns clientes e usuários dos serviços de distribuição de energia elétrica.
Recentes levantamentos (de 2020) contabilizam que as perdas atingem o patamar de 32,9% do total de energia comercializada pela referida empresa concessionária (no período dos últimos doze meses) acarretando-lhe grande perda2 anual de faturamento na ordem de 550(quinhentos e cinquenta) milhões de reais.
Entre as medidas adotadas pela empresa concessionária visando o combate de tais perdas comerciais cometidas, encontra-se a instalação de medidores eletrônicos de energia elétrica, cuja aferição de consumo permaneceria individualizada por cada cliente, mas o equipamento fixado não mais se situaria no interior das unidades consumidores e, sim, somente no alto dos postes da rede de distribuição de energia elétrica.
Porém, ratifica que "todas as distribuidoras de energia do país têm livre acesso aos medidores, que são propriedade da empresa, para qualquer inspeção, a qualquer momento, conforme resolução da Aneel".
O cliente não teria mais acesso físico e visual direto com o referido medidor, para fins de verificação de consumo, sendo que os dados de seu referido consumo lhe seriam transmitidos e fornecidos regulamente por meio de envio de mensagens SMS(Short Message Short – Serviços de Mensagens Curtas) para celulares de clientes cadastrados e a periodicidade desejada pelo cliente, por meio de contrato com o call center da empresa concessionária (através de chamadas gratuitas 0800).
A consulta da empresa concessionária visa saber se a adoção desse novo método de medição fixado no alto e externamente nos postes sem a possibilidade de acesso pelo consumidor estaria em consonância com as disposições legais brasileiras, notadamente, a legislação consumerista vigente.
Informou, ainda, a consulente que submeterá à ANEEL3 – Agência Reguladora de Energia Elétrica - seu pedido de alteração de certas regras, por estas editadas conforma a Lei 9.427/1996 que revelam serem incompatíveis com a pretendida instalação externa dos medidores de consumo.
O CDC não ode ser encarado com sendo passaporte concedido ao destinatário final de bens, produtos e serviços para que adote qualquer tipo de conduta. O CDC como diploma legal brasileiro, não pode justificar ou facilitar a prática de atos ilícitos ou abusivos por parte dos consumidores.
O CDC assenta-se em princípios expressos, como o da harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor brasileiro com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (artigo 170 da CFRB/1988), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre os consumidores e os fornecedores (artigo 4º, III do CDC).
Não visa o CDC construir a ditadura do consumidor, mas sem harmonizar interesses e promover equilíbrio nas relações de consumo4.
A política normativa traçada pelo atual CDC apesar de ser inspirada na reconhecida necessidade de tutelar a parte mais vulnerável nas relações contratuais de massa e, não se restringe a essa tutela, pois seus propósitos são bem mais amplos e ainda compreendem, na verdade, uma política nacional de relações de consumo.
Tal política é afinada com os ditames da ordem econômica definida na Carta Magna brasileira de 1988, alcunhada de Constituição Cidadã. Ao interpretar o CDC não se pode olvidar de enfocá-lo em todas as suas dimensões, não pode ser mera declaração paternalista em prol de contratantes incapazes de autogerirem seus próprios negócios.
Afinal, não se pode alegar o desconhecimento da lei. "Desconhecimento da lei (ignorantia legis): Dispõe o art. 21, caput, 1ª parte, do CP: 'O desconhecimento da lei é inescusável'.
Em igual sentido, estabelece o art. 3º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Decreto-lei 4.657, de 4 de setembro de 1942): 'Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece'. Em princípio, o desconhecimento da lei é irrelevante no Direito Penal. Com efeito, para possibilitar a convivência de todos em sociedade, com obediência ao ordenamento jurídico, impõe-se uma ficção: a presunção legal absoluta acerca do conhecimento da lei. Considera-se ser a lei de conhecimento geral com a sua publicação no Diário Oficial. Mas a ciência da existência da lei é diferente do conhecimento do seu conteúdo.
Aquela se obtém com a publicação da norma escrita; este, inerente ao conteúdo lícito ou ilícito da lei, somente se adquire com a vida em sociedade. E é justamente nesse ponto que entra em cena o instituto do erro de proibição. Há duas situações diversas: desconhecimento da lei (inaceitável) e desconhecimento do caráter ilícito do fato, capaz de afastar a culpabilidade, isentando o agente de pena. (...).
Embora estabeleça o art. 21, caput, do CP, ser inescusável o desconhecimento da lei, o elevado número de complexas normas que compõem o sistema jurídico permite a sua eficácia em duas hipóteses no campo penal: a) atenuante genérica, seja escusável ou inescusável o desconhecimento da lei (art. 65, II, do CP); e b) autoriza o perdão judicial nas contravenções penais, desde que escusável (art. 8º da Lei das Contravenções Penais. Decreto-lei 3.688/1941)." (MASSON, Cleber. Código Penal Comentado. 5ª. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2017. p. 162).
Do escorreito uso e aplicação do DC depende o desenvolvimento econômico e social que permeiam todas as relações de mercado e de cujo êxito pressupõe-se o progresso como um todo.
A Medida Provisória 881/2019 conhecida como "Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, consolidou texto mais abrangente e foi modificadora de dispositivos do Código Civil, com extensão dispositiva que alterou parcialmente o artigo 39 do CDC, tornando lícita a venda casada5. E, ainda versa sobre a validade de contratação eletrônica a partir de identificação do consumidor e publicidade.
A MP 881/196 tratou os agentes econômicos de produção de forma genérica, sem quaisquer mesuras, excepcionalidades e diferenciações, proporcionando verdadeiras ignomínias, ao ponto de conglomerados econômicos tornaram-se vulneráveis e nitidamente "empoderados", com séria inversão da metodologia dos direitos humanos.
O artigo 170 da Constituição Federal vigente que é arrimo da MP 881/2019, enquanto norma-matriz da legalidade constitucional, estabelece outros princípios estruturantes e funcionais da ordem econômica para além da livre-iniciativa (entre eles trabalho humano, existência digna, função social da propriedade, defesa do consumidor e meio ambiente). Por conseguinte, resta óbvio ser impossível fixar regras abstratas de intervenção excepcional ou mínima, baseada em único princípio, enquanto demais diretrizes fluem do mesmo quadro-constitucional.
A extensa modificação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica merece preocupação. O levantamento do véu associativo tem clara e especial ligação com a responsabilidade civil (contratual e extracontratual), propiciando acesso à indenizabilidade ou evitabilidade (prevenção e precaução) de danos nesta quadra de direitos fundamentais. Desnecessário frisar que a massificação é fenômeno geral (contratos, empresas, produtos, serviços etc.), especialmente quanto aos danos. Os episódios de Mariana, de Brumadinho e da boate Kiss e tantos outros nos indicam a constante ausência do dever de solidariedade e de incolumidade com o alter no dia a dia.
Igualmente a função social do contrato foi esquecida. Tenha-se que a liberdade contratual (distribuição de direitos e obrigações entre as partes), e não a liberdade de contratar (que já é existente em sede de livre-iniciativa), pode ser limitada pela função social, como princípio de ordem pública no Direito Privado (CC, artigo 2.035, parágrafo único), caracterizada pela natureza liberal e pela imposição normativa justamente a legitimar o tráfego jurídico.
A MP 881/2019 desconhece tal instituto, inclusive nos desdobramentos: i) o solidarismo contratual; ii) a evitabilidade de efeitos negativos à terceiros determinados; iii) a oponibilidade do contrato contra agressão de terceiros; iv) a prevenção de efeitos reflexos e sociais do contrato.
Na consolidação da medida provisória7, a função social do contrato restou limitada em intervenção mínima (sem se explicar as hipóteses de intervenção máxima ou intervenção média), restringindo-se a revisão contratual (excelente figura para a continuidade do contrato ante eventuais patologias) e ainda resvalando no CDC, porquanto aceitou o afastamento da "liberdade de escolha do consumidor", favorecendo os empresários na prática de venda casada. Noutras palavras: a MP 881/19 liberta o fornecedor8 e escraviza o consumidor.
Por derradeiro, a publicidade tornou-se vedada apenas nas hipóteses do parágrafo 4º do artigo 220 da CFRB/1988, o que facilita ampla persuasão dos hipervulneráveis, especialmente crianças. Infelizmente, flagrante retrocesso.
A Lei da Liberdade Econômica? A Lei 13.874/19, trata da proteção à livre iniciativa e ao livre exercício de atividades econômicas. Por meio dela, fica instituída a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, além de uma série de garantias para o livre mercado.
A Lei 8.078/1990 em seu artigo 4º como em outros dispositivos legais, recorre à noção de boa-fé objetiva sendo entendida como sinônimo de correção ou lealdade, como na Itália, Francesco Galgano, Diritto civile e commerciale e, entre os doutrinadores brasileiros, já se escreveu que a boa-fé objetiva corresponde a uma regra conduta fundada na honestidade, na retidão e na lealdade (Judith Martins-Costa).
Sendo vinculado à harmonia das relações de consumo e de equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores parece não haver dúvida de que os deveres que diretamente se relacionam com semelhante princípio são exigíveis indistintamente tanto de fornecedores quanto de consumidores.
Propicia a coibição e repressão eficientes de todos os abusos praticados no mercado de consumido (artigo 4 º, inciso VI).
O diploma legal aponta somente os abusos cometidos contra os consumidores, mas busca-se o equilíbrio entre as relações entre fornecedores, prestadores e consumidores.
Também há como um dos princípios da Política Nacional das Relações de Consumo, o da educação e o da informação de fornecedores e consumidores, quanto aos seus direitos e deveres com vistas obter a melhoria do mercado de consumo e da economia em geral.
De sorte que a conscientização do consumidor sobre a existência e extensão de seus deveres que são identificados pela legislação vigente.
Sobre o princípios da Política Nacional de Relações de Consumo cumpre destacar o teor do voto do Ministro Humberto Gomes de Barros, do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no acórdão proferido pela primeira seção da Corte, no julgamento9 do REsp 363 943/MG quando teceu considerações acerca da admissibilidade do corte de energia elétrica em situações de mora do consumidor ou de fraude por ele perpetrada: “(...) após meditar, com olhos no dispositivo da Lei 8.987/1995, percebi que o corte, por efeito de mora além, de não maltratar o Código de Defesa do Consumidor é permitido. Conclui-se que após receber um pedido de medida cautelar, formulado por um pequeno município do Estado do Rio de Janeiro, no propósito de proibir a empresa de eletricidade local, de cortar o fornecimento da energia elétrica a qualquer residência localizada no território do Município, cujo morador deixasse de pagar a conta de luz. A teor da petição, o corte, em tal circunstância, traduziria atentado à dignidade humana. Neguei a liminar, com o argumento de que a proibição acarretaria aquilo a que se denomina efeito dominó.
Com efeito, ao saber que o vizinho está recebendo de graça, o cidadão tenderá a trazer para si o tentador benefício. Em pouco tempo, ninguém mais honrará a conta de luz” (Íntegra do voto acessível no site www.stj.jus.br).
O CDC não visa somente preservar os direitos do consumidor resguardando os dos conhecidos abusos verificados no mercado de consumo, ao fornecedor também preservados foram em grau adequado, os direitos contra as pretensões excessivas do consumidor, a fim de que o pretendido equilíbrio não deixe de ser devidamente preservado.
A relação jurídica que se estabelece entre a empresa consulente e os consumidores-usuários de seus serviços que se qualifica como de consumo, não somente à luz das definições legais de consumidor, fornecedor e prestador de serviços ex vi o CDC em seus artigos 2 e 3 seu § 2º, mas também pelos artigos 4, VII e 22 do mesmo diploma legal.
E, ainda, a Lei 9.427/1996, em seu artigo 3, V que confere igualmente aos destinatários dos serviços prestados a denominação de consumidores. Informa a empresa consulente que sofre reiterados furtos e fraudes de energia cometidas por alguns clientes e usuários.
O furto de energia elétrica encontra-se devidamente tipificado no Código Penal brasileiro no artigo 155, §3º, sendo tal ilícito contrário à harmonização de interesses dos participantes das relações de consumo e da boa-fé e equilíbrio contratual.
Não existe dúvida de que a energia elétrica poderá ser objeto material de crime de furto na forma retromencionada, uma vez que equiparada à coisa móvel. E, por ter evidente valor econômico, além de ser um bem penalmente tutelado. Versa da lição de Mário Hoeppner Dutra, in litteris:
"... toda e qualquer energia física, capaz de ser aproveitada ou utilizada pelo homem como bem econômica apreciável, é coisa penalmente protegida, porque, frente ao rendimento econômico por ela produzido, não se pode encará-la como abstração espiritual ou filosófica, quando se trata de um fluído, mas, como a materialidade de uma força natural, com o apreço que lhe emprestam os cientistas".
A energia é tida como bem móvel, segundo o Código Civil (art. 83, I), assim, pode ser objeto do delito de furto, pois o § 3º do art. 155 do CP, estipula que “equipara-se à coisa móvel a energia elétrica ou qualquer outra que tenha valor econômico” e também pode ser objeto de delito de estelionato (art. 171 do CP).
Existe uma proximidade entre os dois delitos quando estamos diante do furto mediante fraude (figura qualificada prevista no art. 155, § 4º, II) e o estelionato (art. 171 do CP), que tem na fraude, sua elementar.
Para diferenciar os delitos, todavia, os tribunais e a doutrina imprimiram as seguintes distinções: no furto qualificado mediante fraude, o agente subtrai a coisa com discordância expressa ou presumida da vítima, sendo a fraude utilizada como meio para retirar a coisa da esfera de vigilância da vítima. Subtrai-se a coisa sem a participação ativa alguma da vítima10. No estelionato, por sua vez, o autor obtém o bem através de transferência empreendida pelo próprio ofendido por ter sido induzido em erro. A própria vítima entrega a coisa – ver nessa linha: AgRg no REsp 1279802/SP, DJe 15/05/2012; AREsp 1418119/DF, DJe 13/05/2019.
Esse é o ponto central e diferenciador dos crimes: no furto mediante fraude a coisa é retirada da vítima sem a sua anuência. No estelionato, ao seu turno, a própria vítima induzida pela fraude entrega o bem. É a atuação de vítima que distingue os delitos.
A concessionária deverá informar ao consumidor a possibilidade de solicitação da perícia metrológica junto ao Inmetro ou ao órgão metrológico delegado, bem como os prazos e os custos para realização da mesma, destacando a responsabilização do consumidor por esses custos em caso de comprovação da irregularidade.
No caso de ausência de interesse do consumidor na perícia metrológica, ficaria a critério da concessionária o requerimento e apresentação de tal perícia.
Certamente, desnecessária a perícia metrológica, quando a concessionária de distribuição de energia elétrica consegue caracterizar a ocorrência da irregularidade, através de um conjunto de outras evidências elencadas nos demais procedimentos previstos no Art. 590 da Resolução Normativa da Aneel 1.000, tais como fotos, vídeos, histórico de consumo etc.
Estudo realizado pela empresa Light, com ampla divulgação nos veículos de comunicação, aponta níveis de perda de energia elétrica em 80% do total do serviço fornecido em algumas comunidades, com prejuízo estimado de R$ 600 milhões, segundo a empresa, cometidos somente na sua área de concessão11.
É óbvio que os crimes dolosos como o furto de energia e a boa-fé objetiva são conceitos antinômicos conforme enfatizou o STJ o MS 8915/MA: “é condenável o ato praticado pelo usuário que desvia energia elétrica, sujeitando-se até responder penalmente”.
Convém destacar que os princípios da Política Nacional de Relações de Consumo12 que têm mais de uma função como a de orientar o intérprete, quando diante de norma ambígua a fim de eleger a norma que melhor realize, no caso concreto, um ou mais princípios que sirvam de instrumento de integração de lacunas eventualmente detectadas na proteção do consumidor.
É fácil entender que a ANEEL ao exercer a competência atribuída pela Lei 9.427/1996, e com isso, regular a comercialização de energia elétrica forçosamente terá que considerar e respeitar os princípios do CDC, pautando-se pela harmonização de boa-fé e equilíbrio entre consumidores e fornecedores.
O artigo 4º da Resolução da ANEEL 258 de 06 de junho de 2003 estabelece que o local de instalação de equipamento de medição deve permitir ao consumidor que possa verificar de forma nítida a respectiva leitura do medidor.
O que visa proporcionar o exercício do direito à informação que é princípio da Política Nacional das Relações de Consumo e também sendo um direito básico do consumidor (artigo 6º, III do CDC);
Portanto, a visibilidade da medição de consumo pode possibilitar ao consumidor controlar o próprio consumo e, também aferir o valor a ser cobrado, mensalmente, pela concessionária prestadora daquele serviço.
A dúvida da empresa consulente é se ocorreu eventual revogação do artigo 4º13 da Resolução14 da ANEEL 258/2003 pois, a instalação do medidor de consumo se faz em lugar inacessível ao consumidor.
Com razão, o doutrinador Bruno Miragem explica que a atividade regulatória não se restringe apenas à defesa do consumidor, pois visa o atendimento do interesse coletivo.
Não é considerada quebra na continuidade do serviço e não viola a garantia de continuidade na sua prestação contida no CDC a sua interrupção emergencial ou após prévio aviso, motivada elo inadimplemento do usuário ou por fraude no relógio medidor.
A Light viola a lei quando colocou relógios de luz na fachada de imóveis tombados. Comerciantes da Rua da Carioca e suas adjacências, no Centro do Rio de Janeiro, passaram, no início do ano, por uma série de arbitrariedades perpetradas pelos funcionários da concessionária Light S/A.
Imóveis centenários e, por vezes, bicentenários – muitos tombados ou preservados pelo Instituto Rio Patrimônio da Humanidade (IRPH), pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) e pelo Instituto Estadual do Patrimônio Cultural (INEPAC) – foram comunicados que a empresa faria “modificações no fornecimento de energia.” Só que estas modificações são ilegais.
De acordo com a Resolução Normativa nº 414/2010 da Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL, in litteris:
“Art. 82 – É vedada à distribuidora a instalação de medição externa em locais onde houver patrimônio histórico, cultural e artístico objeto de tombamento pelo Poder Público Federal, Estadual ou Municipal, definidos em lei específica, exceto quando houver autorização explícita dos respectivos órgãos”.
Reconhece-se, assim, a continuidade do serviço público assegurada no artigo 22 do CDC que não consigna o princípio absoluto e, sim, uma garantia limitada pela Lei 8.987/1995, admitindo-se a suspensão no seu fornecimento.
O CDC deve compatibilizar-se com a legislação superveniente de mesmo grau hierárquico, podendo abrir exceções ou mesmo restringir seu alcance, conforme o caso concreto.
Basta recordar, a exemplo, o princípio da inofensibilidade da publicidade expresso no artigo 37, §2º do CDC que já nasceu relativizado pela CFRB/1988.
Se, para o CDC considera como abusiva e, portanto, proibida, em caráter absoluto a publicidade capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde e segurança, e similar a proibição enquadrar-se a publicidade de produtos fumígeros (que induz ao comportamento nocivo à saúde).
Porém, a CFRB/1988 de artigo 220, §4º expressamente admite a propaganda comercial de tabaco, apenas sujeitando-a a advertência.
Também o direito à informação, o ordenamento jurídico pátrio tem relativizado como, por exemplo, a Lei 10.688/2003 que fixou normas para comercialização de soja15 da safra de 2003, admitindo presença de organismo geneticamente modificado seja para o consumo humano ou animal.
A informação na embalagem do produto transgênero, sendo apenas obrigatória a sua presença fosse superior a certo limite, não, porém, abaixo deste. A regra foi reprisada nas safras subsequentes pelas Lei 10.814/2003, a Lei 11.902/2005.
Na seara da indústria farmacêutica se percebe a necessidade de relativização referente a informação fornecida ao destinatário final dos produtos e serviços.
O CDC, em seu artigo 31, exige a apresentação dos produtos assegure informações corretas, claras, precisas, ostensivas e, entre outras características.
Ora, a correção e a precisão em medicina são dados contingentes de bom humor: “Frequentemente, se ouve dizer antigamente supunha-se que (...), mas agora nós sabemos que (...). De fato, hoje como ontem nós supomos saber (...).
E, pouco adiante, o mesmo doutrinador lembra que as últimas técnicas não são necessariamente as melhores e permanecem frequentemente de uma enfermidade assustadora.
Portanto, divulgar informações que realmente possam merecer, sem nenhuma controvérsia, a qualificação de “corretas” e “precisas”, num segmento industrial com tais características talvez seja humanamente impossível.
Quanto a clareza, é preciso tolerar aqui, ao revés, alguma dose de obscuridade, ao menos em relação ao consumidor leigo ( a maior parte da população brasileira), a quem inevitavelmente soarão incompreensíveis certas expressões técnicas, apesar de imprescindíveis, ao profissional de saúde que prescreveu o uso de medicamentos.
É fora de propósito a expressão ostensiva a exigir que todas as informações relevantes figurassem na própria embalagem, tanto que a ANVISA ao disciplinar a rotulagem de medicamentos conferiu ao fornecedor a opção de remeter o consumidor a bula, conforme prevê a Resolução RDC 333/2003 e a Resolução reeditada em 02.01.2017.
Na consulta, a fatura entregue ao consumidor que é nota fiscal discriminando todos os dados relevantes e indicando as datas quando realizadas as leituras do aparelho de medição de consumo, o número de dias corridos entre estas e, o resultado daquelas leituras (fator de multiplicação da diferença entre a leitura mais recente e a mais antiga), o consumo de energia elétrica no medido em KW e a correspondente média diária.
Assim, há manifesta transparência bem como traz o preço unitário do quilowatt fornecido, e, ipso facto, o valor total dos serviços prestados no período ali explicitado.
É o parecer que o documento como o demonstrativo de consumo já supre o consumidor de todas as informações que, se relacionam com a prestação de serviço.
De certo que as eventuais impugnações de consumidores aos dados nestes lançados resultariam para a concessionária, o ônus de provar sua correção, de acordo, com a regra geral sobre a matéria (cabe a quem alega ser titular de um crédito, fazer prova do fato de que ele se origina).
Entretanto, a Resolução 258, de 06 de julho de 2003 expedida pela ANEEL, se de um lado permite a instalação do aparelho de medição de consumo na área externa à unidade consumidora, por outro ordena que se possibilite ao consumidor verificar de forma nítida e clara, a respectiva leitura do medidor.
Parece que essa última exigência se mostra excessiva, desnecessária e até mesmo prejudicial à adequada e eficaz prestação de serviços público16 (CDC artigo 6º, X).
Porque a mera visualização do aparelho, por si só, não põe ao alcance do consumidor médio o conhecimento técnico necessário à compreensão de seu funcionamento e do preciso significado dos dados ali expostos.
A exigência indicada se mostra prejudicial à prestação de serviço público concedido, o que segundo o CDC deve realizar-se de modo adequado e eficaz. Por definição de serviço adequado há a previsão da Lei 8.987, de 13/02/1995, artigo 6, §§ 1º e 2º in litteris:
“é o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade as tarifas.”.
Sendo que a atualidade compreende a modernidade das técnicas, do equipamento e das instalações e a sua conservação, bem como a melhoria e expansão do serviço.
A expressão externa em lugar acessível ao consumidor aumenta, consideravelmente, o risco de sua indevida manipulação e da consequente fraude na medição do consumo efetivo.
O concessionário deveria assegurar a justa remuneração pelo serviço prestado. O prejuízo não é apenas da concessionária, mas toda a rede de consumidores aos quais ela preta o serviço concedido. A manutenção da norma do artigo 4º da Resolução 258/2003 acaba por conspirar contra a melhoria e expansão do serviço e milita contra a prestação adequada do serviço de energia elétrica.
A respeito desse busilis, o Superior Tribunal de Justiça na ementa de acórdão unânime da Segunda Turma prolatado no REsp 123444/SP afirmou: “Se a empresa deixa de ser devida e tempestivamente, ressarcida dos custos inerentes às suas atividades, não há como fazer com que os serviços permaneçam sendo prestados com o mesmo padrão de qualidade. Tal desequilíbrio, uma vez instaurado, vai refletir, diretamente, na impossibilidade prática de observância do princípio no artigo 22, caput do CDC”.
Além disso, se a exigência do artigo 4º da Resolução 258/2003 da ANEEL facilita a consumação de um crime, isso contraria frontalmente o princípio consumerista da coibição e repressão eficientes de todos os abusos praticados no mercado de consumo. (artigo 4º, VI do CDC).
Em tempo, repressão eficiente é aquela que promove a redução substancial de uma prática delituosa e se refere à eficiência enunciada pelo CDC.
A empresa consulente informou perdas comerciais significativas na ordem de trinta por cento da energia fornecida pela concessionária e que é disponibilizada no mercado.
A manutenção de medidores colocados em lugar acessível ao consumidor também facilita a danificação, ou mesmo, a destruição dos bens afetos à concessão de energia elétrica. E, tal fato onera muito a empresa consulente no desempenho legal, empresarial e contratual da prestação de serviços.
Segundo o princípio da boa-fé objetiva presente no artigo 421 do Código Civil brasileiro vigente que é aplicável tanto aos contratos entre particulares como aos contratos administrativos, as partes além das obrigações assumidas, têm o dever colaborar para adimplemento das obrigações alheias.
Na concessão de serviço de energia elétrica, o modelo da Lei 9.427/1996 é o de fazer ANEEL parte da concessão, tendo as incumbências prescritas nos artigos 29 e 30 da Lei 8.087/1005 e, a Lei 10.848/2004, em seu artigo 3 e o artigo 29, VI da Lei 8.987/1995.
A doutrina e jurisprudência pátrias são pacíficas no reconhecimento de que o princípio da boa-fé objetiva gera deveres acessórios entre os quais o de prestar colaboração para que o outro contratante possa cumprir suas obrigações e, ainda, a tingir os resultados práticos desejados pelos contratantes. Entre os doutrinadores consta a Professora Judith Martins-Costa.
A origem do princípio da boa-fé objetiva está em Roma, quando ocorria a exigência de assistência e colaboração entre o paterfamilias e as pessoas que se estabeleciam ao seu redor, as quais o acompanhavam à guerra e lhe deviam respeito. A fides romana tinha forte traço subjetivo e por assim permaneceu por longo tempo, perpassando a época de influência do direito canônico e chegando até mesmo à Revolução Francesa.
De acordo com Miguel Reale, a boa-fé objetiva consiste em: "na exigência de lealdade, modelo objetivo de conduta, arquétipo social pelo qual impõe o poder-dever de que cada pessoa ajuste a própria conduta a esse arquétipo obrando como obraria uma pessoa honesta, proba e leal. Tal conduta impõe ao agir no tráfico negocial, devendo-se ter e conta, como lembra Judith Martins-Costa, "a consideração para com os interesses do alter, visto como membro do conjunto social que é juridicamente tutelado". Desse ponto de vista, podemos afirmar que a boa-fé objetiva se qualifica como normativa de comportamento leal. A conduta, segundo a boa-fé objetiva, é assim entendida como noção sinônima de "honestidade pública".
A Professora Judith Martins-Costa realizou profícua sistematização do princípio da boa-fé objetiva, dividindo-se em três setores, a saber: o primeiro o de função de otimização do comportamento contratual; o segundo referente à função de reequilíbrio do contrato e, o terceiro correspondente à função de limite no exercício de direitos subjetivos.
De outro, pela utilização do princípio da boa-fé como cânone de interpretação e integração do contrato consoante à função econômico-social que concretamente é chamado a realizar.
A agência reguladora assume, portanto, a qualidade de parte na concessão, o que não exclui seus poderes para exercitar competências regulatórias em geral.
A questão deve também ser tratada na ótica do Direito Constitucional. É recorrente, entre os publicistas, a assertiva de que a liberdade de lucro constitui desdobramento necessário do princípio constitucional da livre iniciativa17.
Na concessão de serviços públicos é pacífico que as tarifas devam ser módicas, mas não podem deixar satisfazer a justa expectativa de todo aquele que desempenha a atividade econômica no regime capitalista, qual seja auferir lucros no fim do exercício.
Conclui-se que a tarifa deve, portanto, refletir o capital tecnológico e o lucro do concessionário. E, no contemporâneo cenário de atuação da concessionária consulente há um elemento perturbador do equilíbrio econômico-financeiro da concessão que é a perda de energia elétrica disponibilizada, ao mercado consumidor, decorrente das fraudes cuja remoção poderá ser feita de duas maneiras, a saber: a) pelo aumento das tarifas consoante a previsão contratual; b) pela autorização para que a empresa consulente adote as providências necessárias para a redução substancial de furto e fraude na distribuição de energia elétrica.
A supressão da norma do artigo 4º da Resolução 258/2003 atenderá também ao princípio constitucional da proporcionalidade habitualmente enxergado como decorrência do devido processo legal substantivo.
O princípio da proporcionalidade18 e da razoabilidade são princípios não escritos, cuja observância independe de explicitação em texto constitucional, porquanto pertencem à natureza e essência do Estado de Direito.
No âmbito administrativo, de acordo com Dirley da Cunha Júnior, a proporcionalidade é relevante princípio constitucional que limita a atuação e a discricionariedade dos poderes públicos e, em especial, veda que a Administração Pública aja com excesso ou valendo-se de atos inúteis, desvantajosos e desarrazoados.
Tratando-se de princípio de origem germânica, Grinover, Fernandes e Gomes Filho salientam e recordam que a proporcionalidade sempre se baseou na construção jurisprudencial da razoabilidade (reasonableness), tão significativa e importante nas manifestações da Suprema Corte Americana.
Talvez por conta desta proximidade, inúmeras são as oportunidades onde jurisprudência e doutrina utilizam os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade como sinônimos, sem tecer qualquer distinção.
A professora Maria Rosynete Oliveira Lima assevera que “razoabilidade e proporcionalidade podem até ser magnitudes diversas, entretanto, cremos que o princípio da proporcionalidade carrega em si a noção de razoabilidade, em uma relação inextrincável, e que não pode ser dissolvida, justificando, assim, a intercambialidade dos termos proporcionalidade e razoabilidade19 no ordenamento brasileiro”.
O mestre Bonavides expõe que “em nosso ordenamento constitucional não deve a proporcionalidade permanecer encoberta. Em se tratando de princípio vivo, elástico, prestante, protege ele o cidadão contra os excessos do Estado e serve de escudo à defesa dos direitos e liberdades constitucionais. De tal sorte que urge, quanto antes, extraí-lo da doutrina, da reflexão, dos próprios fundamentos da Constituição, em ordem a introduzi-lo, com todo o vigor, no uso jurisprudencial”.
Na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, Pleno, ADI 1.922/MC/DF, Relator Ministro Moreira Alves, DJU 24.11.2000, p.8920.
No caso concreto em análise, não é necessária pois, a consulente já põe à disposição de seus usuários, por outros meios as informações que ele, em tese, poderia colher mediante visualização do equipamento além disso, as perdas impostas à empresa-consulente são desproporcionais à utilidade que se obtém quando se possibilita ao consumidor a contemplação de um medidor de energia elétrica.
A propósito, o STF suspendeu a eficácia de lei estadual, que determinava a pesagem dos botijões de gás à vista do consumidor, entendendo ser plausível a arguição de que a norma violava o princípio da proporcionalidade (ADIn 855, MC, Relator Ministro Sepúlveda Pertence).
Nos termos da cláusula do contrato de concessão a empresa consulente está obrigada a implementar medidas que visem à conservação de energia elétrica, devendo elaborar programas de incremento à eficiência no uso e na oferta de energia elétrica
Há evidente o interesse público no escorreito adimplemento dessas obrigações.
A ADC 9/DF no seu julgamento, o STF entendeu que as restrições legais ao consumo diante cenário de carência de recursos energéticos foram consideradas constitucionais por sua sintonia com o princípio da proporcionalidade.
Conclui-se ainda que cabe à ANEEL escolher melhor opção que melhor realize os princípios constitucionais e, deve compatibilizar, da melhor maneira possível os princípios do CDC.
É o parecer que a alteração pretendia pela empresa consulente não é incompatível com o sistema de proteção do consumidor vigente.
A Resolução Autorizativa 201/2005 da ANEEL autorizou a AMPLA pelo prazo de vinte e quatro meses a implantar em caráter experimental, para fins de faturamento a medição eletrônica externa em unidades consumidoras de sua área de concessão,
Em 22.05.2007 a ANEEL editou a Resolução Autorizativa 923/2007 prorrogou o prazo de autorização por trinta meses. Em 2010 foi editada também a Resolução 414, de 09.09.2010 em cujo artigo 78 se faculta à distribuidora de energia elétrica a utilização de medição externa.
Conclui-se, portanto, que a colocação de medidores externos atendendo ao princípio da proporcionalidade21 não violam a legislação consumerista vigente e nem a legislação proveniente da agência reguladora. E, que a apresentação da fatura detalhada atende adequadamente o direito à informação ao consumidor, podendo impugnar, no caso de haver discrepâncias.
Entende o parecerista Dr. Ramiro Luiz Pereira da Cruz que a fatura discriminada, por si só, representa prova unilateral, que ao privar ao consumidor acesso direto e visual do medidor, não existem provas cabais e seguras sobre a correção de medição desses medidores no alto dos postes, uma vez que qualquer acidente como, por exemplo, a explosão dos transformadores e outras irregularidades podem privar o medidor da certeza da aferição do consumo realizado.
Já quanto aos chamados medidores digitais dotados de chips e que enviam informações, virtualmente, não há igualmente segurança informática suficiente para tanto. Podendo até haver erros e imprecisões na transmissão de dados do consumo realizado.
Portanto, recomenda-se parcimônia para prover instalações de medidores externos e inacessíveis aos consumidores de energia elétrica.