O papel do STJ na resolução de conflitos entre Tribunais Arbitrais e a proteção dos acionistas minoritários.

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O presente acórdão (EDcl no CC 185702 / DF), julgado pela Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) em 26 de abril de 2023, trata de um conflito de competência entre tribunais arbitrais em um litígio envolvendo acionistas de uma companhia. A decisão é significativa, pois aborda a legitimidade de acionistas minoritários para ajuizarem ações de responsabilidade contra administradores e controladores. O acórdão, relatado pelo Ministro Marco Aurélio Bellizze, é de grande importância para o entendimento do papel dos tribunais arbitrais e do STJ na resolução de conflitos societários, especialmente em casos de ações sociais ut singuli e a proteção dos interesses dos acionistas minoritários.

Neste artigo, serão discutidos os principais pontos do acórdão, sua fundamentação legal e a relevância da decisão no contexto empresarial e jurídico. Além disso, será analisado o impacto da decisão para empresas e acionistas, especialmente no que tange à arbitragem, aos direitos dos minoritários e ao papel da justiça estatal na resolução de conflitos de competência.

Conflito de Competência: Tribunal Arbitral e Justiça Estatal

O caso em questão surgiu de um conflito entre dois tribunais arbitrais que proferiram decisões divergentes e incompatíveis em processos envolvendo as mesmas partes e causas semelhantes. Diante da omissão do regulamento da Câmara de Arbitragem do Mercado em solucionar esse tipo de conflito, a parte interessada recorreu ao STJ para dirimir a controvérsia e definir qual tribunal arbitral seria o competente para julgar a ação de responsabilidade social movida contra os administradores da companhia.

Segundo o acórdão, o STJ reconheceu sua competência constitucional para julgar conflitos entre tribunais arbitrais, considerando o caráter jurisdicional hoje atribuído à arbitragem. O ponto central da decisão foi a aplicação das regras de litispendência e conexão do Código de Processo Civil (CPC), que poderiam comprometer o princípio da arbitragem, segundo o qual as partes têm o direito de escolher seus árbitros. Assim, o STJ decidiu em favor da prevalência do tribunal arbitral que foi acionado pela companhia lesada, afastando a possibilidade de aplicação das regras de litispendência entre procedimentos arbitrais.

A Arbitragem e o Direito dos Acionistas Minoritários

Outro aspecto relevante da decisão foi o tratamento dado pelo STJ aos direitos dos acionistas minoritários no contexto da Lei das S.A. (Lei nº 6.404/1976). O tribunal reconheceu que a lei garante aos minoritários a possibilidade de convocar uma assembleia geral extraordinária para deliberar sobre a responsabilidade dos administradores e, caso a companhia opte por não ajuizar a ação, permite que qualquer acionista promova a ação social ut singuli.

Conforme estabelecido no acórdão, essa iniciativa é subsidiária e depende da inércia da companhia, que tem a legitimidade ordinária e prioritária para ajuizar a ação. Contudo, caso a assembleia geral opte por não promover a ação, o acionista minoritário tem o direito de ajuizar a demanda em nome próprio, em defesa do interesse da companhia.

Essa posição do STJ reforça o papel dos acionistas minoritários na proteção do patrimônio da sociedade e na responsabilização de seus administradores e controladores. A decisão ainda destacou que, na hipótese de a companhia não promover a ação nos três meses subsequentes à deliberação autorizativa da assembleia, o acionista minoritário também pode ajuizar a ação, evitando o abuso de poder por parte dos controladores.

Precedentes Jurisprudenciais e Impacto para o Direito Empresarial

O acórdão faz referência a precedentes importantes na jurisprudência do STJ sobre a responsabilização dos administradores e a legitimidade dos acionistas minoritários para ajuizarem ações de responsabilidade. Um dos precedentes citados é o julgamento dos Recursos Especiais nº 1.214.497/RJ e 1.207.956/RJ, nos quais o STJ reconheceu a aplicação extensiva do artigo 159 da Lei das S.A. para as ações de responsabilidade contra controladores, em adição ao artigo 246 da mesma lei.

Essa interpretação ampliada do STJ tem como objetivo garantir maior proteção aos acionistas minoritários e evitar que o poder de controle ou o abuso da maioria impeça a responsabilização dos controladores da companhia. Além disso, a decisão reforça a possibilidade de os minoritários atuarem diretamente na defesa dos interesses sociais, sempre que a companhia se mostrar inerte ou conivente com a má gestão de seus administradores.

Esse entendimento tem sido de fundamental importância para o direito empresarial brasileiro, especialmente em um ambiente econômico onde o controle societário frequentemente concentra-se nas mãos de poucos acionistas, deixando os minoritários vulneráveis a abusos e irregularidades. A jurisprudência do STJ, nesse sentido, tem buscado equilibrar a relação entre controladores e minoritários, conferindo a estes últimos mecanismos eficazes para a defesa de seus direitos.

A Atuação do STJ no Controle da Arbitragem

Outro ponto crucial do acórdão é a reafirmação do caráter jurisdicional da arbitragem e do papel do STJ na resolução de conflitos de competência entre tribunais arbitrais. Embora a arbitragem seja um meio alternativo de resolução de disputas, reconhecido pela Lei nº 9.307/1996 (Lei de Arbitragem), o STJ tem atuado para garantir que sua aplicação não viole os princípios básicos do processo, como a segurança jurídica e a imparcialidade dos árbitros.

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No caso em análise, o STJ destacou que, embora o regulamento da Câmara de Arbitragem do Mercado fosse omisso quanto à solução do conflito entre os tribunais arbitrais, a justiça estatal tem o dever de intervir para preservar a coerência e a eficácia do sistema de resolução de conflitos. A decisão, portanto, reafirma o papel subsidiário do Judiciário no controle da arbitragem, especialmente em casos onde há decisões inconciliáveis entre tribunais arbitrais.

Essa intervenção do STJ é necessária para evitar que a arbitragem, longe de ser um meio eficiente de resolução de conflitos, se transforme em uma fonte de insegurança jurídica para as partes envolvidas. Ao resolver o conflito de competência, o STJ não apenas definiu qual tribunal arbitral seria o competente para julgar o caso, mas também garantiu a integridade do processo arbitral como um todo, reforçando sua legitimidade perante o ordenamento jurídico brasileiro.

Conclusão: A Relevância da Decisão para Empresas e Acionistas

A decisão do STJ no acórdão em questão é um marco na jurisprudência brasileira sobre arbitragem e direito societário, especialmente no que tange à proteção dos acionistas minoritários e ao controle dos tribunais arbitrais pela justiça estatal. Ao reconhecer a legitimidade dos acionistas minoritários para ajuizarem ações de responsabilidade e ao dirimir o conflito de competência entre tribunais arbitrais, o STJ reafirmou seu compromisso com a segurança jurídica e a proteção dos direitos dos investidores.

Essa decisão traz importantes implicações para empresas que adotam a arbitragem como meio de resolução de disputas, pois reafirma que, em casos excepcionais, o Judiciário poderá intervir para resolver conflitos de competência e assegurar a aplicação correta das normas arbitrais e societárias. Além disso, a decisão fortalece a posição dos acionistas minoritários, garantindo-lhes mecanismos eficazes para fiscalizar a gestão da companhia e responsabilizar seus administradores e controladores.

Sobre o autor
Barbosa e Veiga Advogados Associados

Fundado sob os princípios de excelência, ética e comprometimento, o Barbosa e Veiga Advogados Associados é um escritório que se dedica ao exercício da advocacia em diversas áreas do Direito, com foco especial nas causas empresariais, cíveis, criminais e direito de família. Nossa trajetória é marcada pelo incessante compromisso com a qualidade técnica e a busca por soluções jurídicas inovadoras e eficazes para nossos clientes.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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