Nosso artigo anterior foi escrito em 2007, mas guarda bastante atualidade ainda.
Sem contradição com o que dissemos no artigo, concordamos que é preciso modernizar a investigação preliminar: diminuir a formalização excessiva, utilizar meios mais modernos (digitais, e.g.) de perpetuação da prova, etc, mas o fato é que nenhum país funciona sem uma investigação prévia. Ela não vai acabar, mesmo que lhe troquem o nome, ou usurpem a função de seu presidente.
No Brasil, a investigação preliminar é formalizada em autos que recebem o nome de “Inquérito Policial” (atualmente, foi acrescido também o Termo Circunstanciado). Tal nome vem desde o Império e é uma construção genuinamente brasileira.
Dentro das criticas sobre o Inquérito Policial (que já mencionamos no texto) há as que condenam o próprio nome de nossos autos. Dizem: “é só no Brasil que existe... em nenhum país do mundo tem esse nome... por isso não presta... temos de acabar com isso...”
Nós urdimos esse nome, nossa experiência social produziu esse instituto. Não se conhece, nem se sabe, por que ele, de repente, ficou tão ruim assim. Precisa de ajustes, concordamos, mas daí a extinguir... Afinal, se nenhum país conseguiu eliminar a investigação preliminar, se alguma formalização terá de haver, não se entende porque devamos extinguir o inquérito (e depois inaugurar o mesmo procedimento com outro nome, apenas para satisfazer interesses de alguns).
As mesmas observações tem inteira aplicação para o nome do presidente da investigação preliminar (no Brasil, Inquérito Policial): o “Delegado de Polícia”.
Alhures, há o chefe de polícia, o Promotor-investigador, o Juiz de Instrução, ..., cada um com suas nuances e matizes, mas muito próximos da função do nosso Delegado de Polícia. Já o dissemos: a investigação preliminar não será abolida e alguém terá de presidir a investigação, se com que nome for. Contudo, teremos de abolir o Delegado de Polícia porque “é só no Brasil que existe... em nenhum país do mundo tem esse nome... por isso não presta... temos de acabar com isso...”
Até muito recentemente tínhamos os “delegados de calça curta”, que eram pessoas que exerciam o cargo sem prestarem concurso público. Eram politicamente nomeadas. Foi difícil acabar com isso no Brasil, mas finalmente conseguimos. Evoluímos muito duramente para o concurso público. Nós não estamos preparados para nomear gente para esse cargo, como demonstrou a experiência.
Nossa origem é de povo latino, oriunda do direito romano, do direito escrito. Parece fácil, mas muitos não entendem que nossa tradição não vem do “common Law”, do direito consuetudinário bretão-germânico. Aqui nunca se teve uma eleição para um chefe de polícia, ele era indicado, ele era “delegado”. Isso evolui para o concurso público. É uma construção evolutiva de nossa sociedade brasileira, fruto de nossa experiência civilizatória.
Países que elegem seus chefes de polícia tem origem na “commom Law” cuja evolução aconteceu de acordo com experiência próprias daquele povo, numa evolução muito diferente da nossa. O direito e a sociedade de lá tem outra conformação. Nosso direito, ao contrário do deles, não é fundamentalmente oriundo da jurisprudência. O nosso é legislativo, de direito escrito.
Não não basta tentar “copiar” institutos sociais de outros lugares. É necessário que funcione. Nossa conformação social é outra. Somos um povo novo, com 500 anos de existência, eles não.
Não se faz uma nação sem um mínimo de identidade própria. Veja-se a Europa com seus reis, as tradições reais inglesas, a tradição japonesa de festejar a morte, ao invés de pranteá-la, como os ocidentais, ... Os países tem suas tradições, seus institutos, suas características que os identificam como povo. Vejam os palestinos, os judeus até 1948, etc.
Apesar disso, nós não vamos conservar ao menos o nome Inquerito Policial, vamos substituir por outro nome, qualquer nome, infame nome... nós não vamos conservar também o nome Delegado de Polícia, vamos substituir por qualquer coisa por aí porque, porque, porque.... não se sabe porque.
Talvez a culpa seja pela formação de nosso povo, que procura sua identidade: não é europeu, nem africano, nem ameríndio: é uma mistura disso tudo que forma um povo novo, como bem disse Darci Ribeiro – o fruto da miscegenação não é negro, nem branco, nem vermelho, não tem identidade ainda, é ninguém. Essa “ninguendade” é que formou o Brasil. Nós somos o fruto de todas as taras e de todas as virtudes de outros povos.
Bem adequado mencionar a seguinte passagem sobre o saudoso e festejado civilista Silvio Rodrigues. Ele não se conformava com a tal “separação judicial”. Dizia o mestre não entender porque o nosso instituto, genuinamente brasileiro, tão próprio nosso, denominado “desquite”, tinha de ser abolido e substituído por esse neologismo estrangeiro.
E, aproveitando o gancho, que tal se abolíssemos a palavra “luar”?
Talvez poucos saibam que ela não tem tradução em outros idiomas. Ele é uma construção genuinamente brasileira, corresponde melhor à nossa experiência. Foi construída pelo sertanejo através da contemplação da lua enquanto esperavam os caminhões durante a madrugada para os transportarem para a lavoura, ou algo assim.
Luar é só nosso. Deve ser mal, ruim, imprestável. Vamos aboli-lo! O melhor certamente será “luz de la luna” (espanhol), “mondlicht sachlich” (alemão), “clair de lune” (francês), moonlight (inglês), ....
Brasil, um país sem memória!
Então, estamos combinados: vamos abolir o “nome” Delegado de Polícia. Vai se chamar agente-chefe, chefe de polícia, Promotor-investigador, Juiz de instrução, ou qualquer coisa melhor copiado da experiência de outro povo. Não é salutar preservar instituto brasileiro.
Então, estamos combinados: vamos abolir o “nome” inquérito policial. Vai se chamar procedimento prévio, processo preambular, investigação preliminar, ou qualquer outra coisa. Só não vale chamar inquérito policial porque é construção brasileira e genuína. Se for brasileiro, não presta.
De qualquer sorte, o “presidente” da “investigação preliminar” sempre vai existir, porque sempre existirá um procedimento prévio a propositura da ação penal. É a experiência de todos, mundial, que até não se conseguiu abolir. Só não presta o modelo brasileiro!