Sentença baseada em premissa fática equivocada é nula

01/12/2015 às 21:31
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Observado que o sentenciante julgou de modo alheio à realidade existente nos autos e à lide estabelecida entres as partes litigantes, a solução adequada é a cassação do édito vituperado e o retorno dos autos à origem.

Constatado que a sentença e as particularidades da causa que a antecederam são inconciliáveis, visto que sugerem uma solução diversa daquela encontrada pelo juízo de primeiro grau, imperioso reconhecer que o ato judicial padece de nulidade, uma vez que nula é a sentença cuja fundamentação ressai confusa e incongruente.

Com efeito, a sentença, como ato intelectivo que é, deve ser clara e precisa, por conseguinte a fundamentação deve estar em plena consonância com os atos processuais praticados e as postulações das partes, razão pela qual não pode imprimir solução que não esteja em harmonia com os autos.

Sobre o tema, pondera o consagrado jurisconsulto Moacyr Amaral dos Santos que “contraditória é a sentença que faz, na fundamentação, afirmações inconciliáveis, ou quando daquela não podia logicamente chegar ao dispositivo” (in Comentários ao Código de Processo Civil, v. IV, 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, p. 450).

É importante lembrar que cabe ao juiz pacificar o conflito de interesses interindividuais, por meio de prestação jurisdicional adequada e coerente, haja vista que a jurisdição é um dever-poder de status constitucional. Caso isso não ocorra, não terá cumprido com sua função, de modo que o provimento por ele eventualmente exarado não subsiste sob prisma da validade.

Oportuno sobrelevar que “Embora não se resuma a puro e abstrato silogismo, a decisão judicial resulta de um exercício lógico, em que premissas e conclusões mantenham vínculos de pertinência e consequência. O dispositivo judicial é um teorema que deve ser demonstrado. Não se pode ter como fundamentada a decisão assentada em motivo impertinente com sua conclusão ....” (STJ. REsp. nº 132349-SP, Ac. De 03.11.1998, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJU de 03.11.1998, pág. 20).

Assim, não há como conceber o ato judicial vituperado, tendo em vista sua manifesta contradição.

Corrobora o entendimento ora esposado a jurisprudência do colendo Superior Tribunal de Justiça e do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, ad litteram:

“ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. ALEGAÇÃO DE OFENSA AOS ARTS. 458, INCISO II, E 535, INCISOS I E II, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. OMISSÃO NÃO CONFIGURADA. ACÓRDÃO RECORRIDO. DECISÃO EXTRA PETITA. OCORRÊNCIA. JULGAMENTO ANULADO. RETORNO DOS AUTOS DETERMINADO. 1. O acórdão hostilizado solucionou a quaestio juris de maneira clara e coerente, apresentando todas as razões que firmaram o seu convencimento. 2. É de ser reconhecido que, na espécie, houve julgamento extra petita, tendo em vista que o Tribunal a quo, ao reformar a sentença, deixou de julgar as questões controversas dentro das exatas balizas contidas na lide. 3. Recurso especial conhecido e parcialmente provido.” (STJ, REsp 829.401/RS, 5ª Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, DJe 06/12/2010)

“AGRAVO REGIMENTAL EM APELAÇÃO CÍVEL EM AÇÃO DE COBRANÇA DE SEGURO DPVAT. INCONGRUÊNCIA DA SENTENÇA. NULIDADE ABSOLUTA. RECONHECIMENTO DE OFÍCIO. DECISÃO MANTIDA.  1. Deve ser cassada a sentença que se revela incongruente, uma vez que decide a causa de modo alheio à realidade fática consubstanciada no feito. (...) 4. AGRAVO REGIMENTAL CONHECIDO E DESPROVIDO.” (TJGO, APELACAO CIVEL 404521-08.2010.8.09.0175, Rel. DES. ELIZABETH MARIA DA SILVA, 4A CAMARA CIVEL, julgado em 10/04/2014, DJe 1526 de 22/04/2014)

“AGRAVO INTERNO. APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS DE TERCEIRO. SENTENÇA CONFUSA E INCONGRUENTE. NULIDADE ABSOLUTA. AUSÊNCIA DE FATO INOVADOR.  1 Revelando-se confusa e incongruente a sentença que não decorre de lógica conclusão, impõe-se declará-la nula a fim de que outra seja proferida, com definição da relação jurídica de modo certo. 2 -  Mantém-se o decisum agravado, uma vez que a recorrente não trouxe fato ou fundamento novo capaz de modificar as razões que lhe dão suporte. Precedentes desta Corte.  AGRAVO INTERNO CONHECIDO E IMPROVIDO.” (TJGO, APELACAO CIVEL 167422-24.2009.8.09.0142, Rel. DR(A). EUDELCIO MACHADO FAGUNDES, 2A CAMARA CIVEL, julgado em 13/08/2013, DJe 1374 de 28/08/2013)

“(...) INCONGRUÊNCIA. NULIDADE ABSOLUTA. RECONHECIMENTO DE OFÍCIO. (...) 2. Mostra-se incongruente a sentença que decide em alheamento à realidade fática consubstanciada no feito, apresentando-se assimétrica àquela.” (TJGO, 1ª Câmara Cível, AC nº 381462-51.2009, Rel. Des. Leobino Valente Chaves, DJ 785 de 24/03/2011)

Nessa senda, observado que a sentenciante julgou de modo alheio à realidade existente nos autos e à lide estabelecida entres as partes litigantes, a solução adequada é a cassação do édito vituperado e o retorno dos autos à origem, a fim de que outra sentença seja proferida pelo magistrado condutor do feito, com observância dos limites impostos pela lei, bem assim com expressa motivação sobre os pedidos contidos na petição inicial.

Sobre a autora
Ilma Araújo

Professora de Direito Empresarial, Direito Processual Civil e Previdenciário.

Informações sobre o texto

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