Em atenção ao pedido verbal do consulente, o presente parecer jurídico tem por objetivo explicitar as características do bloqueio de matrícula, a teor da legislação vigente para, ao final, indicar a possibilidade de o Registrador realizar averbações.
Historicamente, o bloqueio de matrícula tem origem jurisprudência pátria, que tratava do assunto antes mesmo da existência dispositivos legais, seguindo entendimentos e conceitos jurídicos aplicados em ordenamentos jurídicos estrangeiros.
A questão foi melhor regulamentada com a entrada em vigor da Lei 10.931/2004, a qual, além de outras grandes inovações, promoveu alterações na Lei de Registros Públicos (Lei 6.015/1973), em especial na redação dos parágrafos do artigo 214.
Seguindo o entendimento da jurisprudência e da atual redação da Lei dos Registros Públicos, entende-se que o bloqueio de matrícula é um instrumento acautelatório e também preparatório, manejado em disputas judiciais em que uma das partes pretende a anulação de determinado negócio jurídico, por existência de vício.
É acautelatório, pois objetiva (i) salvaguardar direitos do litigante que pretende anulação do negócio jurídico e (ii) impedir que terceiros de boa-fé sejam prejudicados no surgimento de novos negócios jurídicos. É preparatório, pois pode ser ajuizado de forma em separada e antes do ajuizamento da ação principal de anulação de negócio jurídico. Pretende-se, com o bloqueio da matrícula, que o vício (nulidade) se propague e atinja outras pessoas, em especial os terceiros de boa-fé. Seguindo esse entendimento, destaca-se o seguinte julgado:
AGRAVO DE INSTRUMENTO - CAUTELAR- BLOQUEIO DE MATRÍCULA DE IMÓVEL - PODER GERAL DE CAUTELA DO JUIZ - RECURSO DESPROVIDO. O bloqueio na matrícula de imóvel se insere no poder geral de cautela conferido ao juiz pelo art. 798, do CPC, a fim de impedir prejuízos decorrentes de eventual alienação de imóvel que possa vir a ser considerado bem de terceiro. (AI 146682/2013, DES. ADILSON POLEGATO DE FREITAS, PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL, Julgado em 01/07/2014, Publicado no DJE 07/07/2014).
Neste contexto, é importante ressaltar que o bloqueio de matrícula é decretada em situações fáticas em que se discutam vícios na transmissão do imóvel, visando a anulação do negócio jurídico.
Um exemplo clássico é a venda realizada por pessoa que não era proprietária do imóvel e, portanto, não gozava das faculdades de usar, gozar, dispor e reaver o bem, conforme disposto no artigo 1.228 do Código Civil. E assim, pleiteia-se o bloqueio da matrícula para evitar novas transmissões dominiais (registros) enquanto perdurar a lide.
Contudo, neste ponto, é importante tecer a seguinte opinião jurídica. Muito embora o bloqueio de matrícula possa ser interpretado como limitação ao direito de propriedade, em razão da sua consequência prática e o artigo 214, parágrafo 4º da Lei 6.015/1973 mencione que “o oficial não poderá mais nela praticar qualquer ato”, entende-se que a limitação não é total. Isto é, o proprietário tem a possibilidade, mesmo com o bloqueio da matrícula, de exercer as faculdades de usar, gozar e reaver o imóvel.
Em termos práticos, por ser uma limitação parcial do direito de propriedade, entende-se ser possível que o oficial registrador promova averbações às margens da matrícula bloqueada, conforme o disposto no artigo 167 da Lei de Registros Públicos.
E quais seriam os fundamentos que norteiam esse entendimento? Conforme explicado acima, o principal objetivo do bloqueio da matrícula é impedir o registro de novas transferências dominiais ou ainda o registro de atos que resultem ou possam resultar na transferência da propriedade, salvaguardando direitos dos litigantes e dos terceiros de boa-fé. O exemplo mais próximo é a escritura pública de compra e venda, a qual, em minha opinião, não poderá ser registrada, resguardando-se o direito a prenotação do título e prorrogação do prazo até o deslinde do bloqueio.
Em resumo, a exceção dos atos relacionados a faculdade de dispor do bem, todos e quaisquer atos relacionados às demais faculdades inerentes ao direito de propriedade poderão ser praticados, estando autorizado, consequentemente, o oficial registrador a proceder às respectivas averbações as margens da matrícula.
Caso o bloqueio de matrícula representasse a limitação total do direito de propriedade, entende-se que não poderia haver a exceção disposto no próprio artigo 214, parágrafo 4º da Lei 6.015/1973, a qual se refere, “salvo com autorização judicial”, porque sob esta ótica, o proprietário nada mais poderia praticar no imóvel, inclusive usar, gozar e reaver.
Outrossim, a função social da propriedade representa argumento bastante relevante não compatível com a limitação total do direito de propriedade no caso de bloqueio de matrícula. Sabe-se que os proprietários devem atender a função social da propriedade nos seus mais amplos aspectos (ambiental, econômico e social).
Caso o bloqueio de matrícula representasse a limitação total do direito de propriedade, e não a limitação parcial, como defendida no presente parecer, enquanto perdurasse a lide que originou o pedido de bloqueio, entende-se que o proprietário nada poderia realizar no imóvel, em especial no aspecto econômico (exploração econômica das áreas convertidas para uso alternativo do solo e da reserva legal). E tal condição seria evidenciada logo nas fases administrativas, durante o licenciamento ambiental das atividades rurais (agricultura e pecuária) e florestais.
Por fim, necessário se faz destacar que o bloqueio de matrícula não se confunde com a averbação de existência de ação, uma vez que esta não implica em qualquer limitação ao direito de propriedade, tendo objetivo exclusivo de informar eventuais terceiros de boa-fé.
Em conclusão, entende-se que o bloqueio de matrícula representa limitação parcial ao direito de propriedade, notadamente relacionada com a faculdade de dispor do bem imóvel, estando as demais faculdades livres e disponíveis ao proprietário, pelo que, entende-se plenamente viável a realização, pelo oficial registrador de eventuais averbações às margens da matrícula bloqueada, conforme fundamentação acima exposta.
S.m.j.
É o parecer
Rodrigo Teixeira de Faria
OAB/MT 18.573-A
OAB/PR 50.682